Decisão da Moody’s de melhorar perspectiva de rating do Brasil foi precipitada, avalia Zeina Latif


Na avaliação da economista, crescimento do País pode estar sendo impulsionado por medidas fiscais pontuais; economista também vê ‘corrosão de credibilidade’ das contas públicas

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Entrevista comZeina LatifEconomista

Na leitura da economista Zeina Latif, a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de estável para positiva pode ser considerada “precipitada”. Ela avalia que as reformas realizadas desde o governo Michel Temer aumentaram o potencial de crescimento da economia brasileira, mas pondera que os números mais recentes podem estar turbinados por medidas fiscais pontuais, com impulsos vindos do Bolsa Família, do salário mínimo e do pagamentos de precatórios.

“São muitas variáveis que artificialmente estão impulsionando a demanda”, afirma Zeina ao Estadão. “É artificial porque a gente sabe que não tem como se sustentar isso por muito tempo.”

A economista também diz que o País passa por uma “corrosão da credibilidade” fiscal e que o governo precisa de um freio de arrumação na área das conas públicas para endereçar o ajuste também pelo lado das despesas. “(A Moody’s) Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal”, afirma ela, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

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A seguir os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia a decisão da Moody’s?

No passado, eu fiz um trabalho com outros colegas e o crescimento é uma variável chave para as decisões das agências de rating. Quando o país está crescendo, ajustar o fiscal vai ficar mais fácil, melhora a arrecadação e as métricas são como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). É uma variável chave e que dá uma certa tolerância para a questão fiscal. Isso é importante. Então, nessa decisão, (ajuda) o fato de o Brasil estar surpreendendo com os dados de crescimento e, quando a gente olha algumas variáveis mais recentes, é uma economia que está ganhando tração. Me parece que a leitura deles é a seguinte, e inclusive é um debate entre os economistas, de que, aparentemente, a retomada de reformas desde 2016 - sem ser injusta com o Joaquim Levy (ministro da Fazenda no início do segundo governo Dilma Rousseff), que fez algumas coisas, mas, de fato, a inflexão foi no governo Temer - levou a um aumento do potencial de crescimento do Brasil em relação ao passado recente.

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E qual é a análise da sra. sobre essa melhora do potencial do crescimento?

Eu estou no grupo que acha que houve uma melhora. O tamanho? A gente não sabe. Só que, neste momento, não há dúvida de que tem a questão fiscal. Há um peso muito grande do Bolsa Família, o impacto do salário mínimo e os efeitos de precatórios (dívidas judiciais da União) no curtíssimo prazo. São muitas variáveis que, artificialmente, estão impulsionando a demanda. Não quer dizer potencial de crescimento. É artificial porque a gente sabe que não tem como isso se sustentar por muito tempo. E acho que é precipitada (essa mudança). Tudo bem que é só a perspectiva. Independentemente se as outras (agências de classificação) fizeram ou não, eu acho que houve uma certa precipitação. Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal.

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Por quê?

É nítida a corrosão da credibilidade fiscal no Brasil. Claro, não é o governo Dilma. Tem um ruído fiscal muito forte e, para mim, vai ter de existir um freio de arrumação. Qual é o plano de voo do governo - e não só do ministro da Fazenda - para cumprir as metas (fiscais)? Hoje, o sentimento é de que mudou uma vez e pode mudar mais. Há um próprio consenso do mercado mostrando que há uma necessidade de recursos adicionais muito forte e aumento de carga tributária. Eu acho precipitada (a mudança de perspectiva), tanto olhando do lado da atividade econômica, que não se sustenta, em meio a um risco fiscal que aumentou.

A piora do risco fiscal foi agravada com as mudanças de meta?

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Qualquer pessoa que cobre fiscal já enxergava de largada, a ideia de que iria ter de mudar a meta. Uma coisa é o operador do mercado financeiro ter respirado e falado: ‘ufa, não é governo Dilma’. Uma coisa é o economista, outra é quem está na linha de frente do mercado fazendo preço. Os economistas não mudaram as projeções. Você olha o boletim Focus e não houve melhora. E o arcabouço fiscal tem um problema de inconsistência interna nesse contexto de salário mínimo elevado, nas vinculações de saúde e educação.

Não foi só a mudança da meta, mas a sequência de derrotas que o governo foi tendo. Ou de iniciativas equivocadas, como a foi a lei do Dpvat, que colocou aquela antecipação para a revisão do crédito extraordinário. De alguma forma, ou teve o aval ou então a Fazenda foi derrotada nessa discussão. Qualquer que seja a razão, não é um bom sinal. Então, é a sequência de más notícias, também potencializada pelo cenário internacional. Mas é sempre assim. Vai acumulando más notícias e o mercado vai engolindo. Até que, uma hora, vem um gatilho externo, e o mercado tem de reavaliar as expectativas. Estamos precisando enxergar um plano de voo, e um ministro com força política para poder implementar.

Na avaliação da sra., o ministro Haddad perdeu força?

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Tem uma coisa que eu acho que é natural. A gente vê isso acontecer com muitos ministros e foi assim também com o Paulo Guedes, de haver certos desgastes, porque promessas são feitas e aí não consegue cumpri-las. Eu acho que a ideia de colocar metas (fiscais) ambiciosas, porque precisava da confiança do mercado, foi ruim. Não é uma boa estratégia. Uma hora as expectativas se ajustam às novas informações. E isso desgasta. O que estou querendo dizer é que a Fazenda também errou. Tentaram passar um otimismo para o mercado que não se sustentou. E, apesar de toda a resistência do PT, tem de ter uma fala do lado da despesa.

Esse é o freio de arrumação?

O freio de arrumação é qual vai ser a medida (do lado da despesa), dado que tem limites para a arrecadação. Eu não vejo como não mexer em despesa. É ter um compromisso com isso. É isso que eu chamo de freio de arrumação: colocar o controle das despesas na agenda política.

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Diante desse cenário, o grau de investimento está distante?

Eu acho que está distante até porque precisaria ter uma perspectiva de crescimento mais robusta e de forma sustentada. Temos chão para isso ainda. É claro que a discussão de reformas - e a tributária pode ter pesado - mostra um vigor do País de, que entra presidente, sai presidente, a reforma estrutural está saindo. A gente pode até discutir se está lento demais - e está mesmo - e se poderíamos ser mais ambicioso. Mas o fato é que o País minimamente conseguindo dar uma continuidade (na agenda de reformas).

Na leitura da economista Zeina Latif, a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de estável para positiva pode ser considerada “precipitada”. Ela avalia que as reformas realizadas desde o governo Michel Temer aumentaram o potencial de crescimento da economia brasileira, mas pondera que os números mais recentes podem estar turbinados por medidas fiscais pontuais, com impulsos vindos do Bolsa Família, do salário mínimo e do pagamentos de precatórios.

“São muitas variáveis que artificialmente estão impulsionando a demanda”, afirma Zeina ao Estadão. “É artificial porque a gente sabe que não tem como se sustentar isso por muito tempo.”

A economista também diz que o País passa por uma “corrosão da credibilidade” fiscal e que o governo precisa de um freio de arrumação na área das conas públicas para endereçar o ajuste também pelo lado das despesas. “(A Moody’s) Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal”, afirma ela, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia a decisão da Moody’s?

No passado, eu fiz um trabalho com outros colegas e o crescimento é uma variável chave para as decisões das agências de rating. Quando o país está crescendo, ajustar o fiscal vai ficar mais fácil, melhora a arrecadação e as métricas são como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). É uma variável chave e que dá uma certa tolerância para a questão fiscal. Isso é importante. Então, nessa decisão, (ajuda) o fato de o Brasil estar surpreendendo com os dados de crescimento e, quando a gente olha algumas variáveis mais recentes, é uma economia que está ganhando tração. Me parece que a leitura deles é a seguinte, e inclusive é um debate entre os economistas, de que, aparentemente, a retomada de reformas desde 2016 - sem ser injusta com o Joaquim Levy (ministro da Fazenda no início do segundo governo Dilma Rousseff), que fez algumas coisas, mas, de fato, a inflexão foi no governo Temer - levou a um aumento do potencial de crescimento do Brasil em relação ao passado recente.

E qual é a análise da sra. sobre essa melhora do potencial do crescimento?

Eu estou no grupo que acha que houve uma melhora. O tamanho? A gente não sabe. Só que, neste momento, não há dúvida de que tem a questão fiscal. Há um peso muito grande do Bolsa Família, o impacto do salário mínimo e os efeitos de precatórios (dívidas judiciais da União) no curtíssimo prazo. São muitas variáveis que, artificialmente, estão impulsionando a demanda. Não quer dizer potencial de crescimento. É artificial porque a gente sabe que não tem como isso se sustentar por muito tempo. E acho que é precipitada (essa mudança). Tudo bem que é só a perspectiva. Independentemente se as outras (agências de classificação) fizeram ou não, eu acho que houve uma certa precipitação. Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal.

Por quê?

É nítida a corrosão da credibilidade fiscal no Brasil. Claro, não é o governo Dilma. Tem um ruído fiscal muito forte e, para mim, vai ter de existir um freio de arrumação. Qual é o plano de voo do governo - e não só do ministro da Fazenda - para cumprir as metas (fiscais)? Hoje, o sentimento é de que mudou uma vez e pode mudar mais. Há um próprio consenso do mercado mostrando que há uma necessidade de recursos adicionais muito forte e aumento de carga tributária. Eu acho precipitada (a mudança de perspectiva), tanto olhando do lado da atividade econômica, que não se sustenta, em meio a um risco fiscal que aumentou.

A piora do risco fiscal foi agravada com as mudanças de meta?

Qualquer pessoa que cobre fiscal já enxergava de largada, a ideia de que iria ter de mudar a meta. Uma coisa é o operador do mercado financeiro ter respirado e falado: ‘ufa, não é governo Dilma’. Uma coisa é o economista, outra é quem está na linha de frente do mercado fazendo preço. Os economistas não mudaram as projeções. Você olha o boletim Focus e não houve melhora. E o arcabouço fiscal tem um problema de inconsistência interna nesse contexto de salário mínimo elevado, nas vinculações de saúde e educação.

Não foi só a mudança da meta, mas a sequência de derrotas que o governo foi tendo. Ou de iniciativas equivocadas, como a foi a lei do Dpvat, que colocou aquela antecipação para a revisão do crédito extraordinário. De alguma forma, ou teve o aval ou então a Fazenda foi derrotada nessa discussão. Qualquer que seja a razão, não é um bom sinal. Então, é a sequência de más notícias, também potencializada pelo cenário internacional. Mas é sempre assim. Vai acumulando más notícias e o mercado vai engolindo. Até que, uma hora, vem um gatilho externo, e o mercado tem de reavaliar as expectativas. Estamos precisando enxergar um plano de voo, e um ministro com força política para poder implementar.

Na avaliação da sra., o ministro Haddad perdeu força?

Tem uma coisa que eu acho que é natural. A gente vê isso acontecer com muitos ministros e foi assim também com o Paulo Guedes, de haver certos desgastes, porque promessas são feitas e aí não consegue cumpri-las. Eu acho que a ideia de colocar metas (fiscais) ambiciosas, porque precisava da confiança do mercado, foi ruim. Não é uma boa estratégia. Uma hora as expectativas se ajustam às novas informações. E isso desgasta. O que estou querendo dizer é que a Fazenda também errou. Tentaram passar um otimismo para o mercado que não se sustentou. E, apesar de toda a resistência do PT, tem de ter uma fala do lado da despesa.

Esse é o freio de arrumação?

O freio de arrumação é qual vai ser a medida (do lado da despesa), dado que tem limites para a arrecadação. Eu não vejo como não mexer em despesa. É ter um compromisso com isso. É isso que eu chamo de freio de arrumação: colocar o controle das despesas na agenda política.

Diante desse cenário, o grau de investimento está distante?

Eu acho que está distante até porque precisaria ter uma perspectiva de crescimento mais robusta e de forma sustentada. Temos chão para isso ainda. É claro que a discussão de reformas - e a tributária pode ter pesado - mostra um vigor do País de, que entra presidente, sai presidente, a reforma estrutural está saindo. A gente pode até discutir se está lento demais - e está mesmo - e se poderíamos ser mais ambicioso. Mas o fato é que o País minimamente conseguindo dar uma continuidade (na agenda de reformas).

Na leitura da economista Zeina Latif, a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de estável para positiva pode ser considerada “precipitada”. Ela avalia que as reformas realizadas desde o governo Michel Temer aumentaram o potencial de crescimento da economia brasileira, mas pondera que os números mais recentes podem estar turbinados por medidas fiscais pontuais, com impulsos vindos do Bolsa Família, do salário mínimo e do pagamentos de precatórios.

“São muitas variáveis que artificialmente estão impulsionando a demanda”, afirma Zeina ao Estadão. “É artificial porque a gente sabe que não tem como se sustentar isso por muito tempo.”

A economista também diz que o País passa por uma “corrosão da credibilidade” fiscal e que o governo precisa de um freio de arrumação na área das conas públicas para endereçar o ajuste também pelo lado das despesas. “(A Moody’s) Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal”, afirma ela, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia a decisão da Moody’s?

No passado, eu fiz um trabalho com outros colegas e o crescimento é uma variável chave para as decisões das agências de rating. Quando o país está crescendo, ajustar o fiscal vai ficar mais fácil, melhora a arrecadação e as métricas são como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). É uma variável chave e que dá uma certa tolerância para a questão fiscal. Isso é importante. Então, nessa decisão, (ajuda) o fato de o Brasil estar surpreendendo com os dados de crescimento e, quando a gente olha algumas variáveis mais recentes, é uma economia que está ganhando tração. Me parece que a leitura deles é a seguinte, e inclusive é um debate entre os economistas, de que, aparentemente, a retomada de reformas desde 2016 - sem ser injusta com o Joaquim Levy (ministro da Fazenda no início do segundo governo Dilma Rousseff), que fez algumas coisas, mas, de fato, a inflexão foi no governo Temer - levou a um aumento do potencial de crescimento do Brasil em relação ao passado recente.

E qual é a análise da sra. sobre essa melhora do potencial do crescimento?

Eu estou no grupo que acha que houve uma melhora. O tamanho? A gente não sabe. Só que, neste momento, não há dúvida de que tem a questão fiscal. Há um peso muito grande do Bolsa Família, o impacto do salário mínimo e os efeitos de precatórios (dívidas judiciais da União) no curtíssimo prazo. São muitas variáveis que, artificialmente, estão impulsionando a demanda. Não quer dizer potencial de crescimento. É artificial porque a gente sabe que não tem como isso se sustentar por muito tempo. E acho que é precipitada (essa mudança). Tudo bem que é só a perspectiva. Independentemente se as outras (agências de classificação) fizeram ou não, eu acho que houve uma certa precipitação. Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal.

Por quê?

É nítida a corrosão da credibilidade fiscal no Brasil. Claro, não é o governo Dilma. Tem um ruído fiscal muito forte e, para mim, vai ter de existir um freio de arrumação. Qual é o plano de voo do governo - e não só do ministro da Fazenda - para cumprir as metas (fiscais)? Hoje, o sentimento é de que mudou uma vez e pode mudar mais. Há um próprio consenso do mercado mostrando que há uma necessidade de recursos adicionais muito forte e aumento de carga tributária. Eu acho precipitada (a mudança de perspectiva), tanto olhando do lado da atividade econômica, que não se sustenta, em meio a um risco fiscal que aumentou.

A piora do risco fiscal foi agravada com as mudanças de meta?

Qualquer pessoa que cobre fiscal já enxergava de largada, a ideia de que iria ter de mudar a meta. Uma coisa é o operador do mercado financeiro ter respirado e falado: ‘ufa, não é governo Dilma’. Uma coisa é o economista, outra é quem está na linha de frente do mercado fazendo preço. Os economistas não mudaram as projeções. Você olha o boletim Focus e não houve melhora. E o arcabouço fiscal tem um problema de inconsistência interna nesse contexto de salário mínimo elevado, nas vinculações de saúde e educação.

Não foi só a mudança da meta, mas a sequência de derrotas que o governo foi tendo. Ou de iniciativas equivocadas, como a foi a lei do Dpvat, que colocou aquela antecipação para a revisão do crédito extraordinário. De alguma forma, ou teve o aval ou então a Fazenda foi derrotada nessa discussão. Qualquer que seja a razão, não é um bom sinal. Então, é a sequência de más notícias, também potencializada pelo cenário internacional. Mas é sempre assim. Vai acumulando más notícias e o mercado vai engolindo. Até que, uma hora, vem um gatilho externo, e o mercado tem de reavaliar as expectativas. Estamos precisando enxergar um plano de voo, e um ministro com força política para poder implementar.

Na avaliação da sra., o ministro Haddad perdeu força?

Tem uma coisa que eu acho que é natural. A gente vê isso acontecer com muitos ministros e foi assim também com o Paulo Guedes, de haver certos desgastes, porque promessas são feitas e aí não consegue cumpri-las. Eu acho que a ideia de colocar metas (fiscais) ambiciosas, porque precisava da confiança do mercado, foi ruim. Não é uma boa estratégia. Uma hora as expectativas se ajustam às novas informações. E isso desgasta. O que estou querendo dizer é que a Fazenda também errou. Tentaram passar um otimismo para o mercado que não se sustentou. E, apesar de toda a resistência do PT, tem de ter uma fala do lado da despesa.

Esse é o freio de arrumação?

O freio de arrumação é qual vai ser a medida (do lado da despesa), dado que tem limites para a arrecadação. Eu não vejo como não mexer em despesa. É ter um compromisso com isso. É isso que eu chamo de freio de arrumação: colocar o controle das despesas na agenda política.

Diante desse cenário, o grau de investimento está distante?

Eu acho que está distante até porque precisaria ter uma perspectiva de crescimento mais robusta e de forma sustentada. Temos chão para isso ainda. É claro que a discussão de reformas - e a tributária pode ter pesado - mostra um vigor do País de, que entra presidente, sai presidente, a reforma estrutural está saindo. A gente pode até discutir se está lento demais - e está mesmo - e se poderíamos ser mais ambicioso. Mas o fato é que o País minimamente conseguindo dar uma continuidade (na agenda de reformas).

Na leitura da economista Zeina Latif, a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de estável para positiva pode ser considerada “precipitada”. Ela avalia que as reformas realizadas desde o governo Michel Temer aumentaram o potencial de crescimento da economia brasileira, mas pondera que os números mais recentes podem estar turbinados por medidas fiscais pontuais, com impulsos vindos do Bolsa Família, do salário mínimo e do pagamentos de precatórios.

“São muitas variáveis que artificialmente estão impulsionando a demanda”, afirma Zeina ao Estadão. “É artificial porque a gente sabe que não tem como se sustentar isso por muito tempo.”

A economista também diz que o País passa por uma “corrosão da credibilidade” fiscal e que o governo precisa de um freio de arrumação na área das conas públicas para endereçar o ajuste também pelo lado das despesas. “(A Moody’s) Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal”, afirma ela, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia a decisão da Moody’s?

No passado, eu fiz um trabalho com outros colegas e o crescimento é uma variável chave para as decisões das agências de rating. Quando o país está crescendo, ajustar o fiscal vai ficar mais fácil, melhora a arrecadação e as métricas são como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). É uma variável chave e que dá uma certa tolerância para a questão fiscal. Isso é importante. Então, nessa decisão, (ajuda) o fato de o Brasil estar surpreendendo com os dados de crescimento e, quando a gente olha algumas variáveis mais recentes, é uma economia que está ganhando tração. Me parece que a leitura deles é a seguinte, e inclusive é um debate entre os economistas, de que, aparentemente, a retomada de reformas desde 2016 - sem ser injusta com o Joaquim Levy (ministro da Fazenda no início do segundo governo Dilma Rousseff), que fez algumas coisas, mas, de fato, a inflexão foi no governo Temer - levou a um aumento do potencial de crescimento do Brasil em relação ao passado recente.

E qual é a análise da sra. sobre essa melhora do potencial do crescimento?

Eu estou no grupo que acha que houve uma melhora. O tamanho? A gente não sabe. Só que, neste momento, não há dúvida de que tem a questão fiscal. Há um peso muito grande do Bolsa Família, o impacto do salário mínimo e os efeitos de precatórios (dívidas judiciais da União) no curtíssimo prazo. São muitas variáveis que, artificialmente, estão impulsionando a demanda. Não quer dizer potencial de crescimento. É artificial porque a gente sabe que não tem como isso se sustentar por muito tempo. E acho que é precipitada (essa mudança). Tudo bem que é só a perspectiva. Independentemente se as outras (agências de classificação) fizeram ou não, eu acho que houve uma certa precipitação. Deveria aguardar e esperar passar esse momento para poder analisar melhor, principalmente à luz da questão fiscal.

Por quê?

É nítida a corrosão da credibilidade fiscal no Brasil. Claro, não é o governo Dilma. Tem um ruído fiscal muito forte e, para mim, vai ter de existir um freio de arrumação. Qual é o plano de voo do governo - e não só do ministro da Fazenda - para cumprir as metas (fiscais)? Hoje, o sentimento é de que mudou uma vez e pode mudar mais. Há um próprio consenso do mercado mostrando que há uma necessidade de recursos adicionais muito forte e aumento de carga tributária. Eu acho precipitada (a mudança de perspectiva), tanto olhando do lado da atividade econômica, que não se sustenta, em meio a um risco fiscal que aumentou.

A piora do risco fiscal foi agravada com as mudanças de meta?

Qualquer pessoa que cobre fiscal já enxergava de largada, a ideia de que iria ter de mudar a meta. Uma coisa é o operador do mercado financeiro ter respirado e falado: ‘ufa, não é governo Dilma’. Uma coisa é o economista, outra é quem está na linha de frente do mercado fazendo preço. Os economistas não mudaram as projeções. Você olha o boletim Focus e não houve melhora. E o arcabouço fiscal tem um problema de inconsistência interna nesse contexto de salário mínimo elevado, nas vinculações de saúde e educação.

Não foi só a mudança da meta, mas a sequência de derrotas que o governo foi tendo. Ou de iniciativas equivocadas, como a foi a lei do Dpvat, que colocou aquela antecipação para a revisão do crédito extraordinário. De alguma forma, ou teve o aval ou então a Fazenda foi derrotada nessa discussão. Qualquer que seja a razão, não é um bom sinal. Então, é a sequência de más notícias, também potencializada pelo cenário internacional. Mas é sempre assim. Vai acumulando más notícias e o mercado vai engolindo. Até que, uma hora, vem um gatilho externo, e o mercado tem de reavaliar as expectativas. Estamos precisando enxergar um plano de voo, e um ministro com força política para poder implementar.

Na avaliação da sra., o ministro Haddad perdeu força?

Tem uma coisa que eu acho que é natural. A gente vê isso acontecer com muitos ministros e foi assim também com o Paulo Guedes, de haver certos desgastes, porque promessas são feitas e aí não consegue cumpri-las. Eu acho que a ideia de colocar metas (fiscais) ambiciosas, porque precisava da confiança do mercado, foi ruim. Não é uma boa estratégia. Uma hora as expectativas se ajustam às novas informações. E isso desgasta. O que estou querendo dizer é que a Fazenda também errou. Tentaram passar um otimismo para o mercado que não se sustentou. E, apesar de toda a resistência do PT, tem de ter uma fala do lado da despesa.

Esse é o freio de arrumação?

O freio de arrumação é qual vai ser a medida (do lado da despesa), dado que tem limites para a arrecadação. Eu não vejo como não mexer em despesa. É ter um compromisso com isso. É isso que eu chamo de freio de arrumação: colocar o controle das despesas na agenda política.

Diante desse cenário, o grau de investimento está distante?

Eu acho que está distante até porque precisaria ter uma perspectiva de crescimento mais robusta e de forma sustentada. Temos chão para isso ainda. É claro que a discussão de reformas - e a tributária pode ter pesado - mostra um vigor do País de, que entra presidente, sai presidente, a reforma estrutural está saindo. A gente pode até discutir se está lento demais - e está mesmo - e se poderíamos ser mais ambicioso. Mas o fato é que o País minimamente conseguindo dar uma continuidade (na agenda de reformas).

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