Estudo publicado na revista científica Plos One aponta que nada menos do que 171 trilhões de partículas de plástico - o equivalente a 2,3 milhões de toneladas - estão nos oceanos. Em uma comparação, é o mesmo peso, por exemplo, de 10 mil baleias-azul. Ou 5.137 aviões Boeing modelo 747-8 com carga máxima.
O maior ecossistema da Terra, que cobre 70% do planeta, sofre com acidificação, aumento do nível do mar, poluição difusa, erosão costeira, pesca insustentável, aumento da temperatura das águas, a lista é longa e perigosa.
O estudo analisou 11.777 estações de medição ao redor do mundo para criar uma série temporal global com as contagens médias e a massa de pequenos plásticos na camada superficial do oceano entre 1979 a 2019.
Mais do que isso, são hoje uma das maiores ameaças às espécies marinhas, desde moluscos até aves, tartarugas e mamíferos. A cada ano, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), isso custa pelo menos US$ 8 bilhões em danos aos ecossistemas marinhos. Segundo estimativas, até 2050, 99% das aves marinhas da Terra terão ingerido plástico.
O órgão da ONU também projeta que, até 2050, os oceanos terão mais plástico do que peixes se as tendências atuais não forem interrompidas. Mas não só os animais marinhos estão ameaçados, os seres humanos também.
Além do perigo do consumo indireto de plástico ao se alimentar de peixes e moluscos, uma pesquisa publicada na Nature avaliou a relação entre a poluição por microplásticos e patógenos como Toxoplasma gondii, Cryptosporidium parvum e Giardia enterica, reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como causas subestimadas de doenças decorrentes do consumo de mariscos.
Os resultados apontaram que os patógenos são capazes de se associar a microplásticos em água do mar contaminada, com mais parasitas aderindo a superfícies de microfibra em comparação com microesferas.
Brasil recebe encontro de preparação para relatório global do oceano
Nas últimas duas semanas, o perigo dos microplásticos foi apenas uma das preocupações de cerca de 80 especialistas em oceano de 27 países que se reuniram no Brasil para debater as principais questões sobre o Atlântico Sul e o Caribe.
O encontro foi promovido pela Divisão de Assuntos Marítimos e Direito do Mar das Nações Unidas (Doalos, na sigla em inglês) em conjunto com o governo brasileiro. A reunião vai contribuir para a preparação do próximo Relatório Global do Estado do Oceano (World Ocean Assessment III), que será lançado em 2025 pela ONU.
“Os problemas relacionados com o oceano estão interligados e têm múltiplas facetas, o que fazemos é reconhecer essa faceta múltipla e suas ligações, ou seja, as conexões com a sociedade humana, as implicações para a vida que está no oceano e as outras conexões”, diz Marco Boccia, representante da Divisão de Assuntos Marítimos e Direito do Mar das Nações Unidas, em Nova Iorque.
O próximo relatório trará uma visão integrada sobre o estado do oceano levando em conta três pilares do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental.
“Um aspecto importante são as mudanças que introduzimos nas edições anteriores, e essas mudanças não surgiram do nada. Elas foram resultado do exercício de escuta dos cinco workshops realizados no ano passado para entender as necessidades de cada região do mundo”, diz Roberto de Pinho, Co-coordenador do Grupo de Especialistas do Processo Regular das Nações Unidas para o III Relatório Global do Estado do Oceano.
Segundo ele, dessas reuniões nasceram a percepção das necessidades regionais e o que deve estar no próximo relatório . “Questões socioeconômicas transversais, de igualdade de gênero e incorporação de conhecimentos tradicionais. E o segundo elemento foi um claro chamado para apresentarmos algo que podemos chamar caminhos da sustentabilidade”, afirma Pinho. “Devemos fornecer informações sobre o que funcionou no passado, o que não funcionou, onde está a luz no fim do túnel que as pessoas podem seguir.”
Por enquanto, no caminho da sustentabilidade há uma série de obstáculos a serem vencidos para a sobrevivência de centenas de milhões de pessoas que dependem do oceano. Veja alguns dos principais problemas:
Acidificação do oceano
O oceano funciona extremamente bem como uma espécie de esponja do dióxido de carbono. Estima-se que até cerca de um terço do dióxido de carbono (CO2) emitido pela atividade humana seja absorvido pelas águas, é o principal sumidouro de carbono do planeta. Ao longo do tempo, no entanto, com o aumento das emissões, o oceano em contato com o CO2 vem se acidificando.
Ao se encontrar com o gás, a água tem seu nível de PH diminuído. O resultado desse processo impacta na quantidade de vida marinha, nas correntes marítimas, como por exemplo, a Corrente da Califórnia e a Corrente de Humboldt, alterando a quantidade de biomassa e sua composição química.
Aumento do nível do mar
Cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo dependem diretamente da biodiversidade marinha para sobreviver. Daqui até o final do século essa relação tem uma ameaça bem estabelecida e medida: 43 centímetros. Esse é o tamanho do aumento do nível do mar até 2100 caso o aquecimento global chegue a 2º, e estamos caminhando para isso.
“O perigo é particularmente grave para quase 900 milhões de pessoas que vivem em áreas litorâneas baixas, uma em cada 10 pessoas na Terra”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, em fevereiro, no Conselho de Segurança.
Diferentes alertas vêm sendo feitos ao longo dos anos sobre o perigo real que isso representa. “As comunidades que vivem em áreas baixas e países inteiros poderiam desaparecer para sempre. Estaríamos presenciando um êxodo enorme de populações inteiras, de proporções bíblicas”, disse o secretário-geral da ONU.
A ameaça se estende a você, mesmo que não viva nas zonas costeiras. O relatório do IPCC, o painel climático da ONU, alerta com alto grau de confiança, que esse processo deve levar a uma situação de aumento nos ventos e chuvas, dos ciclones tropicais. Combinados com a elevação do nível do mar, os efeitos devem exacerbar os eventos climáticos extremos.
De acordo com o documento, “o nível médio global do mar aumenta em ritmo acelerado nas décadas recentes devido ao aumento das taxas de perda dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida, bem como à perda contínua de massa das geleiras e expansão térmica do oceano.”
Aquecimento do oceano
De acordo com o IPCC, “é praticamente certo que o oceano global aqueceu sem parar desde 1970 e assumiu mais de 90% do excesso de calor no sistema climático”. Desde 1993, a taxa de aquecimento dos oceanos mais do que dobrou e as ondas de calor marinhas dobraram em frequência desde 1982 e estão aumentando em intensidade.
As consequências vão desde o aumento no nível do mar e a alteração na salinidade dos mares. Funciona como um efeito cascata, uma consequência puxando a outra, até atingir a biodiversidade marinha e a interferência nos sistemas de massas de ar.
O relatório do IPCC afirma que o aquecimento dos oceanos e as mudanças na produção desde o século 20 estão relacionados a mudanças na produtividade de muitos estoques de peixes, com uma redução média de aproximadamente 3% por década na reposição populacional.
De acordo com um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), a Terra quebrou recordes preocupantes por derretimento de geleiras, aumento do nível do mar e aquecimento do oceano no último ano.
O relatório anual “Estado do clima global” da organização, que rastreia indicadores e impactos climáticos, citou um recorde para o conteúdo de calor oceânico em 2022. Cerca de 58% da superfície do oceano experimentou ao menos uma onda de calor marinho no último ano, disse a OMM.
Pesca predatória
A pesca predatória é um dos fatores não climáticos mais importantes que afetam a sustentabilidade da pesca. O mesmo relatório do painel climático da ONU prevê que 60% das espécies de peixes avaliadas estejam em alto risco devido à sobrepesca e às mudanças climáticas até 2050. O risco é maior, particularmente, para espécies tropicais e subtropicais.
Poluição difusa
Pelo menos 25 milhões de toneladas de resíduos são despejadas por ano nos oceanos. E a maior parte disso, 80%, tem origem nas cidades, em razão da má gestão dos resíduos sólidos. Os dados são da ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos), que revisou a literatura mundial sobre poluição marinha.
Longe das cidades, no entanto, o problema também existe. O oceano tem algumas áreas chamadas de zonas mortas, regiões marítimas com baixa oxigenação em que os animais marinhos não podem sobreviver. Uma delas está, por exemplo, no Golfo do México, outra na costa oeste da América do Sul, no Oceano Pacífico.
Apesar de serem áreas naturalmente com essas características, cientistas acreditam que a atividade agrícola possa também acentuar esse processo na zona morta do Golfo do México. De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOOA), essa região se estende por 16 mil quilômetros quadrados, do delta do Rio Mississipi à costa norte do Estado do Texas.
De acordo com os pesquisadores da agência federal, a dispersão de elementos químicos como fósforo e nitrogênio, vindos de fertilizantes, pelo rio é uma das causas que levou aos menores níveis de oxigenação na região na última década.
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