Argentina e seus ídolos do futebol


De Di Stefano e Messi, país tem uma coleção ícones no esporte; camisa 10 vai em busca do título mundial na final contra a França

Por Luiz Zanin Oricchio, especial para o Estadão

Alfredo Di Stefano tinha uma estátua no jardim de sua casa. Uma bola, com a inscrição de duas palavras abaixo: “Gracias, vieja”. Esse, aliás, é o título da autobiografia desse argentino de exportação, que começou no River Plate para alcançar a glória no Real Madrid, clube pelo qual ganhou cinco vezes a Liga dos Campeões, além do primeiro mundial interclubes, realizado em 1960.

Ídolo do Real Madrid, Di Stefano foi um mito, dentro e fora de seu país de origem. Um dos muitos mitos futebolísticos argentinos, como Pederneiras, Maradona, e agora, Messi. Nossos vizinhos tiveram o privilégio de revelar grandes jogadores de futebol, que, muitos deles, e a partir de certa época, a totalidade, espalharam seu talento pelo mundo. Instalaram-se em especial na Europa, continente que, pela força do capital, tornou-se a meca hegemônica do futebol.

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A cada vez que um deles atingia o topo, repetia-se a famosa anedota pelas ruas de Buenos Aires: “É o melhor jogador do mundo… e um dos melhores da Argentina.” Pela via da piada, o país se proclamava manancial inesgotável de talento no jogo da bola, com processo idêntico de subida ao cume: a revelação na Argentina, a consagração internacional e a canonização no país de origem.

Messi vive no Catar a última chance de conquistar o mundo pela seleção argentina. Foto: Molly Darlington/Reuters

Passa-se isso agora com Messi, que tem hoje, no Catar, a oportunidade, talvez a sua última, de colocar um item raro e ainda em falta em seu deslumbrante currículo - o de campeão mundial pela seleção do seu país.

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É bem possível que, se isso acontecer, Messi venha a ser objeto de adoração fanática que é uma característica da relação entre os ídolos e sua torcida. Nesse particular, a Argentina parece um campo especialmente fértil. Numa comparação um tanto fácil, dizemos que a relação entre o público e seu ídolo mostra a força de um tango, sua música nacional, cheia de nuances trágicas e de paixão.

Basta relembrar os sentimentos despertados por Diego Maradona, cujo estilo de jogo, impulsivo, entusiasmante e contraditório, beneficiava esse sentimento de adoração. Até mesmo uma certa Igreja Maradoniana foi criada para sua adoração. Se Pelé era o Rei, diziam seus devotos, Maradona era Deus. Nada menos.

Argentina disputa a primeira Copa do Mundo após a morte de Maradona, que tem status de deus no país. Foto: Tomas Cuesta/Reuters
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Nascido na pobreza, craque do popular Boca Juniors, Maradona teve seu maior momento na Copa de 1986, na qual a Argentina se tornou bicampeã mundial. O grande jogo não foi a final, mas aquele contra a Inglaterra, em que Diego marcou dois gols - um, em que driblou metade da equipe inglesa, até passar pelo goleiro; o outro, o famoso gol de mão, o gol da “mano de dios”, como, ironicamente, ele mesmo se referia ao lance que hoje seria facilmente invalidado pelo VAR.

O que dava temperatura máxima a esse jogo era a recente Guerra das Malvinas, a disputa (sangrenta e desigual) entre Argentina e Inglaterra pela posse das ilhas. A Argentina perdeu a guerra; vingou-se no campo de uma Copa do Mundo. Desse modo, o contexto bélico, simbólico e nacionalista, serviu para colocar o ídolo num pedestal inatingível. Pelo menos até agora.

Maradona morreu e sempre foi uma espécie de sombra para Messi. Idolatrado na Europa e pela grande maioria dos aficionados em futebol mundo afora, Lionel enfrentava uma curiosa resistência justo em seu país de nascimento. Contribuiu para esse distanciamento o fato de ter deixado o país ainda criança - com 13 anos! - para reforçar a base do Barcelona. No clube catalão fez quase toda a sua carreira e ganhou seus principais títulos, inclusive várias Bolas de Ouro, troféu destinado ao melhor jogador a cada ano.

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No entanto, suas atuações com a camisa alviceleste da seleção não convenciam. O Messi da seleção não era o mesmo do Barcelona, ou do PSG, para onde se transferiu. Boa parte da torcida de seu país dizia que ele era mais europeu que argentino. Além do mais, seu estilo é quase o oposto ao de Maradona, o deus entronizado. Ao barroquismo de Diego, Lionel opõe o gesto clássico, despojado e certeiro. São dois tipos de beleza. Mas a primeira, a de Maradona, parece afinar-se melhor com a psicologia profunda do seu país.

Pelo menos até agora, quando Messi realiza sua melhor Copa do Mundo e parece derrubar barreiras estéticas e psicológicas que o separavam dos seus concidadãos. Comandou o time, marcou gols em momentos decisivos e deu assistências preciosas, como na semifinal contra a Croácia, em que tirou o zagueiro para dançar, levou a bola até a linha de fundo e deu no pé do companheiro, que só teve o trabalho de empurrá-la para a rede e marcar o terceiro gol da partida. Uma pintura.

Messi levou uns 15 anos para chegar a esse ponto e disputar com Maradona o coração dos argentinos. Antes, era mais admirado que amado. Agora, parece a um passo da idolatria. Que por certo virá, a depender do que acontecer no jogo com a França. Como será disputado, qual dos dois países vai ganhar seu terceiro título e qual será o papel de Messi numa eventual conquista argentina. Se conduzir seu time e vencer, entrará no panteão desse país de ícones passionais como Evita, Perón, Gardel e…Maradona. Com seu imenso talento, e agora iluminado pela emoção, Lionel Messi terá chegado lá. Poderá até ganhar uma igreja com seu nome. Uma Igreja Messiânica.

Alfredo Di Stefano tinha uma estátua no jardim de sua casa. Uma bola, com a inscrição de duas palavras abaixo: “Gracias, vieja”. Esse, aliás, é o título da autobiografia desse argentino de exportação, que começou no River Plate para alcançar a glória no Real Madrid, clube pelo qual ganhou cinco vezes a Liga dos Campeões, além do primeiro mundial interclubes, realizado em 1960.

Ídolo do Real Madrid, Di Stefano foi um mito, dentro e fora de seu país de origem. Um dos muitos mitos futebolísticos argentinos, como Pederneiras, Maradona, e agora, Messi. Nossos vizinhos tiveram o privilégio de revelar grandes jogadores de futebol, que, muitos deles, e a partir de certa época, a totalidade, espalharam seu talento pelo mundo. Instalaram-se em especial na Europa, continente que, pela força do capital, tornou-se a meca hegemônica do futebol.

A cada vez que um deles atingia o topo, repetia-se a famosa anedota pelas ruas de Buenos Aires: “É o melhor jogador do mundo… e um dos melhores da Argentina.” Pela via da piada, o país se proclamava manancial inesgotável de talento no jogo da bola, com processo idêntico de subida ao cume: a revelação na Argentina, a consagração internacional e a canonização no país de origem.

Messi vive no Catar a última chance de conquistar o mundo pela seleção argentina. Foto: Molly Darlington/Reuters

Passa-se isso agora com Messi, que tem hoje, no Catar, a oportunidade, talvez a sua última, de colocar um item raro e ainda em falta em seu deslumbrante currículo - o de campeão mundial pela seleção do seu país.

É bem possível que, se isso acontecer, Messi venha a ser objeto de adoração fanática que é uma característica da relação entre os ídolos e sua torcida. Nesse particular, a Argentina parece um campo especialmente fértil. Numa comparação um tanto fácil, dizemos que a relação entre o público e seu ídolo mostra a força de um tango, sua música nacional, cheia de nuances trágicas e de paixão.

Basta relembrar os sentimentos despertados por Diego Maradona, cujo estilo de jogo, impulsivo, entusiasmante e contraditório, beneficiava esse sentimento de adoração. Até mesmo uma certa Igreja Maradoniana foi criada para sua adoração. Se Pelé era o Rei, diziam seus devotos, Maradona era Deus. Nada menos.

Argentina disputa a primeira Copa do Mundo após a morte de Maradona, que tem status de deus no país. Foto: Tomas Cuesta/Reuters

Nascido na pobreza, craque do popular Boca Juniors, Maradona teve seu maior momento na Copa de 1986, na qual a Argentina se tornou bicampeã mundial. O grande jogo não foi a final, mas aquele contra a Inglaterra, em que Diego marcou dois gols - um, em que driblou metade da equipe inglesa, até passar pelo goleiro; o outro, o famoso gol de mão, o gol da “mano de dios”, como, ironicamente, ele mesmo se referia ao lance que hoje seria facilmente invalidado pelo VAR.

O que dava temperatura máxima a esse jogo era a recente Guerra das Malvinas, a disputa (sangrenta e desigual) entre Argentina e Inglaterra pela posse das ilhas. A Argentina perdeu a guerra; vingou-se no campo de uma Copa do Mundo. Desse modo, o contexto bélico, simbólico e nacionalista, serviu para colocar o ídolo num pedestal inatingível. Pelo menos até agora.

Maradona morreu e sempre foi uma espécie de sombra para Messi. Idolatrado na Europa e pela grande maioria dos aficionados em futebol mundo afora, Lionel enfrentava uma curiosa resistência justo em seu país de nascimento. Contribuiu para esse distanciamento o fato de ter deixado o país ainda criança - com 13 anos! - para reforçar a base do Barcelona. No clube catalão fez quase toda a sua carreira e ganhou seus principais títulos, inclusive várias Bolas de Ouro, troféu destinado ao melhor jogador a cada ano.

No entanto, suas atuações com a camisa alviceleste da seleção não convenciam. O Messi da seleção não era o mesmo do Barcelona, ou do PSG, para onde se transferiu. Boa parte da torcida de seu país dizia que ele era mais europeu que argentino. Além do mais, seu estilo é quase o oposto ao de Maradona, o deus entronizado. Ao barroquismo de Diego, Lionel opõe o gesto clássico, despojado e certeiro. São dois tipos de beleza. Mas a primeira, a de Maradona, parece afinar-se melhor com a psicologia profunda do seu país.

Pelo menos até agora, quando Messi realiza sua melhor Copa do Mundo e parece derrubar barreiras estéticas e psicológicas que o separavam dos seus concidadãos. Comandou o time, marcou gols em momentos decisivos e deu assistências preciosas, como na semifinal contra a Croácia, em que tirou o zagueiro para dançar, levou a bola até a linha de fundo e deu no pé do companheiro, que só teve o trabalho de empurrá-la para a rede e marcar o terceiro gol da partida. Uma pintura.

Messi levou uns 15 anos para chegar a esse ponto e disputar com Maradona o coração dos argentinos. Antes, era mais admirado que amado. Agora, parece a um passo da idolatria. Que por certo virá, a depender do que acontecer no jogo com a França. Como será disputado, qual dos dois países vai ganhar seu terceiro título e qual será o papel de Messi numa eventual conquista argentina. Se conduzir seu time e vencer, entrará no panteão desse país de ícones passionais como Evita, Perón, Gardel e…Maradona. Com seu imenso talento, e agora iluminado pela emoção, Lionel Messi terá chegado lá. Poderá até ganhar uma igreja com seu nome. Uma Igreja Messiânica.

Alfredo Di Stefano tinha uma estátua no jardim de sua casa. Uma bola, com a inscrição de duas palavras abaixo: “Gracias, vieja”. Esse, aliás, é o título da autobiografia desse argentino de exportação, que começou no River Plate para alcançar a glória no Real Madrid, clube pelo qual ganhou cinco vezes a Liga dos Campeões, além do primeiro mundial interclubes, realizado em 1960.

Ídolo do Real Madrid, Di Stefano foi um mito, dentro e fora de seu país de origem. Um dos muitos mitos futebolísticos argentinos, como Pederneiras, Maradona, e agora, Messi. Nossos vizinhos tiveram o privilégio de revelar grandes jogadores de futebol, que, muitos deles, e a partir de certa época, a totalidade, espalharam seu talento pelo mundo. Instalaram-se em especial na Europa, continente que, pela força do capital, tornou-se a meca hegemônica do futebol.

A cada vez que um deles atingia o topo, repetia-se a famosa anedota pelas ruas de Buenos Aires: “É o melhor jogador do mundo… e um dos melhores da Argentina.” Pela via da piada, o país se proclamava manancial inesgotável de talento no jogo da bola, com processo idêntico de subida ao cume: a revelação na Argentina, a consagração internacional e a canonização no país de origem.

Messi vive no Catar a última chance de conquistar o mundo pela seleção argentina. Foto: Molly Darlington/Reuters

Passa-se isso agora com Messi, que tem hoje, no Catar, a oportunidade, talvez a sua última, de colocar um item raro e ainda em falta em seu deslumbrante currículo - o de campeão mundial pela seleção do seu país.

É bem possível que, se isso acontecer, Messi venha a ser objeto de adoração fanática que é uma característica da relação entre os ídolos e sua torcida. Nesse particular, a Argentina parece um campo especialmente fértil. Numa comparação um tanto fácil, dizemos que a relação entre o público e seu ídolo mostra a força de um tango, sua música nacional, cheia de nuances trágicas e de paixão.

Basta relembrar os sentimentos despertados por Diego Maradona, cujo estilo de jogo, impulsivo, entusiasmante e contraditório, beneficiava esse sentimento de adoração. Até mesmo uma certa Igreja Maradoniana foi criada para sua adoração. Se Pelé era o Rei, diziam seus devotos, Maradona era Deus. Nada menos.

Argentina disputa a primeira Copa do Mundo após a morte de Maradona, que tem status de deus no país. Foto: Tomas Cuesta/Reuters

Nascido na pobreza, craque do popular Boca Juniors, Maradona teve seu maior momento na Copa de 1986, na qual a Argentina se tornou bicampeã mundial. O grande jogo não foi a final, mas aquele contra a Inglaterra, em que Diego marcou dois gols - um, em que driblou metade da equipe inglesa, até passar pelo goleiro; o outro, o famoso gol de mão, o gol da “mano de dios”, como, ironicamente, ele mesmo se referia ao lance que hoje seria facilmente invalidado pelo VAR.

O que dava temperatura máxima a esse jogo era a recente Guerra das Malvinas, a disputa (sangrenta e desigual) entre Argentina e Inglaterra pela posse das ilhas. A Argentina perdeu a guerra; vingou-se no campo de uma Copa do Mundo. Desse modo, o contexto bélico, simbólico e nacionalista, serviu para colocar o ídolo num pedestal inatingível. Pelo menos até agora.

Maradona morreu e sempre foi uma espécie de sombra para Messi. Idolatrado na Europa e pela grande maioria dos aficionados em futebol mundo afora, Lionel enfrentava uma curiosa resistência justo em seu país de nascimento. Contribuiu para esse distanciamento o fato de ter deixado o país ainda criança - com 13 anos! - para reforçar a base do Barcelona. No clube catalão fez quase toda a sua carreira e ganhou seus principais títulos, inclusive várias Bolas de Ouro, troféu destinado ao melhor jogador a cada ano.

No entanto, suas atuações com a camisa alviceleste da seleção não convenciam. O Messi da seleção não era o mesmo do Barcelona, ou do PSG, para onde se transferiu. Boa parte da torcida de seu país dizia que ele era mais europeu que argentino. Além do mais, seu estilo é quase o oposto ao de Maradona, o deus entronizado. Ao barroquismo de Diego, Lionel opõe o gesto clássico, despojado e certeiro. São dois tipos de beleza. Mas a primeira, a de Maradona, parece afinar-se melhor com a psicologia profunda do seu país.

Pelo menos até agora, quando Messi realiza sua melhor Copa do Mundo e parece derrubar barreiras estéticas e psicológicas que o separavam dos seus concidadãos. Comandou o time, marcou gols em momentos decisivos e deu assistências preciosas, como na semifinal contra a Croácia, em que tirou o zagueiro para dançar, levou a bola até a linha de fundo e deu no pé do companheiro, que só teve o trabalho de empurrá-la para a rede e marcar o terceiro gol da partida. Uma pintura.

Messi levou uns 15 anos para chegar a esse ponto e disputar com Maradona o coração dos argentinos. Antes, era mais admirado que amado. Agora, parece a um passo da idolatria. Que por certo virá, a depender do que acontecer no jogo com a França. Como será disputado, qual dos dois países vai ganhar seu terceiro título e qual será o papel de Messi numa eventual conquista argentina. Se conduzir seu time e vencer, entrará no panteão desse país de ícones passionais como Evita, Perón, Gardel e…Maradona. Com seu imenso talento, e agora iluminado pela emoção, Lionel Messi terá chegado lá. Poderá até ganhar uma igreja com seu nome. Uma Igreja Messiânica.

Alfredo Di Stefano tinha uma estátua no jardim de sua casa. Uma bola, com a inscrição de duas palavras abaixo: “Gracias, vieja”. Esse, aliás, é o título da autobiografia desse argentino de exportação, que começou no River Plate para alcançar a glória no Real Madrid, clube pelo qual ganhou cinco vezes a Liga dos Campeões, além do primeiro mundial interclubes, realizado em 1960.

Ídolo do Real Madrid, Di Stefano foi um mito, dentro e fora de seu país de origem. Um dos muitos mitos futebolísticos argentinos, como Pederneiras, Maradona, e agora, Messi. Nossos vizinhos tiveram o privilégio de revelar grandes jogadores de futebol, que, muitos deles, e a partir de certa época, a totalidade, espalharam seu talento pelo mundo. Instalaram-se em especial na Europa, continente que, pela força do capital, tornou-se a meca hegemônica do futebol.

A cada vez que um deles atingia o topo, repetia-se a famosa anedota pelas ruas de Buenos Aires: “É o melhor jogador do mundo… e um dos melhores da Argentina.” Pela via da piada, o país se proclamava manancial inesgotável de talento no jogo da bola, com processo idêntico de subida ao cume: a revelação na Argentina, a consagração internacional e a canonização no país de origem.

Messi vive no Catar a última chance de conquistar o mundo pela seleção argentina. Foto: Molly Darlington/Reuters

Passa-se isso agora com Messi, que tem hoje, no Catar, a oportunidade, talvez a sua última, de colocar um item raro e ainda em falta em seu deslumbrante currículo - o de campeão mundial pela seleção do seu país.

É bem possível que, se isso acontecer, Messi venha a ser objeto de adoração fanática que é uma característica da relação entre os ídolos e sua torcida. Nesse particular, a Argentina parece um campo especialmente fértil. Numa comparação um tanto fácil, dizemos que a relação entre o público e seu ídolo mostra a força de um tango, sua música nacional, cheia de nuances trágicas e de paixão.

Basta relembrar os sentimentos despertados por Diego Maradona, cujo estilo de jogo, impulsivo, entusiasmante e contraditório, beneficiava esse sentimento de adoração. Até mesmo uma certa Igreja Maradoniana foi criada para sua adoração. Se Pelé era o Rei, diziam seus devotos, Maradona era Deus. Nada menos.

Argentina disputa a primeira Copa do Mundo após a morte de Maradona, que tem status de deus no país. Foto: Tomas Cuesta/Reuters

Nascido na pobreza, craque do popular Boca Juniors, Maradona teve seu maior momento na Copa de 1986, na qual a Argentina se tornou bicampeã mundial. O grande jogo não foi a final, mas aquele contra a Inglaterra, em que Diego marcou dois gols - um, em que driblou metade da equipe inglesa, até passar pelo goleiro; o outro, o famoso gol de mão, o gol da “mano de dios”, como, ironicamente, ele mesmo se referia ao lance que hoje seria facilmente invalidado pelo VAR.

O que dava temperatura máxima a esse jogo era a recente Guerra das Malvinas, a disputa (sangrenta e desigual) entre Argentina e Inglaterra pela posse das ilhas. A Argentina perdeu a guerra; vingou-se no campo de uma Copa do Mundo. Desse modo, o contexto bélico, simbólico e nacionalista, serviu para colocar o ídolo num pedestal inatingível. Pelo menos até agora.

Maradona morreu e sempre foi uma espécie de sombra para Messi. Idolatrado na Europa e pela grande maioria dos aficionados em futebol mundo afora, Lionel enfrentava uma curiosa resistência justo em seu país de nascimento. Contribuiu para esse distanciamento o fato de ter deixado o país ainda criança - com 13 anos! - para reforçar a base do Barcelona. No clube catalão fez quase toda a sua carreira e ganhou seus principais títulos, inclusive várias Bolas de Ouro, troféu destinado ao melhor jogador a cada ano.

No entanto, suas atuações com a camisa alviceleste da seleção não convenciam. O Messi da seleção não era o mesmo do Barcelona, ou do PSG, para onde se transferiu. Boa parte da torcida de seu país dizia que ele era mais europeu que argentino. Além do mais, seu estilo é quase o oposto ao de Maradona, o deus entronizado. Ao barroquismo de Diego, Lionel opõe o gesto clássico, despojado e certeiro. São dois tipos de beleza. Mas a primeira, a de Maradona, parece afinar-se melhor com a psicologia profunda do seu país.

Pelo menos até agora, quando Messi realiza sua melhor Copa do Mundo e parece derrubar barreiras estéticas e psicológicas que o separavam dos seus concidadãos. Comandou o time, marcou gols em momentos decisivos e deu assistências preciosas, como na semifinal contra a Croácia, em que tirou o zagueiro para dançar, levou a bola até a linha de fundo e deu no pé do companheiro, que só teve o trabalho de empurrá-la para a rede e marcar o terceiro gol da partida. Uma pintura.

Messi levou uns 15 anos para chegar a esse ponto e disputar com Maradona o coração dos argentinos. Antes, era mais admirado que amado. Agora, parece a um passo da idolatria. Que por certo virá, a depender do que acontecer no jogo com a França. Como será disputado, qual dos dois países vai ganhar seu terceiro título e qual será o papel de Messi numa eventual conquista argentina. Se conduzir seu time e vencer, entrará no panteão desse país de ícones passionais como Evita, Perón, Gardel e…Maradona. Com seu imenso talento, e agora iluminado pela emoção, Lionel Messi terá chegado lá. Poderá até ganhar uma igreja com seu nome. Uma Igreja Messiânica.

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