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Na Cúpula da Amazônia, Lula mira ser líder pró-floresta, mas leva ‘fantasma’ do petróleo

Brasil tenta juntar esforços na região para negociação climática, mas precisa lidar com interesses de nações vizinhas e contradições internas, como projeto da Petrobras na foz do Amazonas

Foto do author Paula Ferreira
Foto do author Roberta Jansen
Por Paula Ferreira e Roberta Jansen
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega à Cúpula da Amazônia, em Belém, nesta terça-feira, 8, com o objetivo de convencer os países da região a assumir a meta de desmate zero – o que o Brasil prometeu fazer até 2030. Para isso, ele terá de equilibrar interesses das nações vizinhas e ainda lidar com as contradições internas do próprio governo, como a polêmica sobre a exploração do petróleo na foz do Rio Amazonas.

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Após um hiato de quatro anos no protagonismo brasileiro na área ambiental na gestão Jair Bolsonaro (PL), o Brasil tenta voltar à liderança global em busca de soluções para o planeta. “Estamos tentando cooperação para chegar a metas comuns na região, mas há interesse de ter um ideal de desmatamento zero na região, que acho ser do interesse de todos”, afirmou a diretora do Departamento do Meio Ambiente do Itamaraty, Maria Angélica Ikeda.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, mostram queda de 42,5% de janeiro a julho, ante mesmo período do ano passado. Para membros da área ambiental do governo, o dado positivo dá mais força para que o País lidere as discussões na cúpula.

Lula terá de, na Cúpula da Amazônia, buscar equilibrar interesses de países vizinhos do Brasil com problemas internos do próprio governo. Foto: Wilton Junior/Estadão

Apesar disso, nos bastidores, ainda há cautela quanto a resultados práticos do evento. No cenário mais realista, a expectativa é de que os países estabeleçam metas intermediárias comuns de redução do desmate, mas não necessariamente firmando o compromisso de zerar a derrubada do bioma.

A aposta de Lula para ter uma frente regional robusta pela floresta foi ressuscitar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que estava abandonada. Além do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela têm o bioma em seus territórios.

A ideia é criar uma representação regional forte, com objetivos alinhados a partir da Declaração de Belém, para chegar à Conferência do Clima de Dubai (COP-28), em novembro, com força para pautar interesses dos países florestais.

“O Brasil propor a cúpula (da OTCA) e sediá-la, do ponto de vista da preservação da floresta e da política externa brasileira, é um avanço importante”, diz o ex-embaixador Rubens Barbosa, integrante do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP. “É importante discutir de modo coordenado os problemas da região, já que cada país tem uma política para a Amazônia diferente e atua individualmente.”

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Dos países amazônicos, só os presidentes do Equador, Guillemo Lasso, e do Suriname, Chan Santokhi, não vão ao evento. Nesta terça-feira, o presidente venezuelano Nicolás Maduro cancelou a ida em razão de um problema de saúde.

Nos bastidores , a polarização e os cenários internos conturbados de alguns países amazônicos, como a Venezuela, têm dificultado a obtenção de acordos mais ambiciosos. Há a visão de que algumas nações não querem comprar certas brigas por falta de força política interna. Outro ponto é a falta de confiança entre os países do grupo, com diversos matizes ideológicos, que atrapalha o diálogo.

E a tentativa de aliança não se limita à América do Sul: o Brasil convidou representantes dos dois Congos, da Indonésia, e de São Vicente e Granadinas, nações que também abrigam florestas tropicais. A cúpula terá ainda a presença de representantes da Alemanha, da Noruega e da França, e do presidente da COP-28, Sultan Ahmed Al Jaber.

Petróleo e Colômbia viram pontos delicados

Se por um lado, o Brasil pressiona por metas ambiciosas para frear o desmate, por outro se esquiva quando o tema é petróleo. A Colômbia pressiona pela inclusão de um compromisso para que não haja novos projetos de exploração do produto na região.

O Ibama negou a emissão de licença ambiental para a atividade de perfuração marítima para exploração de blocos de petróleo e gás localizados na foz do Rio Amazonas. Foto: Werther Santana/Estadão

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Em junho, porém, a Petrobras pediu para explorar o recurso na foz do Rio Amazonas e foi barrada pelo Ibama. Em entrevista na quinta-feira, 3, às vésperas da cúpula, Lula afirmou que o estudo do Ibama que vetou exploração do petróleo na área “não é definitivo”. Nesta segunda-feira, 7, Lula foi questionado sobre o tema em Belém e respondeu: “Você acha que eu vim aqui para discutir isso agora?”

”A declaração vai ser a média desses consensos progressivamente assumidos ao longo da negociação. Cada país tem dinâmica diferente. Existe a Colômbia, que trata a questão do petróleo, e o presidente Lula, que trata fortemente a questão do desmatamento”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na quinta-feira.

Na ausência do Brasil nas discussões ambientais durante a gestão Bolsonaro, o país vizinho tomou as rédeas do debate ambiental na região. “Cada país tem um nível de maturidade no seu debate interno, mas alguns se antecipam com temas que são importantes e estratégicos. Mas não é algo que um país vai impor ao outro”, completou ela.

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Em maio, a polêmica da exploração do petróleo na foz do Amazonas motivou um embate político entre Marina e o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (AP). Na época, ele deixou o partido de Marina, a Rede.

“O petróleo é um aspecto importante a limitar a liderança do Lula”, avalia o especialista em Relações Internacionais e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Viola. “O Brasil tem comportamento oposto (ao da ação antidesmate) no que diz respeito à descarbonização da economia.”

Pesquisador da USP, Paulo Artaxo destaca a necessidade de transição energética. “As políticas públicas brasileiras estão muito longe de aproveitar as vantagens estratégicas do Brasil para a geração de energia solar e eólica, por exemplo”, afirma.

“É difícil, mas a geopolítica nacional está mudando rapidamente a partir desses eventos climáticos extremos que explodiram este ano”, diz ele, que integra o IPCC, painel de cientistas das Nações Unidas para debater a crise climática. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete liderar no governo um projeto de transição energética, de olho na economia verde.

Crime organizado é problema comum

Apesar dos dissensos, um dos pontos que devem obter concordância dos países é a cooperação para combater o crime organizado na região. Há expectativa de que esse ponto seja uma tônica da declaração. Além da criação de um centro de cooperação policial dos países da Amazônia, proposto pelo Brasil, a perspectiva é que essas nações tracem estratégias conjuntas contra o crime organizado.

A Amazônia reúne um ecossistema de várias ilegalidades, desde o garimpo e o desmate ao comércio de drogas. No bioma, fica a rota do Rio Solimões, uma das principais usadas pelo narcotráfico por causa da tríplice fronteira (Peru-Colômbia-Brasil). Na Amazônia legal, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança, a taxa de mortes por 100 mil habitantes foi de 26,7, bem superior à média do País (17,7).

Dinheiro e Congresso também serão obstáculos

“As coisas não serão fáceis para o Brasil”, afirma Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC. “O Brasil tem os instrumentos que já funcionaram no passado, mas, dez anos depois, tem mais desafios. E mais profundos por conta dos quatro anos de desmanche da política ambiental e de incentivos à criminalidade da Amazônia.”

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Na visão da pesquisadora, o maior gargalo hoje é financeiro. “Conseguiremos implementar tudo o que está sendo proposto? Vai depender da nossa capacidade de conseguir recursos. O Fundo Amazônia não é suficiente, precisamos de mais dinheiro.” Nos últimos meses, mais países aderiram ao Fundo Amazônia, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a Suíça. Atualmente, há R$ 3,9 bilhões no caixa do programa.

Outra tônica de Lula tem sido cobrar os países desenvolvidos sobre uma promessa, feita em 2009, de repassar US$ 100 bilhões anuais para combate e adaptação ao aquecimento global. As regras do financiamento climático têm sido um dos principais nós das negociações das últimas COPs.

Eduardo Viola não é otimista sobre os recursos. “Lula pode conseguir mais financiamento, mas não tão gigantesco quanto o governo e parte da mídia estão achando”, disse. “Por conta da guerra na Ucrânia, os países europeus e os Estados Unidos não têm mais excedentes. O gasto em defesa é prioridade agora e isso já começa a afetar até mesmo os investimentos no estado de bem estar social.”

Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs, destaca a oposição dentro do Congresso. “Tem ao menos três projetos de lei no Congresso que, se aprovados, devem ser vetados pelo presidente se ele quiser manter certa coerência”, afirma. “É possível vetar? Sim, depende só da caneta dele. Mas precisa ter muita disposição política.”

Entre os projetos, estão a pavimentação da BR-319, que liga Rondônia ao Amazonas; a retirada do Ibama do licenciamento de obras ditas “de interesse nacional”; e a construção da Ferrogrão, a ferrovia que liga Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA) e que atravessa o Parque Nacional do Jamanxin, no Pará, com possíveis impactos a populações indígenas.

*A repórter Paula Ferreira viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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