Impotência palestina

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Por Salem H. Nasser
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Artigo publicado originalmente no Estadão Noite Os palestinos cometeram um erro trágico em 1993. Como notava Edward Said, naquele momento Yasser Arafat abriu mão da legitimidade intrínseca às demandas de seu povo.  Um povo deslocado, expulso, submetido à ocupação, privado de seu direito à autodeterminação, viu-se prometer em Oslo uma autonomia de faz de conta e uma discussão apenas futura dos temas que lhe são vitais: os direitos dos refugiados, o status de Jerusalém, um Estado com fronteiras definidas, o fim dos assentamentos. Em troca, a liderança palestina prometeu o que lhe era impossível: garantir a segurança de Israel, que passou a se apresentar como o detentor da única demanda legítima face a um agressor eterno. Ao longo do tempo, ficou claro que a intenção israelense não era a de permitir verdadeira autonomia à Autoridade Nacional Palestina (ANP), mas sim fazê-la responsável pelo trabalho sujo da repressão aos palestinos. Com a vantagem suplementar de poder sempre responsabilizar o outro lado por toda violência e por todo fracasso das negociações. O grande prêmio, para Israel, foi a crescente divisão, profunda, entre os campos políticos palestinos que agravou a sua fragilidade enquanto o ocupante implementava o seu projeto de tomada gradual de toda a Palestina histórica. A ANP sob a presidência de Abbas percebeu gradualmente que aceitara a castração em Oslo e abaixara as armas em troca de nada. Nem mesmo o pequeno Estado, desarmado, dependente, que pretendiam ver surgir seria autorizado a ver a luz. Gradualmente, ainda que ao custo de guerras sangrentas e custosas, em todos os sentidos, inclusive em vidas humanas, aparecia claro que as únicas vitórias relativas face a Israel vinham da resistência pelas armas. Restou à ANP e a Abbas a opção de recorrer às instituições internacionais para tentar de algum modo forçar a mão de israelenses e americanos e garantir a consecução de algum simulacro de Estado. Foi assim que se deu a campanha para chegar à condição de membro das organizações internacionais multilaterais, e especialmente da ONU, e foi assim que a Palestina passou a integrar o tratado que criou o Tribunal Penal Internacional. A mais recente aposta foi a dupla ameaça, na Assembleia Geral da ONU: i) de libertar-se das responsabilidades que a ANP aceitou em relação ao governo dos territórios ocupados e cobrar de Israel o cumprimento das obrigações de potência ocupante que de fato é, e ii) de levar as violações israelenses ao Tribunal Penal para que este investigue e julgue seus governantes e militares. Há notícias de que Abbas pretendia estabelecer um prazo, uma espécie de ultimato, para que Israel cumprisse suas obrigações, mas que teria sido impedido de fazê-lo por John Kerry. Parece que nada mudou então. Trata-se de esperar ainda os favores de quem manda; são ameaças prenhes de impotência. Até mesmo a celebração em torno do hasteamento da bandeira palestina na ONU é a atitude que quem, tendo sido barrado à porta, aceita entrar pela janela. * Salem H. Nasser é professor de Direito Internacional na FGV Direito SP

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