Livros viraram acessório de moda? Entenda por que influenciadoras estão posando com eles nas redes


Crescimento da literatura no Brasil, estéticas de produtividade e trabalho de gestão de imagem estão entre razões pelas quais blogueiras estão fazendo pose com livros

Por Julia Queiroz

Um piquenique ao ar livre, um belo dia na praia, um café da manhã em uma padaria. Tudo pode virar cenário para o post ideal de uma influenciadora, em especial para mostrar aquele look escolhido especialmente para a ocasião. Um objeto, no entanto, parece ter se infiltrado em muitas dessas publicações ultimamente: o livro.

Ele tem aparecido nas estantes em fotos e vídeos mostrando roupas, no canto das imagens em publicidades e na mão das blogueiras. O Estadão conversou com uma especialista e com editoras para a entender os motivos por trás desse fenômeno recente e saber se ele pode ter impacto no mercado editorial.

São vários os exemplos. Em maio, a influenciadora Giordana Serrano, que acumula quase 500 mil seguidores no Instagram, publicou uma foto em que segurava um copo de café em uma mão e um livro em outra. A localização indicava que ela estava em Barcelona, na Espanha, e o post era, inclusive, uma publicidade para um marca de café.

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Em abril, Natália Cangueiro, que soma mais de 401 mil seguidores na rede social, apareceu posando em uma livraria. “Gostosas e leitoras”, brincou na legenda. A influencer de moda tem, inclusive, um destaque em seus stories em que fala dos livros que já leu.

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Mais recentemente, em agosto, a influenciadora Ana Júlia Ardito, que tem pouco mais de 81 mil seguidores no Instagram, divulgou uma publicidade para uma marca de calçados. Na imagem, em cima de uma cesta, aparecia o livro Aurora: O despertar da mulher exausta, de Marcela Ceribelli, fundadora da plataforma Obvious. Veja a foto no segundo slide:

É claro que seria um exagero dizer que os livros aparecem no perfil de todas as blogueiras brasileiras e mundo a fora. Mas estão aparecendo, e com frequência que certamente é maior do que há alguns anos. A pergunta que fica é: o que está por trás disso?

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O BookTok e as estéticas da internet

A reportagem conversou com Issaaf Karhawi, doutora em comunicação pela ECA-USP e autora do livro De Blogueira a Influenciadora: Etapas de Profissionalização da Blogosfera de Moda Brasileira (2020), que levantou algumas hipóteses sobre a razão para este fenômeno recente.

A primeira delas é a influência do BookTok, nicho do TikTok que discute e divulga literatura. Em maio, o Estadão explicou o que é este espaço, o sucesso dele e como ele tem mudado o hábito de leitura dos brasileiros - leia aqui.

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É justamente isso que Issaaf cita: “A gente tem um movimento em uma rede social muito específica que tem mudado um pouco a relação que a gente tem com livros, pensando na população de maneira geral”.

Ela lembra como o TikTok tem ocupado espaços em livrarias e grandes eventos, como a Bienal do Livro, e que o BookTok pode ter sido um dos responsáveis por tirar a literatura de um espaço nichado - afinal, ela sempre esteve na internet - e a colocado em um lugar mais popular.

Talvez tenha alguma coisa aí na cultura digital em que o livro passou a se infiltrar de forma mais diluída

Issaaf Karhawi

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Vale pontuar também que as influenciadoras de moda estão muito presentes no TikTok, às vezes até mais do que no Instagram. E já que você vai mostrar um look, por que não fazer isso na frente de uma estante?

A segunda hipótese de Issaaf está relacionada ao que na internet se é referido como “aesthetic”, palavra que se traduz para “estética” e que faz alusão a um tipo de imagem harmoniosa e popular.

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São muitas as estéticas que fazem sucesso nas redes sociais, da “Tomato Girl Summer”, que simula vida de luxo no Mediterrâneo à “That Girl”, em que pessoas buscam a ‘melhor versão de si mesmas’ com uma rotina saudável e rigorosa - ambas já foram explicadas pelo Estadão.

Para a pesquisadora, a inserção do livro nas fotos também pode ser uma tentativa de entrar dentro de algumas dessas estéticas que vão e vem. Ela cita a “estética da produtividade”, por exemplo.

“É a estética dessa jovem hiperprodutiva. As fotos dela sempre tem um computador, uma agenda, um bloquinho de anotações, lista de afazeres, um copo de café, porque ela é muito produtiva”, diz a professora.

“A gente tem sido, como sociedade, cobrados para sermos produtivos e disciplinados. E produtividade tem a ver [não só] com trabalho, mas com os livros que a gente lê, com os filmes que a gente vê”, comenta.

“As influenciadoras, sobretudo, estão nessa lógica também. Quase como quem dita o que deve ser feito, o que é um símbolo de sucesso, o que se espera de uma pessoa que é produtiva. Elas também trabalham com esses signos na produção de conteúdo”, completa.

Gestão da própria imagem

Seja por influência do BookTok ou pela vontade de estar dentro de uma estética, a escolha de inserir um livro em uma publicação é sempre consciente. É uma decisão da pessoa que está por trás daquele perfil publicar ou não determinada foto. Mas o que se ganha com isso?

“Influenciadoras de moda - e influenciadores de maneira geral - estão sempre fazendo um trabalho de visibilidade, de gestão da própria imagem, ou seja, de escolher no que se joga luz e o que se mantém na sombra”, aponta Issaaf.

Ela explica que esse processo não é aleatório. Ele pode até ser feito de maneira “intuitiva, ou até amadora”, sem uma grande elaboração por trás, mas sempre tem um objetivo final - chamar a atenção de marcas, atrair mais interesse de um certo público, discutir determinados temas, e por aí vai.

Em agosto de 2023, a influenciadora Giovanna Ferrarezi, que tem mais de 619 mil seguidores, postou uma sequência de fotos de uma viagem. O terceiro slide mostrava uma página de um livro com um lago ao fundo. Na descrição de seu perfil, ela se autodenomina como “Rainha das Plublis” - uma alusão a “publi”, diminutivo de “publicidade”.

Giovanna não indicou de qual título se tratava, mas com uma pesquisa rápida a reportagem descobriu que o livro é A Natureza da Mordida, de Carla Madeira, escritora mineira e autora de Tudo é Rio, um dos livros mais vendidos do Brasil em 2021.

Issaaf destaca a importância de não estigmatizar e simplificar essa discussão. “Eu não quero reduzir. ‘Mostrou um livro, então é aquilo’. [Essa pessoa] pode querer um monte de coisa, mas pode não querer nada também”.

“Mas acho que também tem uma outra questão em jogo”, completa. “A moda sempre, historicamente, foi associada à futilidade e à frivolidade. Pode ser que jogar com essa possibilidade de falar de moda e de leitura - e mostrar um livro - também seja uma tentativa de evidenciar que produzir conteúdo sobre moda não tá no lugar da futilidade e do esvaziamento. Pode ser que seja possível nesse espaço, por exemplo, falar de leitura”.

Além disso, a especialista aponta que os livros também são uma estratégia de gerar engajamento com os seguidores, o que é muito importante para um influenciador. “Se eu mostro um trecho de um livro e não mostro a capa, é claro que as pessoas vão me perguntar que livro é aquele”.

E o mercado editorial ganha algo com isso?

Para Taila Lima, coordenadora de redes sociais da editora Intrínseca, a “mera aparição” de um livro nas redes sociais de uma influenciadora “não é garantia de um pico de vendas”.

“Isso vai depender do público que segue essa celebridade. O público está interessado em saber sobre essa parcela da vida da celebridade? É um público leitor ávido? E, se for, será que esse é o gênero mais interessante para ele? É um conjunto de fatores difícil de se atingir”, pondera.

Taila explica que essa aparição pode ser benéfica se for aliada a uma forte campanha de divulgação. “[Isso] contribui para a impressão de que todos estão falando sobre esse assunto, o que faz com que o leitor priorize a leitura desse livro em detrimento de outros tantos”, diz.

A literatura sempre conferiu um capital social ao leitor, e isso não é diferente para as celebridades. Além disso, o livro certo te aproxima do público que você quer atingir. Seja o best-seller do momento, uma biografia premiada ou um livro clássico do século passado, esses livros mostram o que chama sua atenção, o que te emociona, quem você é — ou quem está tentando ser.

Taila Lima, coordenadora de redes sociais da Intrínseca

A diretora de marketing da editora Sextante e do selo Arqueiro, Mariana Kaplan, afirma que a marca não percebe um impacto nas vendas quando “um macro influenciador ou celebridade simplesmente posta a foto de um livro”.

“No entanto, quando o influenciador faz um vídeo mais elaborado falando sobre o livro e de fato recomendando-o para seu público, observamos um impacto em vendas”, diz.

Ela cita alguns casos em que isso aconteceu: quando a influenciadora Camila Coutinho divulgou os livros A Marca da Vitória, biografia de Phil Knight, fundador da Nike, e Falando com Estranhos, do jornalista Malcom Gladwell, e quando Marcella Tranchesi falou sobre a obra O Poder do Hábito, de Charles Duhigg.

“[Nesses casos], o influenciador acaba virando um embaixador do livro, e fica claro para seus seguidores que aquele é um conteúdo genuíno, e não um publi. Ele mostra como o livro combina com seu estilo de vida, que é exatamente o que sua audiência quer consumir”, explica Mariana.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Um piquenique ao ar livre, um belo dia na praia, um café da manhã em uma padaria. Tudo pode virar cenário para o post ideal de uma influenciadora, em especial para mostrar aquele look escolhido especialmente para a ocasião. Um objeto, no entanto, parece ter se infiltrado em muitas dessas publicações ultimamente: o livro.

Ele tem aparecido nas estantes em fotos e vídeos mostrando roupas, no canto das imagens em publicidades e na mão das blogueiras. O Estadão conversou com uma especialista e com editoras para a entender os motivos por trás desse fenômeno recente e saber se ele pode ter impacto no mercado editorial.

São vários os exemplos. Em maio, a influenciadora Giordana Serrano, que acumula quase 500 mil seguidores no Instagram, publicou uma foto em que segurava um copo de café em uma mão e um livro em outra. A localização indicava que ela estava em Barcelona, na Espanha, e o post era, inclusive, uma publicidade para um marca de café.

Em abril, Natália Cangueiro, que soma mais de 401 mil seguidores na rede social, apareceu posando em uma livraria. “Gostosas e leitoras”, brincou na legenda. A influencer de moda tem, inclusive, um destaque em seus stories em que fala dos livros que já leu.

Mais recentemente, em agosto, a influenciadora Ana Júlia Ardito, que tem pouco mais de 81 mil seguidores no Instagram, divulgou uma publicidade para uma marca de calçados. Na imagem, em cima de uma cesta, aparecia o livro Aurora: O despertar da mulher exausta, de Marcela Ceribelli, fundadora da plataforma Obvious. Veja a foto no segundo slide:

É claro que seria um exagero dizer que os livros aparecem no perfil de todas as blogueiras brasileiras e mundo a fora. Mas estão aparecendo, e com frequência que certamente é maior do que há alguns anos. A pergunta que fica é: o que está por trás disso?

O BookTok e as estéticas da internet

A reportagem conversou com Issaaf Karhawi, doutora em comunicação pela ECA-USP e autora do livro De Blogueira a Influenciadora: Etapas de Profissionalização da Blogosfera de Moda Brasileira (2020), que levantou algumas hipóteses sobre a razão para este fenômeno recente.

A primeira delas é a influência do BookTok, nicho do TikTok que discute e divulga literatura. Em maio, o Estadão explicou o que é este espaço, o sucesso dele e como ele tem mudado o hábito de leitura dos brasileiros - leia aqui.

É justamente isso que Issaaf cita: “A gente tem um movimento em uma rede social muito específica que tem mudado um pouco a relação que a gente tem com livros, pensando na população de maneira geral”.

Ela lembra como o TikTok tem ocupado espaços em livrarias e grandes eventos, como a Bienal do Livro, e que o BookTok pode ter sido um dos responsáveis por tirar a literatura de um espaço nichado - afinal, ela sempre esteve na internet - e a colocado em um lugar mais popular.

Talvez tenha alguma coisa aí na cultura digital em que o livro passou a se infiltrar de forma mais diluída

Issaaf Karhawi

Vale pontuar também que as influenciadoras de moda estão muito presentes no TikTok, às vezes até mais do que no Instagram. E já que você vai mostrar um look, por que não fazer isso na frente de uma estante?

A segunda hipótese de Issaaf está relacionada ao que na internet se é referido como “aesthetic”, palavra que se traduz para “estética” e que faz alusão a um tipo de imagem harmoniosa e popular.

São muitas as estéticas que fazem sucesso nas redes sociais, da “Tomato Girl Summer”, que simula vida de luxo no Mediterrâneo à “That Girl”, em que pessoas buscam a ‘melhor versão de si mesmas’ com uma rotina saudável e rigorosa - ambas já foram explicadas pelo Estadão.

Para a pesquisadora, a inserção do livro nas fotos também pode ser uma tentativa de entrar dentro de algumas dessas estéticas que vão e vem. Ela cita a “estética da produtividade”, por exemplo.

“É a estética dessa jovem hiperprodutiva. As fotos dela sempre tem um computador, uma agenda, um bloquinho de anotações, lista de afazeres, um copo de café, porque ela é muito produtiva”, diz a professora.

“A gente tem sido, como sociedade, cobrados para sermos produtivos e disciplinados. E produtividade tem a ver [não só] com trabalho, mas com os livros que a gente lê, com os filmes que a gente vê”, comenta.

“As influenciadoras, sobretudo, estão nessa lógica também. Quase como quem dita o que deve ser feito, o que é um símbolo de sucesso, o que se espera de uma pessoa que é produtiva. Elas também trabalham com esses signos na produção de conteúdo”, completa.

Gestão da própria imagem

Seja por influência do BookTok ou pela vontade de estar dentro de uma estética, a escolha de inserir um livro em uma publicação é sempre consciente. É uma decisão da pessoa que está por trás daquele perfil publicar ou não determinada foto. Mas o que se ganha com isso?

“Influenciadoras de moda - e influenciadores de maneira geral - estão sempre fazendo um trabalho de visibilidade, de gestão da própria imagem, ou seja, de escolher no que se joga luz e o que se mantém na sombra”, aponta Issaaf.

Ela explica que esse processo não é aleatório. Ele pode até ser feito de maneira “intuitiva, ou até amadora”, sem uma grande elaboração por trás, mas sempre tem um objetivo final - chamar a atenção de marcas, atrair mais interesse de um certo público, discutir determinados temas, e por aí vai.

Em agosto de 2023, a influenciadora Giovanna Ferrarezi, que tem mais de 619 mil seguidores, postou uma sequência de fotos de uma viagem. O terceiro slide mostrava uma página de um livro com um lago ao fundo. Na descrição de seu perfil, ela se autodenomina como “Rainha das Plublis” - uma alusão a “publi”, diminutivo de “publicidade”.

Giovanna não indicou de qual título se tratava, mas com uma pesquisa rápida a reportagem descobriu que o livro é A Natureza da Mordida, de Carla Madeira, escritora mineira e autora de Tudo é Rio, um dos livros mais vendidos do Brasil em 2021.

Issaaf destaca a importância de não estigmatizar e simplificar essa discussão. “Eu não quero reduzir. ‘Mostrou um livro, então é aquilo’. [Essa pessoa] pode querer um monte de coisa, mas pode não querer nada também”.

“Mas acho que também tem uma outra questão em jogo”, completa. “A moda sempre, historicamente, foi associada à futilidade e à frivolidade. Pode ser que jogar com essa possibilidade de falar de moda e de leitura - e mostrar um livro - também seja uma tentativa de evidenciar que produzir conteúdo sobre moda não tá no lugar da futilidade e do esvaziamento. Pode ser que seja possível nesse espaço, por exemplo, falar de leitura”.

Além disso, a especialista aponta que os livros também são uma estratégia de gerar engajamento com os seguidores, o que é muito importante para um influenciador. “Se eu mostro um trecho de um livro e não mostro a capa, é claro que as pessoas vão me perguntar que livro é aquele”.

E o mercado editorial ganha algo com isso?

Para Taila Lima, coordenadora de redes sociais da editora Intrínseca, a “mera aparição” de um livro nas redes sociais de uma influenciadora “não é garantia de um pico de vendas”.

“Isso vai depender do público que segue essa celebridade. O público está interessado em saber sobre essa parcela da vida da celebridade? É um público leitor ávido? E, se for, será que esse é o gênero mais interessante para ele? É um conjunto de fatores difícil de se atingir”, pondera.

Taila explica que essa aparição pode ser benéfica se for aliada a uma forte campanha de divulgação. “[Isso] contribui para a impressão de que todos estão falando sobre esse assunto, o que faz com que o leitor priorize a leitura desse livro em detrimento de outros tantos”, diz.

A literatura sempre conferiu um capital social ao leitor, e isso não é diferente para as celebridades. Além disso, o livro certo te aproxima do público que você quer atingir. Seja o best-seller do momento, uma biografia premiada ou um livro clássico do século passado, esses livros mostram o que chama sua atenção, o que te emociona, quem você é — ou quem está tentando ser.

Taila Lima, coordenadora de redes sociais da Intrínseca

A diretora de marketing da editora Sextante e do selo Arqueiro, Mariana Kaplan, afirma que a marca não percebe um impacto nas vendas quando “um macro influenciador ou celebridade simplesmente posta a foto de um livro”.

“No entanto, quando o influenciador faz um vídeo mais elaborado falando sobre o livro e de fato recomendando-o para seu público, observamos um impacto em vendas”, diz.

Ela cita alguns casos em que isso aconteceu: quando a influenciadora Camila Coutinho divulgou os livros A Marca da Vitória, biografia de Phil Knight, fundador da Nike, e Falando com Estranhos, do jornalista Malcom Gladwell, e quando Marcella Tranchesi falou sobre a obra O Poder do Hábito, de Charles Duhigg.

“[Nesses casos], o influenciador acaba virando um embaixador do livro, e fica claro para seus seguidores que aquele é um conteúdo genuíno, e não um publi. Ele mostra como o livro combina com seu estilo de vida, que é exatamente o que sua audiência quer consumir”, explica Mariana.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Um piquenique ao ar livre, um belo dia na praia, um café da manhã em uma padaria. Tudo pode virar cenário para o post ideal de uma influenciadora, em especial para mostrar aquele look escolhido especialmente para a ocasião. Um objeto, no entanto, parece ter se infiltrado em muitas dessas publicações ultimamente: o livro.

Ele tem aparecido nas estantes em fotos e vídeos mostrando roupas, no canto das imagens em publicidades e na mão das blogueiras. O Estadão conversou com uma especialista e com editoras para a entender os motivos por trás desse fenômeno recente e saber se ele pode ter impacto no mercado editorial.

São vários os exemplos. Em maio, a influenciadora Giordana Serrano, que acumula quase 500 mil seguidores no Instagram, publicou uma foto em que segurava um copo de café em uma mão e um livro em outra. A localização indicava que ela estava em Barcelona, na Espanha, e o post era, inclusive, uma publicidade para um marca de café.

Em abril, Natália Cangueiro, que soma mais de 401 mil seguidores na rede social, apareceu posando em uma livraria. “Gostosas e leitoras”, brincou na legenda. A influencer de moda tem, inclusive, um destaque em seus stories em que fala dos livros que já leu.

Mais recentemente, em agosto, a influenciadora Ana Júlia Ardito, que tem pouco mais de 81 mil seguidores no Instagram, divulgou uma publicidade para uma marca de calçados. Na imagem, em cima de uma cesta, aparecia o livro Aurora: O despertar da mulher exausta, de Marcela Ceribelli, fundadora da plataforma Obvious. Veja a foto no segundo slide:

É claro que seria um exagero dizer que os livros aparecem no perfil de todas as blogueiras brasileiras e mundo a fora. Mas estão aparecendo, e com frequência que certamente é maior do que há alguns anos. A pergunta que fica é: o que está por trás disso?

O BookTok e as estéticas da internet

A reportagem conversou com Issaaf Karhawi, doutora em comunicação pela ECA-USP e autora do livro De Blogueira a Influenciadora: Etapas de Profissionalização da Blogosfera de Moda Brasileira (2020), que levantou algumas hipóteses sobre a razão para este fenômeno recente.

A primeira delas é a influência do BookTok, nicho do TikTok que discute e divulga literatura. Em maio, o Estadão explicou o que é este espaço, o sucesso dele e como ele tem mudado o hábito de leitura dos brasileiros - leia aqui.

É justamente isso que Issaaf cita: “A gente tem um movimento em uma rede social muito específica que tem mudado um pouco a relação que a gente tem com livros, pensando na população de maneira geral”.

Ela lembra como o TikTok tem ocupado espaços em livrarias e grandes eventos, como a Bienal do Livro, e que o BookTok pode ter sido um dos responsáveis por tirar a literatura de um espaço nichado - afinal, ela sempre esteve na internet - e a colocado em um lugar mais popular.

Talvez tenha alguma coisa aí na cultura digital em que o livro passou a se infiltrar de forma mais diluída

Issaaf Karhawi

Vale pontuar também que as influenciadoras de moda estão muito presentes no TikTok, às vezes até mais do que no Instagram. E já que você vai mostrar um look, por que não fazer isso na frente de uma estante?

A segunda hipótese de Issaaf está relacionada ao que na internet se é referido como “aesthetic”, palavra que se traduz para “estética” e que faz alusão a um tipo de imagem harmoniosa e popular.

São muitas as estéticas que fazem sucesso nas redes sociais, da “Tomato Girl Summer”, que simula vida de luxo no Mediterrâneo à “That Girl”, em que pessoas buscam a ‘melhor versão de si mesmas’ com uma rotina saudável e rigorosa - ambas já foram explicadas pelo Estadão.

Para a pesquisadora, a inserção do livro nas fotos também pode ser uma tentativa de entrar dentro de algumas dessas estéticas que vão e vem. Ela cita a “estética da produtividade”, por exemplo.

“É a estética dessa jovem hiperprodutiva. As fotos dela sempre tem um computador, uma agenda, um bloquinho de anotações, lista de afazeres, um copo de café, porque ela é muito produtiva”, diz a professora.

“A gente tem sido, como sociedade, cobrados para sermos produtivos e disciplinados. E produtividade tem a ver [não só] com trabalho, mas com os livros que a gente lê, com os filmes que a gente vê”, comenta.

“As influenciadoras, sobretudo, estão nessa lógica também. Quase como quem dita o que deve ser feito, o que é um símbolo de sucesso, o que se espera de uma pessoa que é produtiva. Elas também trabalham com esses signos na produção de conteúdo”, completa.

Gestão da própria imagem

Seja por influência do BookTok ou pela vontade de estar dentro de uma estética, a escolha de inserir um livro em uma publicação é sempre consciente. É uma decisão da pessoa que está por trás daquele perfil publicar ou não determinada foto. Mas o que se ganha com isso?

“Influenciadoras de moda - e influenciadores de maneira geral - estão sempre fazendo um trabalho de visibilidade, de gestão da própria imagem, ou seja, de escolher no que se joga luz e o que se mantém na sombra”, aponta Issaaf.

Ela explica que esse processo não é aleatório. Ele pode até ser feito de maneira “intuitiva, ou até amadora”, sem uma grande elaboração por trás, mas sempre tem um objetivo final - chamar a atenção de marcas, atrair mais interesse de um certo público, discutir determinados temas, e por aí vai.

Em agosto de 2023, a influenciadora Giovanna Ferrarezi, que tem mais de 619 mil seguidores, postou uma sequência de fotos de uma viagem. O terceiro slide mostrava uma página de um livro com um lago ao fundo. Na descrição de seu perfil, ela se autodenomina como “Rainha das Plublis” - uma alusão a “publi”, diminutivo de “publicidade”.

Giovanna não indicou de qual título se tratava, mas com uma pesquisa rápida a reportagem descobriu que o livro é A Natureza da Mordida, de Carla Madeira, escritora mineira e autora de Tudo é Rio, um dos livros mais vendidos do Brasil em 2021.

Issaaf destaca a importância de não estigmatizar e simplificar essa discussão. “Eu não quero reduzir. ‘Mostrou um livro, então é aquilo’. [Essa pessoa] pode querer um monte de coisa, mas pode não querer nada também”.

“Mas acho que também tem uma outra questão em jogo”, completa. “A moda sempre, historicamente, foi associada à futilidade e à frivolidade. Pode ser que jogar com essa possibilidade de falar de moda e de leitura - e mostrar um livro - também seja uma tentativa de evidenciar que produzir conteúdo sobre moda não tá no lugar da futilidade e do esvaziamento. Pode ser que seja possível nesse espaço, por exemplo, falar de leitura”.

Além disso, a especialista aponta que os livros também são uma estratégia de gerar engajamento com os seguidores, o que é muito importante para um influenciador. “Se eu mostro um trecho de um livro e não mostro a capa, é claro que as pessoas vão me perguntar que livro é aquele”.

E o mercado editorial ganha algo com isso?

Para Taila Lima, coordenadora de redes sociais da editora Intrínseca, a “mera aparição” de um livro nas redes sociais de uma influenciadora “não é garantia de um pico de vendas”.

“Isso vai depender do público que segue essa celebridade. O público está interessado em saber sobre essa parcela da vida da celebridade? É um público leitor ávido? E, se for, será que esse é o gênero mais interessante para ele? É um conjunto de fatores difícil de se atingir”, pondera.

Taila explica que essa aparição pode ser benéfica se for aliada a uma forte campanha de divulgação. “[Isso] contribui para a impressão de que todos estão falando sobre esse assunto, o que faz com que o leitor priorize a leitura desse livro em detrimento de outros tantos”, diz.

A literatura sempre conferiu um capital social ao leitor, e isso não é diferente para as celebridades. Além disso, o livro certo te aproxima do público que você quer atingir. Seja o best-seller do momento, uma biografia premiada ou um livro clássico do século passado, esses livros mostram o que chama sua atenção, o que te emociona, quem você é — ou quem está tentando ser.

Taila Lima, coordenadora de redes sociais da Intrínseca

A diretora de marketing da editora Sextante e do selo Arqueiro, Mariana Kaplan, afirma que a marca não percebe um impacto nas vendas quando “um macro influenciador ou celebridade simplesmente posta a foto de um livro”.

“No entanto, quando o influenciador faz um vídeo mais elaborado falando sobre o livro e de fato recomendando-o para seu público, observamos um impacto em vendas”, diz.

Ela cita alguns casos em que isso aconteceu: quando a influenciadora Camila Coutinho divulgou os livros A Marca da Vitória, biografia de Phil Knight, fundador da Nike, e Falando com Estranhos, do jornalista Malcom Gladwell, e quando Marcella Tranchesi falou sobre a obra O Poder do Hábito, de Charles Duhigg.

“[Nesses casos], o influenciador acaba virando um embaixador do livro, e fica claro para seus seguidores que aquele é um conteúdo genuíno, e não um publi. Ele mostra como o livro combina com seu estilo de vida, que é exatamente o que sua audiência quer consumir”, explica Mariana.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Um piquenique ao ar livre, um belo dia na praia, um café da manhã em uma padaria. Tudo pode virar cenário para o post ideal de uma influenciadora, em especial para mostrar aquele look escolhido especialmente para a ocasião. Um objeto, no entanto, parece ter se infiltrado em muitas dessas publicações ultimamente: o livro.

Ele tem aparecido nas estantes em fotos e vídeos mostrando roupas, no canto das imagens em publicidades e na mão das blogueiras. O Estadão conversou com uma especialista e com editoras para a entender os motivos por trás desse fenômeno recente e saber se ele pode ter impacto no mercado editorial.

São vários os exemplos. Em maio, a influenciadora Giordana Serrano, que acumula quase 500 mil seguidores no Instagram, publicou uma foto em que segurava um copo de café em uma mão e um livro em outra. A localização indicava que ela estava em Barcelona, na Espanha, e o post era, inclusive, uma publicidade para um marca de café.

Em abril, Natália Cangueiro, que soma mais de 401 mil seguidores na rede social, apareceu posando em uma livraria. “Gostosas e leitoras”, brincou na legenda. A influencer de moda tem, inclusive, um destaque em seus stories em que fala dos livros que já leu.

Mais recentemente, em agosto, a influenciadora Ana Júlia Ardito, que tem pouco mais de 81 mil seguidores no Instagram, divulgou uma publicidade para uma marca de calçados. Na imagem, em cima de uma cesta, aparecia o livro Aurora: O despertar da mulher exausta, de Marcela Ceribelli, fundadora da plataforma Obvious. Veja a foto no segundo slide:

É claro que seria um exagero dizer que os livros aparecem no perfil de todas as blogueiras brasileiras e mundo a fora. Mas estão aparecendo, e com frequência que certamente é maior do que há alguns anos. A pergunta que fica é: o que está por trás disso?

O BookTok e as estéticas da internet

A reportagem conversou com Issaaf Karhawi, doutora em comunicação pela ECA-USP e autora do livro De Blogueira a Influenciadora: Etapas de Profissionalização da Blogosfera de Moda Brasileira (2020), que levantou algumas hipóteses sobre a razão para este fenômeno recente.

A primeira delas é a influência do BookTok, nicho do TikTok que discute e divulga literatura. Em maio, o Estadão explicou o que é este espaço, o sucesso dele e como ele tem mudado o hábito de leitura dos brasileiros - leia aqui.

É justamente isso que Issaaf cita: “A gente tem um movimento em uma rede social muito específica que tem mudado um pouco a relação que a gente tem com livros, pensando na população de maneira geral”.

Ela lembra como o TikTok tem ocupado espaços em livrarias e grandes eventos, como a Bienal do Livro, e que o BookTok pode ter sido um dos responsáveis por tirar a literatura de um espaço nichado - afinal, ela sempre esteve na internet - e a colocado em um lugar mais popular.

Talvez tenha alguma coisa aí na cultura digital em que o livro passou a se infiltrar de forma mais diluída

Issaaf Karhawi

Vale pontuar também que as influenciadoras de moda estão muito presentes no TikTok, às vezes até mais do que no Instagram. E já que você vai mostrar um look, por que não fazer isso na frente de uma estante?

A segunda hipótese de Issaaf está relacionada ao que na internet se é referido como “aesthetic”, palavra que se traduz para “estética” e que faz alusão a um tipo de imagem harmoniosa e popular.

São muitas as estéticas que fazem sucesso nas redes sociais, da “Tomato Girl Summer”, que simula vida de luxo no Mediterrâneo à “That Girl”, em que pessoas buscam a ‘melhor versão de si mesmas’ com uma rotina saudável e rigorosa - ambas já foram explicadas pelo Estadão.

Para a pesquisadora, a inserção do livro nas fotos também pode ser uma tentativa de entrar dentro de algumas dessas estéticas que vão e vem. Ela cita a “estética da produtividade”, por exemplo.

“É a estética dessa jovem hiperprodutiva. As fotos dela sempre tem um computador, uma agenda, um bloquinho de anotações, lista de afazeres, um copo de café, porque ela é muito produtiva”, diz a professora.

“A gente tem sido, como sociedade, cobrados para sermos produtivos e disciplinados. E produtividade tem a ver [não só] com trabalho, mas com os livros que a gente lê, com os filmes que a gente vê”, comenta.

“As influenciadoras, sobretudo, estão nessa lógica também. Quase como quem dita o que deve ser feito, o que é um símbolo de sucesso, o que se espera de uma pessoa que é produtiva. Elas também trabalham com esses signos na produção de conteúdo”, completa.

Gestão da própria imagem

Seja por influência do BookTok ou pela vontade de estar dentro de uma estética, a escolha de inserir um livro em uma publicação é sempre consciente. É uma decisão da pessoa que está por trás daquele perfil publicar ou não determinada foto. Mas o que se ganha com isso?

“Influenciadoras de moda - e influenciadores de maneira geral - estão sempre fazendo um trabalho de visibilidade, de gestão da própria imagem, ou seja, de escolher no que se joga luz e o que se mantém na sombra”, aponta Issaaf.

Ela explica que esse processo não é aleatório. Ele pode até ser feito de maneira “intuitiva, ou até amadora”, sem uma grande elaboração por trás, mas sempre tem um objetivo final - chamar a atenção de marcas, atrair mais interesse de um certo público, discutir determinados temas, e por aí vai.

Em agosto de 2023, a influenciadora Giovanna Ferrarezi, que tem mais de 619 mil seguidores, postou uma sequência de fotos de uma viagem. O terceiro slide mostrava uma página de um livro com um lago ao fundo. Na descrição de seu perfil, ela se autodenomina como “Rainha das Plublis” - uma alusão a “publi”, diminutivo de “publicidade”.

Giovanna não indicou de qual título se tratava, mas com uma pesquisa rápida a reportagem descobriu que o livro é A Natureza da Mordida, de Carla Madeira, escritora mineira e autora de Tudo é Rio, um dos livros mais vendidos do Brasil em 2021.

Issaaf destaca a importância de não estigmatizar e simplificar essa discussão. “Eu não quero reduzir. ‘Mostrou um livro, então é aquilo’. [Essa pessoa] pode querer um monte de coisa, mas pode não querer nada também”.

“Mas acho que também tem uma outra questão em jogo”, completa. “A moda sempre, historicamente, foi associada à futilidade e à frivolidade. Pode ser que jogar com essa possibilidade de falar de moda e de leitura - e mostrar um livro - também seja uma tentativa de evidenciar que produzir conteúdo sobre moda não tá no lugar da futilidade e do esvaziamento. Pode ser que seja possível nesse espaço, por exemplo, falar de leitura”.

Além disso, a especialista aponta que os livros também são uma estratégia de gerar engajamento com os seguidores, o que é muito importante para um influenciador. “Se eu mostro um trecho de um livro e não mostro a capa, é claro que as pessoas vão me perguntar que livro é aquele”.

E o mercado editorial ganha algo com isso?

Para Taila Lima, coordenadora de redes sociais da editora Intrínseca, a “mera aparição” de um livro nas redes sociais de uma influenciadora “não é garantia de um pico de vendas”.

“Isso vai depender do público que segue essa celebridade. O público está interessado em saber sobre essa parcela da vida da celebridade? É um público leitor ávido? E, se for, será que esse é o gênero mais interessante para ele? É um conjunto de fatores difícil de se atingir”, pondera.

Taila explica que essa aparição pode ser benéfica se for aliada a uma forte campanha de divulgação. “[Isso] contribui para a impressão de que todos estão falando sobre esse assunto, o que faz com que o leitor priorize a leitura desse livro em detrimento de outros tantos”, diz.

A literatura sempre conferiu um capital social ao leitor, e isso não é diferente para as celebridades. Além disso, o livro certo te aproxima do público que você quer atingir. Seja o best-seller do momento, uma biografia premiada ou um livro clássico do século passado, esses livros mostram o que chama sua atenção, o que te emociona, quem você é — ou quem está tentando ser.

Taila Lima, coordenadora de redes sociais da Intrínseca

A diretora de marketing da editora Sextante e do selo Arqueiro, Mariana Kaplan, afirma que a marca não percebe um impacto nas vendas quando “um macro influenciador ou celebridade simplesmente posta a foto de um livro”.

“No entanto, quando o influenciador faz um vídeo mais elaborado falando sobre o livro e de fato recomendando-o para seu público, observamos um impacto em vendas”, diz.

Ela cita alguns casos em que isso aconteceu: quando a influenciadora Camila Coutinho divulgou os livros A Marca da Vitória, biografia de Phil Knight, fundador da Nike, e Falando com Estranhos, do jornalista Malcom Gladwell, e quando Marcella Tranchesi falou sobre a obra O Poder do Hábito, de Charles Duhigg.

“[Nesses casos], o influenciador acaba virando um embaixador do livro, e fica claro para seus seguidores que aquele é um conteúdo genuíno, e não um publi. Ele mostra como o livro combina com seu estilo de vida, que é exatamente o que sua audiência quer consumir”, explica Mariana.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

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