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Travessuras fora do Orçamento

Governo e Congresso recorrem a subterfúgios para gastar mais, ao largo das amarras fiscais e do escrutínio da sociedade, minando as contas públicas e, no limite, a democracia

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Por Notas & Informações
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O Brasil assiste – não é de hoje, mas se acirra com a fúria gastadora do governo Lula da Silva – a uma guerra pelo Orçamento. Com os recursos públicos cada vez mais apertados em razão de engessamentos das mais variadas espécies, travam-se disputas pelo dinheiro que resta, em geral para atender a interesses próprios, corporativos ou paroquiais.

Essa batalha tem levado o Executivo e o Legislativo a criar mecanismos para evitar o debate orçamentário, isto é, para gastar dinheiro sem ter que passar pelo desgastante processo democrático de explicar aos contribuintes por que seus projetos devem receber os escassos recursos públicos.

Um bom exemplo dessa criatividade é o uso dos chamados fundos garantidores para implementação de políticas públicas, como bem salientou, em reportagem do Estadão, o pesquisador do Insper Marcos Mendes. Geralmente com previsão inicial de devolução dos aportes ao Tesouro Nacional, esses fundos asseguram empréstimos mais baratos a micro e pequenas empresas e suporte a programas de renegociação de dívidas. O tempo já provou, porém, que, com fintas espertas, o dinheiro proveniente dos cofres públicos e destinado a finalidades específicas ganha utilização variada, com prorrogação de forma indefinida.

O que diz Mendes é que basicamente os fundos garantidores têm financiado políticas públicas fora do Orçamento. Hoje, existem dez deles de natureza privada administrados por bancos públicos, com nada menos do que R$ 77 bilhões de participação da União.

Com isso, o dinheiro vai e sabe-se lá quando volta. O impacto fiscal se dá apenas uma vez, na saída, quando o governo faz o aporte. “Depois, o resultado primário negativo fica para trás, e o governo e o Congresso ficam ‘brincando’ com esse dinheiro aqui fora”, disse Mendes.

Como de boas intenções o inferno está cheio, nem sempre esse uso maroto dos fundos é resultado de má-fé – como é o caso, por exemplo, do programa Pé de Meia, uma espécie de poupança para estimular estudantes de baixa renda a terminarem o ensino médio. Como se sabe, o programa pode receber recursos não utilizados em fundos específicos, sob administração da Caixa e sem qualquer controle orçamentário. Ora, como lembrou Marcos Mendes, não há razão nenhuma para que esse programa, que é meritório, seja operado fora do Orçamento – e nem seria tão difícil conseguir apoio político para incluí-lo no Orçamento, mas aparentemente o governo preferiu o caminho mais curto.

Hoje, dentro do governo, discutem-se variados usos para recursos de fundos, como socorrer empresas aéreas ou garantir gastos de despesas de pequenas e médias empresas com cartão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Congresso discute, ainda, tirar a obrigatoriedade de devolver em 2025 os aportes feitos pela União no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), o que na prática joga o prazo para as calendas.

Essas artimanhas revelam um “Orçamento paralelo”, conforme avalia Mendes, e que não se limita ao uso desses fundos. Há travessuras na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), onde o Centrão se lambuza; na Petrobras, cujo plano de investimento sustenta o delírio desenvolvimentista do presidente Lula da Silva; e na Itaipu Binacional, que, à custa dos consumidores brasileiros, pode arcar com obras em todo o Paraná, em Mato Grosso do Sul e até no Pará.

Em Belém, por exemplo, a hidrelétrica vai bancar R$ 1,3 bilhão em infraestrutura para a Conferência do Clima (COP-30), prevista para 2025. Como apontou a colunista do Estadão Elena Landau, o governo trilhou mais “um atalho para fugir de restrições das já combalidas regras fiscais” e, como escreveu ela, “gastar recursos fora do Orçamento”.

Convém lembrar que o Orçamento não é um capricho burocrático. É pilar da democracia. Periodicamente a sociedade é convocada, por meio de seus representantes, para discutir as prioridades do País e decidir quais serão atendidas imediatamente e quais ficarão para depois – porque, afinal, não há dinheiro para tudo. Mas o debate democrático dá trabalho, então, há quem prefira gastar o escasso dinheiro dos brasileiros sem dar satisfação a ninguém.