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Opinião|O asilo diplomático como forma restrita de asilo político

convidado
Atualização:

Embaixadas não são território estrangeiro. Embaixadas são espaços imunes à jurisdição local, o que é diferente. No seu entorno não há uma linha de fronteira. Pensemos num campo de força que impede a atuação das autoridades locais na sede da missão diplomática de outro país e que protege também seus veículos e os próprios diplomatas e seus familiares, onde quer que estejam. Obviamente, o lugar onde pisa o embaixador não é território estrangeiro. Contudo, ele leva sua imunidade (o campo de força) aonde for.

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Assim, tecnicamente, quem ingressa numa embaixada estrangeira não vai para o exterior. Continua no mesmo país onde estava, sem fazer roaming, sem precisar de passaporte. Estará, contudo, num local que se beneficia de imunidade de jurisdição segundo o direito internacional. Este instituto é objeto da Convenção de Viena de 1961, a capital do país que um dia formou o poderoso Império Austro-Húngaro. Tal qualidade especial das legações diplomáticas favoreceu o surgimento de um costume na América Latina: o asilo diplomático.

O art. 4º, inciso X, da Constituição brasileira estabelece que um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais é a concessão de asilo político. Há duas espécies de asilo político: o territorial e o extraterritorial, este também chamado de asilo diplomático.

O asilo diplomático é objeto de costume na América Latina e está previsto num tratado regional, ao passo que o asilo territorial é um costume internacional geral, que também é previsto em um tratado interamericano.

Se uma pessoa que é ou diz ser perseguida politicamente quiser furtar-se à jurisdição criminal do Brasil, não precisa abandonar nosso território. Estando em Brasília, bastaria entrar na embaixada de um país sensível à sua causa e pedir asilo diplomático. Diferentemente do asilo territorial, no asilo diplomático (extraterritorial), a pessoa que se diz vítima de perseguição política não precisa deixar seu país para entrar noutro e ali pleitear essa medida de proteção pessoal.

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Dou dois exemplos muito conhecidos e relativamente recentes:

  • Caso Assange: em junho de 2012, Julian Assange, dirigente do site Wikileaks, pediu asilo diplomático na embaixada equatoriana em Londres. Abrigou-se ali durante anos, até 2019, para evitar ser entregue à Justiça sueca ou para os Estados Unidos, onde enfrentaria gravíssimas acusações de espionagem e vazamento de dados relativos à segurança nacional norte-americana.
  • Caso Pinto Molina: em 2012, alegando perseguição por parte do presidente Evo Morales, o senador boliviano Roger Pinto Molina pediu asilo na nossa embaixada em La Paz, onde ficou por mais de um ano até fugir para cá em 2013, via Corumbá, com a ajuda do diplomata brasileiro Eduardo Saboia.

Essas duas situações revelam que, mesmo nas situações de suposta perseguição por motivos políticos ou de perseguição real, a medida cautelar de recolhimento do passaporte do suspeito pode ser absolutamente inócua, se o acusado realmente quiser fugir. Ademais, num país com dezenas de milhares de quilômetros de fronteiras – porosas e desguarnecidas – como o Brasil ­­–, é fácil sair a pé, de carro ou de jetski.

Em 2021, o ex-deputado federal Daniel Silveira pediu asilo a quatro embaixadas estrangeiras no Brasil, mas seus pedidos foram negados. Referido parlamentar respondia a uma ação penal perante o STF. Ao examinar a questão, o relator da causa no STF decidiu que:

[...] diante da manutenção das circunstâncias fáticas que resultaram no restabelecimento prisão, somadas à tentativa de obtenção de asilo político para evadir-se da aplicação da lei penal, a manutenção da restrição de liberdade é a medida que se impõe para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.

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STF, AP 1044, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 30/08/2021.

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O asilo territorial foi regulado por uma convenção celebrada em Caracas em 1954, a Convenção sobre Asilo Territorial, promulgada pelo Decreto 55.929/1965. O Brasil também é signatário da Convenção sobre Asilo Diplomático, concluída em Caracas no mesmo ano de 1954 e internalizada pelo Decreto 42.628/1957. Este tratado interamericano estabelece não ser lícito:

[...] conceder asilo a pessoas que, na ocasião em que o solicitem, tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas ou condenadas por êsse motivo pelos tribunais ordinários competentes, sem haverem cumprido as penas respectivas; nem a desertores das forças de terra, mar e ar, salvo quando os fatos que motivarem o pedido de asilo seja qual for o caso, apresentem claramente caráter político.

Convenção sobre Asilo Diplomático, de 1954.

O asilo diplomático (não territorial) pode ser concedido em legações (sedes da missão ou residência dos chefes da missão diplomática), navios militares e acampamentos ou aeronaves militares, a pessoas perseguidas por motivos políticos ou por delitos políticos.

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Compete ao Estado asilante decidir sobre a natureza do delito ou dos motivos da perseguição, a partir das informações que lhe forem prestadas pelo Estado territorial, tendo em conta os direitos fundamentais da pessoa humana reconhecidos universalmente ou delimitados em tratados internacionais de direitos humanos.

Uma vez concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir à capital do país onde se situa a embaixada que autorize a saída do asilado para o seu território, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente as garantias necessárias no tocante à vida, liberdade e integridade pessoal do asilado, e o salvo-conduto para o livre trânsito. Entretanto, mesmo quando concedido, o asilo diplomático não assegura a sua conversão em asilo territorial.

A Corte Internacional de Justiça cuidou do tema do asilo diplomático no caso Haya de La Torre (Colômbia vs. Peru), de 1951. Victor Raúl Haya de la Torre pediu asilo à Colômbia e foi atendido. O Peru objetou à concessão do salvo-conduto, porque o asilado seria na verdade um criminoso comum, o que afastaria sua condição jurídica de pessoa protegida. Provocada pelo Peru, a Corte Internacional de Justiça decidiu a questão em favor do Peru, com base na Convenção sobre Asilo de 1928.

Como vimos, o asilo diplomático (extraterritorial) é um costume regional latino-americano. Não é uma prática universal, o que significa que nem todo país concede asilo diplomático, embora a outra forma (territorial) seja aceita em geral. Não foi por acaso que Assange, estando na Europa, buscou asilo diplomático na Embaixada do Equador. Também não foi por acaso que Pinto Molina asilou-se na Embaixada do Brasil, e não numa legação diplomática asiática. Assim é que, pouco ou nada adianta pedir asilo, por exemplo, na Embaixada da Hungria, um país que não tem Marinha e que é conhecido pelos seus magníficos vinhos Tokaji.

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Vladimir Aras
Doutor em Direito (Ceub), mestre em Direito Público (UFPE), especialista MBA em Gestão Pública (FGV), membro do Ministério Público desde 1993, professor de Processo Penal e de Direito Internacional, secretário de Cooperação Internacional da PGR (2013-2017), fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i), editor do site www.vladimiraras.blog (Blog do Vlad)
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