A rejeição. E agora?

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite A rejeição das contas do governo Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU) poderá ser um divisor de águas. Com efeito, há um parecer técnico e objetivo que contraria, sobretudo, o discurso governamental de higidez nas contas públicas. Provou-se, portanto, que, mais do que nunca, o poder Executivo federal dissociou-se da realidade e, desta feita, coloca-se em uma posição jurídica, política e deontológica insustentável. Agora, o protagonismo está com o Congresso Nacional, arena política por excelência. Sabendo disso, o governo jogará duro para que a questão morra ali, usando todo o leque de que dispõe para, no Parlamento, matar o que considera um monstro. O governo fará mais: passará as próximas semanas a desfazer e desdizer do parecer do TCU e dos votos. Minimizar será corrente. Acusar todos de golpistas, idem. Serão criados faits divers (diversionismos) para desviar a atenção de todos e tudo mais o que o marketing político puder criar. Isso tudo, porém, não esconderá a vergonhosa rejeição - correta, oportuna, mas vergonhosa. E isso abre mais uma porta ao impeachment. Se já não houvesse razões suficientes - técnicas, jurídicas e políticas -, agora há mais essa, igualmente indefensável. E até as carpas do espelho d'água do Palácio do Planalto sabem que a situação delicada que enfrenta a presidente desembocará no impeachment, que só não terá lugar caso se consiga, por parte do Executivo, um acordo político de monta.  Com a posição do TCU pela rejeição, o parecer será encaminhado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que enviará o documento à Comissão Mista de Orçamento (CMO). Após ser relatada e votada na CMO, a rejeição será votada nos plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados possivelmente nessa ordem. Se - como se espera em um país sério - a confirmarem, um decreto legislativo será promulgado oficializando a reprovação, o que torna a presidente automaticamente inelegível (imaginem a insustentabilidade de uma tal situação). A partir daí, existe a possibilidade de o Congresso abraçar um possível processo de impeachment. Lembrem-se de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e sua posição irretorquivelmente antigoverno.  O impeachment é, sobretudo, um processo político, insista-se. A (in) capacidade do governo atual em lidar com a crise econômica e, mormente, seu descrédito político pesarão fundo em todo o percurso longo, mas necessário, de maneira a preservar-se o estado de direito e a democracia. E é importante ressaltar que a inidoneidade moral, por si só, não é fator para embasar o impeachment. Deve-se estar caracterizado o crime de responsabilidade, assim definido como constante da Lei nº 1.079/50, nos incisos do artigo 4º, parecendo-me que, no caso da presidente em exercício (por enquanto), se vislumbram atos atentatórios à probidade na administração (inciso V), à lei orçamentária (inciso VI) e à guarda e o legal emprego do dinheiro público (inciso VII), acrescendo-se a isso a violação sistemática, por parte do governo federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar 101/2000), sendo, aliás, a rejeição das contas do governo um reforço substancial à importância desta lei. As instituições jurídicas, sociais e políticas do Brasil são suficientemente sólidas e maduras para enfrentarem o que virá. Será mais uma prova para a democracia brasileira - eis que serão momentos revoltos na política e na economia. No fim do túnel, porém, é possível que vejamos o momento da limpeza geral. Até porque o monstro que o governo teme é uma hidra. Mesmo que ele consiga momentaneamente cortar-lhe a cabeça, outras duas nascerão e o inexorável fim do processo, seja agora, seja pelo conjunto da obra, será a defenestração do zumbi político que se tornou o regime ora encastelado em sua torre de marfim, recusando-se a notar que os sinos já dobraram por ele. 

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Por Flavio Guberman
Atualização:

* Flavio Guberman é diretor de Conhecimento Jurídico da LEXNET Law Firms Alliance, professor no MBA em Finanças Empresariais da UFRJ, advogado do Escritório de Assessoria Jurídica José Oswaldo Corrêa e especialista em Direito Societário e Internacional

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