Nasci na zona sul de São Paulo, onde vivi até os 24 anos, quando comecei a me afastar cada vez mais dos grande centros urbanos. Fazia administração na Universidade de São Paulo (USP) e me via muito insatisfeito. O que me motivava era a questão social das relações humanas e coletivas e via enorme dificuldade para articular grupos na capital, pelo excesso de atividades concorrentes, distância física e tempo perdido no trânsito.
Mesmo em busca qualidade de vida, notei que havia um limite até onde conseguiria chegar. Por isso decidi, num primeiro movimento, ir para Florianópolis. Uma ruptura grande, porque larguei a faculdade e passei a morar em locais perto da zona rural, de forma coletiva. Voltei para a graduação, casei, tive filhos e iniciepesquisa de mestrado sobre ecovilas no Brasil. O objetivo era buscar maneiras de se fazer um outro tipo de administração que não fosse a tradicional, aprendida na faculdade, muito centrada em hierarquias e em métodos de manufatura empresariais. Esse modelo não satisfaz as necessidades de muitos grupos coletivos, como ONGs, que não trabalham em função do lucro e precisam cuidar de áreas além de produtividade, como a dimensão ética e as relações humanas.
Em 2012, aos 31 anos, junto com coletivos de amigos, criei uma ecovila na zona rural de Itacaré, no sul da Bahia, onde moramos por cinco anos. Depois, mudamos para uma comunidade tradicional, com forte vocação para a sustentabilidade, em Uruçuca (BA), onde estamos há quatro anos. Vivemos em um terreno com cinco famílias, cada uma em sua casa.
A vila tem cerca de quatro mil habitantes, sendo que a maioria, veio de cidades grandes e não necessariamente largaram suas carreiras. Essa é uma característica que nos diferencia bastante do movimento hippie da década de 1960. Antes, ao mudar, as pessoas rompiam todos os laços. Hoje, com a internet, isso não é mais necessário.
Trabalho remotamente desde 2006, sou diretor de Comunicação e Tecnologia da Global Ecovillage Network e representante brasileiro no Conselho dos Assentamentos Sustentáveis da América Latina (CASA Latina). Mas, no início, encontrei muitos desafios. Era uma luta convencer as pessoas de que era possível atuar dessa forma. E hoje, por conta da pandemia, as empresas estão sendo obrigadas a viabilizar o home office.
O cenário mudou completamente e não é preciso conseguir emprego presencial para fazer a transição para o online. Portanto, não faz mais diferença estar em uma grande capital para se desenvolver profissionalmente, dependendo da área de atuação.
A expansão do trabalho remoto tem facilitado muito a migração de pessoas da cidade para o campo. E com a pandemia , ficou ainda mais evidente esse movimento de romper a distinção entre rural e urbano e compreender que existe uma interdependência total entre as áreas. Muitos que pensavam em mudar, mas aguardavam a condição perfeita, perceberam que não há mais o que adiar.
A qualidade de vida na cidade se degrada de forma absurda e rapidamente. Ficar dependendo desse mundo que produziu a pandemia não ébom negócio. Viver numa situação apocalíptica como essa torna ainda mais urgente esse projeto de transição de vida, de uma nova cultura e maneira de estarmos presentes no mundo. É um momento de oportunidades.
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