Anunciar e disseminar, de forma pública e intencional, a informação de um falso ataque a escolas é uma contravenção que pode ser considerada crime e até prisão.
A depender do conteúdo da mensagem, do modo como é divulgada e para quem foi direcionada, a ação pode evoluir de uma contravenção penal (um delito menos grave) para um crime de pena mais severa e que pode chegar a oito anos de reclusão.
Mestre em direito penal, o advogado Euro Maciel Filho explica que a simples divulgação de uma ameaça de atentado já pode constituir uma contravenção com pena de 15 dias a 6 meses de prisão, ou multa. O delito está previsto no Artigo 41 da Lei de Contravenções Penais.
“A redação diz ‘provocar alarma ou anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto’. E a pena é uma prisão de 15 dias a 6 meses ou multa”, diz o advogado.
Euro Filho afirma, porém, que a contravenção pode ser elevada à categoria de crime a depender do conteúdo que o boato carrega e também para quem ele é endereçado.
Se o texto da informação, por exemplo, estimular e incitar as pessoas a cometerem um crime, ou fizer exaltação a um ato criminoso, bem como enaltecer o seu autor, a violação pode configurar incitação e apologia ao crime. Os delitos estão previstos, respectivamente, nos artigos 286 e 287 do Código Penal e ambas as violações são punidas pela mesma pena de três a seis meses de prisão, ou multa.
Caso uma ameaça de ataque sabidamente falsa seja direcionada especificamente para alguma autoridade policial e provocar ação das forças de segurança, o artigo 340 do código penal prevê uma pena de um a seis de meses, ou multa pela comunicação falsa de crime ou contravenção penal, acrescenta o advogado. “Nesse caso, o boato precisa ser comunicado diretamente para a polícia com a intenção de acioná-la.”
Mas quem se arrisca a criar e espalhar as ameaças de um ataque “fake” tem potencial para ser submetido a punições mais severas do que o teto de seis meses de prisão para crimes citados acima.
Euro Maciel Filho diz que se a notícia falsa informar detalhadamente que determinada pessoa vai praticar alguma violação, já sabendo que se trata de uma mentira, o responsável pela desinformação estará sujeito a responder criminalmente por denunciação caluniosa (artigo 339), cuja pena é de 2 a 8 anos de detenção.
“A calúnia é a mera imputação de fato criminoso falso a alguém, mas que não é materializada em um processo administrativo ou judicial. Mas, se a autoridade policial instaura um inquérito ou uma sindicância para investigar a vítima dessa informação falsa, então vira uma denunciação caluniosa”, explica o advogado.
Sem dolo, não há crime
O especialista diz que não há razão para que uma pessoa responda por um ato criminoso se ela espalhar uma falsa ameaça por acreditar que o boato fosse verdadeiro. “Ela pode ter sido negligente por não apurar a fonte da mensagem. Mas a negligência não vai torná-la alvo de prática de crime”, afirmou Maciel Filho.
“A conduta culposa (sem intenção) não vai ser punida nesse caso. Não havendo dolo (vontade), não há crime”, diz o advogado que, no entanto, afirma que provar a intenção ou inocência pode ser difícil em situações deste tipo, e que as ocorrências devem ser analisadas caso a caso.
Orientações
Desde os ataques a uma escola estadual em São Paulo e a uma creche em Blumenau, em Santa Catarina, as ameaças e boatos disseminados na internet, com planos de novos atos violentos em ambientes de ensino, têm se tornado mais frequentes nas redes sociais.
Temerosos por novos atentados, escolas e universidades vêm reforçando a segurança interna e externa de seus prédios, e emitindo orientações aos pais e estudantes sobre como devem agir caso se deparem com uma suposta ameaça de novo ataque.
Algumas das recomendações dos especialistas incluem fazer uma denúncia na Polícia Militar (pode ser acionada pelo 190) ou nos canais criados especificamente para acolher esse tipo de situação; registrar um boletim de ocorrência e, também, não compartilhar o suposto boato. Alastrar a desinformação não ajuda e só aumenta a sensação de pânico entre as pessoas.
Confira as orientações
- Denunciar às autoridades suspeitas de planos de ataques em escolas e faculdades. O governo federal criou um canal para recebimento de informações sobre ameaças e ataques contra escolas. Para realizar a denúncia, é preciso preencher um curto formulário que não exige identificação no endereço www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura. Veja aqui como fazer. Para que haja investigação, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo orienta que é preciso registrar boletim de ocorrência.
- Não espalhe nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens fotos e vídeos cujas informações não têm a veracidade checada. “Ao receberem denúncias, é fundamental que os alunos ou responsáveis entrem em contato com a diretoria da escola para informar e saber a verdade sobre a suspeita, em vez de espalhar boatos para outros pais”, diz nota técnica do Instituto Sou da Paz. Para especialistas e autoridades, grande parte do conteúdo que circula nas redes sociais é de boatos ou desinformação. A disseminação de conteúdos do tipo pode aumentar a sensação de insegurança e produzir o “efeito contágio” – replicação de violências inspiradas nessas mensagens. “Quanto mais as pessoas causam pânico e compartilhando ameaças falsas, mais atrapalham as investigações, sobrecarregam os agentes de segurança nas investigações e também acionam gatilhos para potenciais imitadores”, alerta a pesquisadora da USP Michele Prado, que estuda o extremismo online.
- Denuncie postagens nocivas às próprias redes. Várias das plataformas têm seus próprios canais de denúncia, onde mensagens de ódio ou supostas ameaças de ataque podem ser denunciadas. No WhatsApp, por exemplo, denúncias devem ser enviadas para o email support@whatsapp.com, detalhando o ocorrido com o máximo de informações e até anexando uma captura de tela. O usuário ou grupo denunciado, segundo o WhatsApp, não recebe notificação sobre isso. O TikTok também tem um canal de denúncias, que pode ser acessado aqui.
- Evite entrar em pânico. Especialistas alertam que disseminar fotos e vídeos ou se render ao desespero não resolvem o problema. “O pânico é desagregador”, diz Ilana Katz, psicanalista que integra a Rede Nacional de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes. Busque informações oficiais e orientações dos educadores do local onde você ou seu filho estuda. Não acredite, sem verificar, em mensagens sobre ataques ou suspensão de atividades – muitos deles são falsos. “Existem fake news falando de ameaça todo dia. Se gerar esse pânico, quem quer fazer esse processo de gerar terror e paralisar a escola vai soltar notícia toda semana”, diz Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime, entidade que reúne os secretários municipais de Educação.
- Especialistas recomendam aos pais e professores não apavorar crianças e adolescentes com excesso de informações ou pânico sobre o risco de ataques. O tipo de diálogo deve ser ajustado conforme a idade e maturidade da criança, considerando que as notícias já circulam na mídia e em redes sociais. Ou seja, em muitos casos não adianta esconder, mas contextualizar, orientar e acolher. “No universo da criança, é importante escutá-la e tentar pôr em imagens, pôr em narrativas, pôr em palavras. É muito comum que quando a gente faça isso, a ameaça diminua de tamanho”, disse o psicanalista Christian Dunker à Rádio Eldorado.
- Não hostilize outros pais, alunos e professores. Diante do estresse e do ineditismo da situação, é natural que haja alguma dificuldade ou dúvidas sobre como agir também por parte dos professores e das escolas. É direito das famílias demandar diálogo transparente sobre o assunto, mas também ajudar na construção coletiva de informações. Já as suspeitas e denúncias devem ser comunicadas às autoridades.
- Entenda as medidas. É importante que as famílias levem em conta que é importante ter ações de segurança para as escolas, mas tratar apenas como um caso de polícia não é a solução. É importante saber se o colégio tem ações pedagógicas e de atenção à saúde mental que identifique e previna problemas.
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