Com 85% da produção econômica mundial, 75% do comércio e dois terços da população global, o G-20 possui um peso considerável entre os fóruns internacionais para a discussão de questões financeiras globais e a coordenação de políticas de interesse mútuo. O bloco que se reúne entre os dias 9 e 10 de setembro em Nova Délhi, na Índia, ganhou um maior protagonismo a partir de 2008, quando reuniões entre os chefes de Estado passaram a ser anuais por conta da crise econômica mundial, que ecoou a urgência para um maior diálogo entre os países.
O chamado Grupo dos Vinte reúne as maiores economias do globo. Os membros são a União Europeia, que representa os países do bloco que não fazem parte do grupo e 19 nações - Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Turquia, Reino Unido e os Estados Unidos.
Para a cúpula deste ano, Bangladesh, Egito, Ilhas Maurício, Holanda, Nigéria, Omã, Singapura, Espanha e Emirados Árabes Unidos foram convidados.
A Índia ocupa a presidência rotativa do bloco e irá pautar a agenda do que será discutido no fórum, que não contará com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, confirmou presença no encontro, ocupando um lugar de destaque porque o Brasil será o próximo membro do grupo a ocupar a presidência rotativa do bloco a partir de 1 de dezembro.
“O G-20 deve falar sobre mudanças climáticas e as lições aprendidas durante a pandemia, para permitir que os países enfrentem melhor uma próxima crise sanitária”, avalia Richard Rossow, consultor sênior e diretor do departamento de Índia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, uma think-tank com sede em Washington.
O especialista aponta que a presidência da Índia no G-20 teve um período de mais estabilidade. “No fim das contas o G-20 é realmente importante durante uma crise global, que as economias precisam trabalhar juntas, e isso não aconteceu durante o ano. Com a guerra na Ucrânia tivemos um aumento nos preços globais de energia, mas não impulsionou a agenda do G-20″, completa Rossow.
Porque o bloco foi criado?
O G-20 foi criado no dia 26 de setembro de 1999 depois de diversas crises financeiras de países asiáticos. O objetivo do grupo seria dialogar sobre a economia internacional e apenas os ministros da Economia de cada país participavam dos encontros.
Em 2008, por conta da crise econômica mundial, os chefes de Estado começaram a se encontrar anualmente com cúpulas que passaram a ser organizadas pelo país que ocupava a presidência rotativa do bloco. O país que ocupa a presidência rotativa do G-20 também define qual será a agenda do encontro.
No ano passado, a cúpula do G-20 ocorreu em Bali, na Indonésia, que ocupava a presidência rotativa. Neste ano, o encontro será em Nova Délhi, capital da Índia. O Brasil será o próximo país a ocupar a cadeira, e o encontro do G-20 de 2024 será no Rio de Janeiro.
O bloco tem sido o local na última década para discussão de questões importantes como o programa nuclear iraniano, a guerra na Síria e a pandemia da Covid-19.
Apesar disso, os resultados do G-20 não foram efetivos nos últimos anos, segundo o professor de relações internacionais da ESPM-SP, Gunther Rudzit. “Depois da crise econômica mundial em 2008, quando havia o interesse de todos os países de que a crise fosse resolvida, o G-20 não entregou resultados porque os membros começaram a entrar em choque”, avalia Rudzit.
“Se olharmos para as declarações finais dos últimos encontros, são temas totalmente genéricos e não problemas globais, principalmente com a exacerbação dessas diferenças entre o Ocidente e países com governos autoritários. É o mesmo problema que enfrenta o Conselho de Segurança da ONU, que está congelado pelas diferenças ideológicas”, completa o professor de relações internacionais.
Para Rossow, os resultados mais importantes do G-20 não ocorrem em momentos de estabilidade, mas sim quando existe uma urgência para uma maior colaboração dos países. “Em períodos mais calmos, é natural que os países foquem em seus interesses, mas as crises vão acontecer e o G-20 sempre terá um papel a desempenhar”, completa o analista.
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O que será discutido?
De acordo com Rossow, a agenda definida pela Índia deve ser focada no trabalho de digitalização de serviços feito pelo país asiático. “Diversos países emergentes podem aprender com a Índia, com os progressos na expansão dos serviços digitais, dando a cada cidadão uma identificação única, obtendo uma conta bancária, tendo transferências de dinheiro digital e reduzindo a necessidade de moeda”, sinaliza o diretor do departamento de Índia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
O especialista destaca que a guerra na Ucrânia também deve entrar na pauta do encontro, em meio a divergência de diversos países do bloco sobre como se posicionar em relação ao conflito. “A Índia não quer assumir uma posição dura sobre a Rússia. Moscou e Nova Délhi tem uma relação de longa data. Muitos países como os EUA e outras nações do Ocidente adorariam usar o G-20 para fazer fortes declarações e anunciar sanções contra Moscou, mas a Índia não gostaria de seguir esse caminho.”
Nova Délhi também irá pautar conversas sobre mudanças climáticas como uma forma de pressionar os países do Ocidente a apoiarem as nações emergentes no quesito sustentabilidade. “Conversas sobre o clima ocorreram em todas as reuniões ministeriais do G-20 ao longo do ano, as nações ocidentais ajudaram mas os países emergentes querem que este apoio continue”, destaca Rossow.
Além disso, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou que a adesão da União Africana (UA), grupo de 55 países que promove a integração no continente africano, ao G-20 também será discutida. Na cúpula do ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, manifestou o apoio à adesão do bloco africano. Caso a aprovação ocorra, será a primeira vez que o G-20 adere a novos membros desde a sua criação.
Desfalques importantes
A cúpula terá desfalques de peso no encontro deste ano. O presidente da China, Xi Jinping, anunciou que não irá participar do encontro. Pequim vai enviar o primeiro-ministro chinês, Li Qiang. A ausência do presidente da China ocorre em meio a tensões diplomáticas entre Pequim e o país-sede do encontro, a Índia.
No final de agosto, um mapa publicado pelo governo da China iniciou uma crise diplomática com a Índia por modificar as fronteiras entre os dois países.
Desde 2006 Pequim publica anualmente novas versões de seu mapa nacional para corrigir “mapas problemáticos”, segundo o país asiático. Estes mapas estariam deturpando as “reais fronteiras do país”. A nova versão publicada no final do mês de agosto mostra o Estado indiano de Arunachal Pradesh, no Himalaia, e o planalto de Aksai Chin, como território chinês. As regiões são disputadas há décadas entre os dois países.
Já o presidente da Rússia, Vladimir Putin, também não deve participar. Moscou será representada pelo ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. O chanceler russo também representou Putin durante a cúpula do Brics, na África do Sul.
Putin não viajou para a África do Sul porque o país anfitrião da cúpula do Brics seria obrigado a prender o presidente russo por conta do mandado de prisão expedido contra ele pelo TPI (Tribunal Penal Internacional). A África do Sul é signatária do Estatuto de Roma, que criou o TPI.
O mandatário russo não poderia ser preso caso optasse por participar da cúpula do G-20 porque a Índia não é signatária do TPI.
Divergências
As divergências entre os membros do G-20 podem ficar escancaradas ao final do encontro. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, apontou que Moscou pode rejeitar a declaração conjunta do G-20 caso os interesses de Moscou não sejam levados em consideração. O chanceler russo afirmou que defende que cada país emita um comunicado individual.
“Eles devem conseguir costurar algum tipo de declaração um pouco mais neutra, mas acredito que o tema não deve entrar tanto na agenda por conta da Rússia. Não vai dar pra construir consenso”, avalia Rudzit, da ESPM-SP.
O consultor sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais sinaliza que a guerra na Ucrânia pode ser um ponto de discordância entre os membros porque Washington deve tentar forçar um tom mais forte na declaração final.
Apesar disso, Rossow destaca que a cúpula na Indonésia no ano passado conseguiu emitir uma declaração concreta com preocupações compartilhadas entre os países, sem a oposição de nações como China e Rússia. “Os países querem trabalhar juntos durante uma pandemia, além de mitigar as alterações climáticas. Acredito que parte da agenda não deve ser tão controversa”, acrescenta o analista.