Saiba quem é Txai Suruí, a ativista indígena de Rondônia que falou na COP-26

Jovem, que também é estudante de Direito, discursou na mesma tribuna que Biden e Boris Johnson; ela diz que não há como debater aquecimento global sem ouvir os povos que convivem com a natureza há milênios

PUBLICIDADE

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Txai Suruí, ativista indígena de 24 anos de Rondônia, dividiu nesta segunda-feira, 1º, a mesma plenária que líderes globais, como o presidente americano Joe Biden, o premiê britânico Boris Johnson e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Ela discursou sobre a importância de proteger a Amazônia e ouvir os povos indígenas. Foi a única brasileira a falar na abertura da Cúpula do Clima (COP-26) aos mais de cem chefes de Estado – o presidente Jair Bolsonaro decidiu não ir ao evento. “A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”, disse na conferência. “Não é 2030 ou 2050. É agora.”

PUBLICIDADE

Ao Estadão, ela admitiu que estava ansiosa, mas ciente da responsabilidade. Afirmou que os povos indígenas “presenciam as causas e as consequências” da crise climática. “Quando digo as causas, digo que estamos vendo a invasão de terras, a mineração sujando os rios, o aumento das queimadas, o desmatamento da floresta”, contou. “Quando digo as consequências, falo sobre a escassez da chuva, o desaparecimento de animais, os rios mortos e secos, que afetam muito a nossa vida.”

Para ela, isso é preciso que o mundo possa aprender mais com quem convive há milênios em harmonia com a natureza – desde criança escuta a história ancestral de seu povo, conhecida por sua luta pela integridade do território. 

Txai faz parte dos Povos Suruí, tem cerca de 2 mil indígenas. As aldeias passaram a sofrer com invasões nos últimos anos e, segundo ela, com efeitos da crise do clima, que dificulta a subsistência pela caça e plantio.

Txai Suruí foi a única brasileira a falar na abertura da Cúpula do Clima (COP-26) Foto: Kiara Worth / UNFCCC_COP26

Fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia e estudante de Direito, ela também atua no núcleo jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental - Kanindé, organização referência na causa indígena. Recentemente se tornou conselheira da World Wide Fund For Nature no Brasil (WWF Brasil).

Uma das vozes mais emergentes no ativismo indígena, Txai afirma que, enquanto o mundo passa a ouvir os povos indígenas, o País vai no movimento contrário. “O Brasil precisa mudar radicalmente se quiser salvar o planeta”, afirmou ela, que ainda lembrou o o ativista Ari Uru-Eu-Wau-Wau, que denunciava crimes ambientais e foi encontrado morto em abril de 2020 em Rondônia.

Nas próximas duas semanas, ela continua na COP e em outras agendas pela Europa. “Os líderes precisam saber que o que estamos vivendo na Amazônia também é responsabilidade deles.”

Publicidade

Filha do cacique Almir Suruí e da indigenista Neidinha Suruí - duas das lideranças indígenas mais conhecidas no país -, Txai aprendeu desde cedo a importância de defender o território dos povos da floresta. Desde criança, ela vê os pais ameaçados de morte por garimpeiros e grileiros de terra que invadem as terras indígenas na Amazônia.

Em 2012, as ameaças contra os pais de Txai se tornaram tão graves que a família precisou andar escoltada pela Força Nacional. Na época, se sentia uma prisioneira. “Ela dizia que preferia morrer do que estar o tempo todo com a polícia, porque aquilo não era liberdade e não era justo viver assim por defender o território”, relembrou a mãe, Neidinha Suruí.

Nos últimos anos, as tensões entre indígenas e invasores de terras (em sua maioria, grileiros e garimpeiros) voltaram a aumentar. O pai de Txai, o cacique Almir Suruí, chegou a ser alvo de inquérito da Polícia Federal por causa de críticas ao governo - foi arquivado depois. Já o amigo de infância, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, foi assassinado em 2020.

O aumento da violência não intimida Txai, que costuma ir a áreas de conflitos entre os povos indígenas e grileiros. “A gente não pode desistir diante do que é nosso só porque há ameaças, e isso eu ensinei a ela”, disse Neidinha.

PUBLICIDADE

Junto com a resistência dos pais, a indígena aprendeu a história ancestral do seu povo, Paiter Suruí, e a viver em comunhão com a Terra. Os ensinamentos vieram de dentro da própria aldeia, dos pais e também de pensadores indígenas, como Ailton Krenak e Daniel Munduruku, muito antes de serem lançados por uma editora de amplitude nacional no Brasil.

A formação de Txai, no entanto, não se encerra na sabedoria dos povos indígenas. Uma das suas maiores referências são os Racionais MCs. Na infância, costumava ouvir artistas consagrados da MPB, como Chico Buarque e Milton Nascimento (o disco Txai, de Milton, conta com a participação do avô dela, Marimop Suruí, em uma das músicas).

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.