Esta é uma história de amor: durante a primavera de 2008, muito antes de eles produzirem evidências do primeiro beijo registrado da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arbøll se beijaram pela primeira vez em uma despedida noturna.
Eles se conheceram uma semana antes em um pub perto da Universidade de Copenhague, onde ambos eram universitários. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro e legal com cabelo e barba compridos”, disse Sophie. “E ele disse: ‘Claro, vou te apresentar um.’”
Por sua vez, Arbøll estava procurando uma parceira que compartilhasse seu interesse em Assiriologia, o estudo de línguas mesopotâmicas e as fontes escritas nelas. “Não muitas pessoas sabem o que um assiriologista realmente faz”, disse ele a Sophie.
“Eu sei”, disse ela, que havia frequentado algumas das mesmas aulas.
Arbøll, agora professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando soube disso, percebi que ela era para casar.”
Três anos depois, se casaram. Sophie agora é ecologista na Unidade de Pesquisa em Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.
Em 2022, durante o jantar, o casal discutiu — como cientistas apaixonados fazem — um novo estudo genético que ligava variantes modernas de herpes a beijos boca-a-boca na Idade do Bronze, aproximadamente 3300 a.C. a 1200 a.C.
No material suplementar do artigo, uma breve história do beijo identificava o Sul da Ásia como o local de origem e rastreava o primeiro beijo literário para 1500 a.C., quando manuscritos em sânscrito védico estavam sendo transcritos de histórias orais.
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A pesquisadora, na Universidade de Cambridge, sugeriu que o costume — um precursor do beijo labial que envolvia esfregar e pressionar narizes juntos — se desenvolveu em beijos intensos. Ela observou que por volta de 300 a.C. — época em que o manual indiano de sexo, o Kama Sutra, foi publicado — o beijo havia se espalhado para o Mediterrâneo com o retorno das tropas de Alexandre, o Grande, da Índia do Norte.
Mas o casal acreditava que não era esse o início. “Eu disse a Sophie que conhecia relatos ainda mais antigos escritos tanto em línguas sumérias quanto acadianas”, disse Arbøll, cuja especialidade são contas antigas de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.
“Então, depois do jantar, fizemos uma verificação dupla”, disse Sophie, que é especialista em ouriços.
Eles consultaram textos cuneiformes em tabletes de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e Egito em busca de exemplos claros de beijos íntimos. A investigação deles resultou em um comentário publicado recentemente no periódico Science que retrocedeu a documentação mais antiga do beijo em 1000 anos e abalou a hipótese de que pessoas de uma região específica foram as primeiras a beijar e narrar isso.
O casal dinamarquês sustenta que, desde pelo menos o fim do terceiro milênio a.C., a prática do beijo era difundida e bem estabelecida no Oriente Médio. “O beijo não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arbøll. “Pelo contrário, parece ter sido comum em uma variedade de culturas.”
Gravado em Argila
Arbøll e Sophie propuseram que o relato mais antigo de beijo foi gravado no Cilindro de Barton, um tablete de argila que data de cerca de 2,4 mil a.C. O objeto foi desenterrado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e nomeado em homenagem a George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu 19 anos depois.
Está alojado no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia (EUA), onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.
A narrativa do artefato envolve o mito sumério da criação e problemas com o fornecimento de alimentos em Nippur, a capital religiosa original da Babilônia e o centro de adoração para Enlil, governante do cosmos.
Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e então a beija. Em meio a essas brincadeiras divinas, a divindade masculina planta a semente de “sete pares de divindades” no útero dela.
Gonzalo Rubio, assiriólogo da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência de eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os sujeitos têm relações sexuais primeiro, e só depois se beijam”, disse. “É uma espécie de pós-jogo, em vez de preliminares.”
Embora a existência de registros de beijos mesopotâmicos possa ser surpreendente para a filematologia, ciência que estuda o beijo, isso é notícia antiga para pesquisadores da Mesopotâmia. “No pequeno e especializado campo da Assiriologia, há uma tendência de focar para dentro, e não tanto para fora”, disse Sophie. “Por mais que os assiriologistas gostem de discutir entre si, eles realmente não conversam com outras pessoas.”
Rubio, que não estava envolvido dos cientistas dinamarqueses, elogiou o casal por efetivamente reescreverem a história do beijo. “Eles visavam a esclarecer o registro e vieram corrigir uma abordagem tão reducionista do comportamento humano”, afirmou.
Um beijo sumério era só um beijo? Arbøll disse que nos trechos mais antigos, o beijo foi descrito em relação a atos eróticos, com os lábios como o foco. Em acadiano, língua semítica relacionada ao hebraico e ao árabe de hoje, ele e Rasmussen encontraram que as referências a beijos se enquadram aproximadamente em duas categorias: a “amigável-parental” e a “romântico-sexual”.
A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do governante. “O beijo romântico-sexual ocorre em relação a um ato sexual ou em relação ao amor”, disse Arbøll. Diferente da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.
“O beijo labial foi observado em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Sophie. Enquanto o beijo platônico do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos se acarinham para a excitação sexual — seu contato erótico varia de sexo oral a intensas torções de língua. “As práticas de beijo desses primatas insinuam algo fundamental que remonta muito no histórico humano”, disse Sophie.
A química do beijo
A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina aproximadamente um milênio depois, quando a civilização colapsou após uma invasão pelos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era tanto ciência quanto arte elevada, formular uma hierarquia de beijos e fornecer a cada tipo um nome apropriado.
O osculum, beijo casto, mas afetuoso na mão ou bochecha, era usado como saudação. O basium era um encontro de boca fechada, lábio a lábio, entre amigos íntimos. Já o savium era a obra completa — o que hoje chamamos de beijo francês.
Na antiga Mesopotâmia, Sophie disse, beijar fora do casamento era desencorajado. Ele se deparou com um texto, de 1,8 mil a.C., que detalhava como uma mulher casada quase foi desviada pelo beijo apaixonado de um admirador masculino.
Namorar alguém que não deveria estar sexualmente ativo era considerado crime equiparado ao adultério. “Acreditava-se que, aoeijar uma sacerdotisa, a pessoa poderia perder capacidade de falar”, disse Arbøll.
Para os romanos da era imperial, beijar um amante em público também era considerado indecente. E também um risco à saúde. No primeiro século d.C., o imperador Tibério tentou proibir o beijo em funções do estado, provavelmente por causa de uma epidemia de herpes labial.
Arbøll observou que um corpus substancial de escritos médicos da Mesopotâmia mencionava uma doença chamada bu’shanu, cujos sintomas se assemelhavam aos das infecções pelo vírus herpes simples. “A doença apareceu principalmente na boca e na faringe”, disse Arbøll. “Seu nome deriva de um verbo que significa ‘cheirar mal.’”
Em A Ciência do Beijo: O Que Nossos Lábios Estão Nos Dizendo, Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração, como um beijo tranca duas pessoas juntas em uma troca de cores, sabores e texturas. Sophie acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar parceiros em potencial por meio dede seu cheiro.
“Com humanos e ouriços, é tudo sobre encontrar o companheiro mais forte e saudável para produzir a prole mais forte e saudável”, disse. “Você avalia inconscientemente a adequação de uma pessoa por meio de pistas químicas como mau hálito, o que pode indicar dentes e genes ruins.”
Sophie lembrou aquele primeiro beijo terno com Arbøll, que tinha o aroma do chá de hibisco que ela havia acabado de preparar para ele. O que é um beijo? Na memória dela, ecoou uma linha do poeta Robert Herrick: “O doce e seguro cimento, a cola e a cal do amor.”
Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.
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