Seca histórica faz 53 cidades do Sudeste, Sul e Centro-Oeste racionarem água

As bacias dos Rios Grande, Paraná, Paranapanema e Paraguai estão sob os efeitos de estiagem severa, em alguns casos a maior em décadas. Na lista de locais com rodízio aparecem até centros urbanos grandes, como Curitiba e a região metropolitana

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Foto do author José Maria Tomazela

A seca histórica deste ano já faz pelo menos 53 municípios de cinco Estados racionarem água, afeta a navegação e ainda contribui para o desequilíbrio do ecossistema nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do País. Na lista de cidades com rodízio no abastecimento aparecem até centros urbanos grandes, como Curitiba e a região metropolitana.

As bacias dos Rios Grande, Paraná, Paranapanema e Paraguai - que banham São Paulo, Paraná, Minas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - estão sob os efeitos da estiagem severa. Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, por exemplo, o Brasil teve a menor entrada de água nos reservatórios dos últimos 91 anos no período chuvoso de setembro de 2020 a março deste ano. 

Desde o início de julho, os 170 mil moradores de Itu (SP) recebem água em dias alternados; mananciais operam com 32% da capacidade, pior situação em 90 anos Foto: EPITACIO PESSOA/ESTADAO

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No Paraná, além da capital, outras 28 cidades da região metropolitana estão com rodízio de 36 horas com água e outras 36 sem fornecimento. Manter serviços como a lavagem de pratos e a cozinha funcionando virou um desafio para Gustavo Paz, de 42 anos, dono de um bar em Fazenda Grande Rio, a 26 quilômetros de Curitiba. 

“Neste período, raciono o máximo que consigo, haja vista que minha casa é um sobrado e o bar ocupa a parte de baixo. Tenho mil litros de água nas caixas d’água, mas às vezes não é suficiente pela forma com que elas foram distribuídas pelo imóvel”, diz. “Procuro equilibrar a limpeza de pratos, talheres, principalmente nos dias em que há fornecimento de água”, conta Paz, que já trocou copos de vidro pelos de plástico com a dificuldade de lavagem. 

A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) disse que a medida foi necessária para afastar a possibilidade de colapso no sistema de abastecimento. Além do histórico de poucas chuvas, projeções meteorológicas indicam prolongamento da estiagem. Em julho, choveu 14,6 milímetros na região, diante da média histórica de 92,4 mm no mês. No interior, as cidades de Santo Antônio do Sudoeste e Pranchinha também racionam.

'Raciono o máximo que consigo', afirma Gustavo Paz Foto: HEDESON ALVES / ESTADÃO

Desde o início de julho, os 170 mil moradores de Itu (SP) recebem água em dias alternados. Os mananciais operam com 32% da capacidade. A Companhia Ituana de Saneamento disse enfrentar a pior estiagem das últimas nove décadas. O mecânico Alexandre Rodrigues, de 46 anos, a mulher, Pâmela, e os filhos de 2 e 7 anos já se acostumaram com a falta de água na torneira, mesmo morando a 500 metros de uma das represas que abastecem Itu. “A gente se vira como pode, controla o tempo no banho, espera juntar a roupa para lavar e, quando lava, recolhe a água da máquina para lavar a casa”, conta ela, que mora há mais de 7 anos ali. Crises de abastecimento se repetem com frequência. “Virou uma coisa normal.”

Um plano de racionamento foi adotado também em Salto, na mesma região, desde 7 de julho. Os moradores recebem água 12 horas por dia. Em Bauru, 90 mil pessoas abastecidas pelo Rio Batalha também enfrentam rodízio. Em Rio Preto, 100 mil ficam sem água de 13 a 20 horas. A represa municipal, que produzia 450 litros por segundo, agora fornece 300. Quem reincidir no desperdício leva multa de R$ 2,2 mil. Em Santa Fé do Sul, uma das represas secou e a outra opera com meia capacidade.

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A falta de chuvas já compromete o abastecimento em cidades do Pantanal sul-mato-grossense, como Coxim e Corumbá. As prefeituras usam bombas móveis para captação de água, por causa do afastamento das margens. A Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul (Sanesul) informou que há risco de intermitência em alguns sistemas de abastecimento operados pela companhia, como em 2020. Informou ainda ter contratado a perfuração de 13 poços em localidades que estão sujeitas a ficar sem água. Várzea Grande, vizinha de Cuiabá, abriu licitação para a contratar 40 caminhões-pipa.

Ameaça

A Grande Belo Horizonte também corre risco de desabastecimento. O Rio das Velhas, responsável por abastecer 60% da região, entrou em estado de alerta no dia 3, segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica. A Companhia de Saneamento de Minas (Copasa) informou ter reduzido a captação no rio em 500 litros por segundo e esse volume é compensado por outras fontes. A empresa, por ora, descarta racionamento, mas pede que a população economize. No interior, há racionamento em cidades como Campanha e São Gonçalo do Sapucaí.

Seca continua ao menos até outubro, diz especialista

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No Sudeste e Centro-oeste, o último período chuvoso durou menos, o que agravou a seca, que deve durar ao menos até o fim de outubro. “Depois que chove, o tempo de resposta das bacias para normalizar o nível dos rios tem defasagem de dois a três meses”, diz Ibrahim Fantin da Cruz, especialista da Universidade Federal de Mato Grosso.

Após a seca longa, segundo ele, é preciso encharcar o solo e alimentar lençóis freáticos exauridos. “Quando pensamos em mudanças climáticas, sabemos da importância da Amazônia para o transporte de umidade ao Sudeste e ao Centro-Oeste. Mas também é preciso pensar em (preservar) vegetações nativas locais, próximas dos mananciais, importantes para infiltração da água e alimentação de rios”, aponta. 

Ilhas já se formam no Rio Paraná e há mortandade de peixes

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O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pelo Ministério de Minas e Energia, recomendou a adoção de manobras para manter vazão mínima, como forma de guardar água para atender à demanda de energia nos próximos meses, com previsão de poucas chuvas.

Na Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, em Rosana (SP), a redução de vazão já causou a formação de ilhas no leito do Rio Paraná, o comprometimento na qualidade da água e a morte de peixes, segundo relatório técnico da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). A queda no nível do rio levou à mobilização de equipes embarcadas para salvamento dos cardumes. No dia 8 de julho, foram mobilizadas 16 equipes com um barqueiro, um auxiliar e um biólogo especialista em ecologia aquática.

Os peixes resgatados, entre eles dourados, que figuram na lista de espécies ameaçadas, foram soltos em áreas do rio com maior volume de água. Foram identificados três trechos críticos, com risco de interrupção no fluxo de água. As operações resultaram na coleta de 1.740 peixes mortos de 11 espécies nativas e exóticas, entre elas peixes amazônicos, como o pacu e o tucunaré. As equipes registraram sucessivos aumentos na mortandade em dias subsequentes, além de queda na qualidade da água.

Em uma única coleta, os peixes mortos totalizaram 407 quilos. Desde 26 de junho, a vazão estava estabilizada em 2,9 mil m³ por segundo. “Face aos cenários de extensas áreas rasas e de alta vulnerabilidade de serem dessecadas em eventual redução do nível, é prudente que não se promova reduções adicionais na vazão. Uma nova redução deixaria as áreas críticas mais rasas, potencializando o risco e a magnitude de novos eventos de mortes”, diz o relatório, assinado por oito técnicos, entre biólogos e engenheiros de pesca e consultores.

Vistorias a pé, com uso de drone e de helicóptero, permitiram identificar um trecho de 14 quilômetros do Rio Paraná que poderia ficar totalmente isolado, em caso de nova redução de vazão. Já uma área de 60 hectares ao longo de uma ilha do lado sul-mato-grossense estava em risco de desconexão por baixa vazão, “com riscos iminentes de aprisionamento de peixes em quantidades consideráveis e ações de pescadores, por ser uma área de deslocamento de embarcações”.

Navegação

A estiagem ainda afeta a navegação e a pesca em rios que irrigam o Pantanal, um dos mais relevantes biomas brasileiros. Em Cáceres (MT), nesta segunda-feira, o nível era 54 cm, mais baixo que os 85 cm do mesmo período do ano passado e muito inferior à média histórica, de 174 cm. O abastecimento da cidade ainda não foi afetado, mas a autarquia Águas do Pantanal já contrata caminhões-pipa para fazer frente ao risco de desabastecimento. Em Ladário (MS), o nível era de 84 cm, ante média história de 415 e, em Porto Murtinho (MS), de 203 para média de 532.

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Embora a maioria das hidrelétricas instaladas nos rios que irrigam o Pantanal seja do tipo fio de água, que não fazem retenção de volume, o nível baixo no reservatório da Usina Hidrelétrica do Manso, na Chapada dos Guimarães (MT), afeta diretamente o bioma pantaneiro. A barragem está em afluente do Rio Cuiabá que, por sua vez, deságua no Paraguai. “Como o nível do Rio Paraguai em Cáceres, no Alto Pantanal, está inferior ao nível do rio em Ladário, no Baixo Pantanal, não está vindo água do Mato Grosso”, disse o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.

No dia 6 de julho, ao menos 40 toneladas de peixe morreram em tanques com redes instalados no reservatório da usina do Manso. Com a crise hídrica, o lago estava com pouca água e a usina operava com apenas 25% de sua capacidade. Houve registros de mortandade menor nos dias seguintes.

A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) informou que os testes de flexibilização da vazão da UHE de Porto Primavera foram determinados pelo Ministério das Minas e Energia a fim de minimizar os efeitos da pior crise hídrica registrada nos últimos 91 anos. O Ministério de Minas e Energia (MME) informou que as instituições do setor trabalham para prover a segurança energética no ano em que “se deflagrou a pior hidrologia de toda a série histórica de 91 anos”. A pasta destacou investimentos na diversificação da matriz, reduzindo a dependência da hidroeletricidade, dependente das chuvas. 

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirmou que enfrenta o período de escassez hídrica em sinergia com os demais setores e todas as ações excepcionais sugeridas ao CMSE seguem diagnósticos técnicos. Antes de serem adotadas, as regras são autorizadas pela CREG, presidida pelo MME e composta por representantes dos ministérios do Meio Ambiente, Economia, Infraestrutura, Agricultura e Desenvolvimento Regional. “Além disso, o Ibama também atua na identificação de medidas mitigadoras junto aos agentes”, disse./COLABOROU JÚLIO CÉSAR LIMA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO 

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