A natureza como conforto para crianças com autismo


A intensa concentração que algumas crianças dedicam aos videogames pode fazer com que sejam cativadas pelos detalhes minuciosos do mundo natural: o som de um inseto ou a textura da grama

Por Richard Schiffman

Recentemente, Erin Laraway e quatro dos seus alunos arrancavam rabanetes de uns canteiros elevados em uma mini horta do Centro de Treinamento Ocupacional do Brooklyn, uma escola secundária para adolescentes com necessidades especiais em Gravesend, no Brooklyn.

“Quantos rabanetes você tem aí, Javier?”, Erin perguntou a um jovem de 18 anos que se balançava para frente para trás.Ele estava "apresentando estereotipia", um comportamento repetitivo com o qual muitas pessoas com autismo costumam se acalmar. Ele mostrou cinco dedos.

Contato com a natureza pode melhorar aspectos da socialização de pessoas com espectro autista, dizem especialistas. Foto: Allison V. Smith for The New York Times
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“Muito bem”, disse a professora. “Como você se sente trabalhando na horta hoje?”, perguntou ainda, segurando um dispositivo de comunicação semelhante a um tablet. Javier apontou para a imagem de um menino com a legenda “orgulhoso”.

Os estudantes “experimentam uma grande sensação de sucesso na horta, de realmente realizar alguma coisa”, disse Erin. “Javier pega o carrinho de mão, ou rega as plantas sem ser solicitado, enquanto na sala de aulas ele tem dificuldade até para tirar a tampa de uma garrafa de água. Eu sempre me surpreendo com o que ele é capaz de fazer aqui fora”.

Erin não está tentando curar os seus estudantes do autismo, uma doença de origem neurológica que afeta uma em cada 54 crianças nos Estados Unidos, em graus variados, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Mas ela espera que a atmosfera relaxada na horta ajude seus alunos, muitos dos quais se enquadram na extremidade severa do espectro do autismo, a melhorar sua capacidade verbal e social e a equipá-los para conseguirem um emprego depois de formados.

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Ao que tudo indica, está ajudando. Os seus estudantes interagem mais com seus colegas na horta do que na sala de aulas, contou a professora.

“As crianças autistas não estão fazendo muitas coisas ao ar livre”, disse Temple Grandin, professora de ciência animal da Colorado State University, que tem autismo. “Elas estão presas em casa brincando com videogames”.

Estudos mostram que as crianças com autismo podem estar especialmente predispostas a se viciarem nas telas dos monitores. Isto só está se agravando desde que a covid-19 provocou o fechamento das escolas, observou Temple.

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Mas agora que os acampamentos de verão e outras instalações ao ar livre que atendem crianças autistas, reabriram, alguns especialistas em autismo esperam que esta tendência comece a mudar.

“No mundo natural, o sistema nervoso tem a possibilidade de descomprimir e se restaurar”, disse Michelle Brans, que dirige o Counting Butterflies, um centro de terapia para crianças nas proximidades de Toronto. “Isto é particularmente importante para as crianças autistas, porque o seu sistema sensorial às vezes fica sobrecarregado muito mais rapidamente.”

A natureza não só é relaxante para os jovens com autismo, como é um lugar para eles se entusiasmarem, disse a diretora. A mesma capacidade de se concentrar profundamente em uma coisa que pode fazer com que se fixem nas imagens do videogame, permite que se concentrem em detalhes minuciosos – como o som de um inseto, a textura de uma folha de grama. Evidentemente, o espectro do autismo é amplo e as necessidades e os pontos fortes variam em cada criança.

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Um menino com o qual a diretora trabalhou encantou-se com tudo o que dizia respeito à água: a sensação da água nas mãos, a maneira como ela se movimenta e rodopia. Ela indicou aos pais que colocassem garrafas de água, bicas e pequenas lagoas ao redor da casa.

“Usamos a água como ponte, um instrumento para ele se sentir mais confortável no mundo”, ela disse. Quando o menino chegou ao secundário, organizou um clube para discutir problemas referentes à água – um grande passo parauma criança que anteriormente tinha dificuldade de se relacionar com os outros.

Outra ferramenta natural que ajuda muitas crianças com autismo é trabalhar com animais, disse Grandin. “Eu não penso em palavras, penso em imagens. Os animais não pensam em palavras. Eles vivem em um mundo que se baseia no sensorial. Por isso, algumas crianças autistas podem se relacionar realmente com animais”.

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Terapia com cavalos têm bons resultados em pessoas do espectro autista. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

Uma forma cada vez mais comum de terapia natural para crianças é trabalhar com cavalos.

Caitlin Peters, professora adjunta do Centro Equino Temple Grandin da Universidade Estadual do Colorado em Fort Collins, realizou um pequeno estudo piloto que sugeriu que passar algum tempo com cavalos reduzia a irritabilidade e a hiperatividade em jovens com autismo e aumentava os seus níveis de comunicação.

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Aprender como treinar cachorros também parece ajudar algumas crianças autistas a se relacionarem com pessoas, segundo um estudo publicado em março na revista Autism.

Um lugar que está conseguindo ótimos resultados trabalhando com uma variedade de animais é Elijah’s Retreat, uma fazenda de pouco mais de 20 hectares perto de Tyler, Texas, que oferece caminhadas, pescas e passeios a cavalo para crianças com autismo e suas famílias.

“Estas crianças são muito tácteis”, disse Cheryl Torres, diretora do Elijah’s Retreat. “Elas querem sentir as patas do cavalo, olhar seus dentes, colocar o dedo no seu nariz. Tentam imaginar como ele se mexe, como anda, onde estão os seus músculos.”

Alguns pais relutam em levar os filhos com autismo, principalmente os que não falam, para lugares onde podem perambular e se perder, ou onde outros podem ver a criança ter um ataque de raiva.

“Eles temem que as pessoas fiquem olhando para eles, façam comentários, talvez pensando que as crianças são birrentas, ou que seus pais não sabem lidar com elas. É por isso que muitos pais não levam seus filhos autistas no meio da natureza”, disse Carolyn Galbraith, uma educadora australiana que pesquisou os benefícios e as barreiras à exposição de crianças com autismo ao mundo natural.

Ela disse que este esforço vale a pena: “Para as crianças autistas, a natureza selvagem é um lugar onde podem ser elas mesmas sem precisar se conformar às expectativas dos outros – neste mundo que pode ser um bem raro”.

Para algumas pessoas com autismo, ter um tempo em silêncio, só para elas, na natureza pode ser algo transformador em termos espirituais, segundo Gonzalo Bénard, um artista da fotografia e terapeuta de Cascais, Portugal. Bénard só falou aos sete anos: “O autismo me trouxe um mundo maravilhoso de silêncio e introspeção”, afirmou.

Quando jovem, Bénard estudou a antiga religião de Bon com um professor xamânico do Tibete. Em algumas culturas tradicionais, o autismo é definido como “a doença do xamã”, explicou Bénard, porque se acreditava que as pessoas no espectro tinham um acesso superior ao mundo interior e que eram médicos naturais.

Ele se formou na ioga e na meditação, e passava horas seguidas “deitado nos bosques ouvindo a Terra”, contou.

“Isto me deu uma conexão mais profunda com a natureza e com as outras pessoas”.

Como ajudar as crianças a se conectarem com a natureza

Dongying Li, professora adjunta da A&M University of Texas que estuda paisagem e saúde, sugeriu que sejamos flexíveis e deixemos que as crianças desfrutem de brincadeiras não estruturadas na natureza à sua maneira. “Aproveitem de uma poça d’água, de uma árvore, de um pequeno parque ou mesmo da foto de um jardim, e planejem os passos sucessivos, a começar de onde vocês se sentirem mais confortáveis”, ela disse.

Outras sugestões, que podem ser adaptadas às necessidades:

- Permitam que as crianças descubram o seu lugar seguro na natureza, sugeriu Bénard. Se os pais têm um quintal ou terreno, construam uma casa de madeira, um abrigo seguro, onde elas possam ir e permanecer em silêncio.

- Olhem em volta e observem espécies diferentes, disse Erin Laraway. As famílias podem transformar isto em um jogo, contando o número de aves ou borboletas que eles veem diariamente.

- Deixe as crianças brincarem em liberdade sem ser dirigidas, sugeriu Galbraith. Deixem que elas passem todo o tempo que quiserem observando o tronco de uma árvore, se é isto que querem fazer. Deixem que elas tenham o espaço e tempo para experimentar a natureza à sua maneira. Se elas vivem longe da natureza, façam um comedouro de pássaros ou um jardim no peitoril da janela.

- Planejem uma viagem a uma fazenda local onde possam colher maçãs, morangos, abóboras ou hortaliças frescas, disse Cheryl Torres. Talvez gostem da caça ao tesouro ou de ficar olhando as estrelas. Intensifiquem a exposição dos seus filhos a coisas novas para que eles possam encontrar o que realmente os instiga. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Recentemente, Erin Laraway e quatro dos seus alunos arrancavam rabanetes de uns canteiros elevados em uma mini horta do Centro de Treinamento Ocupacional do Brooklyn, uma escola secundária para adolescentes com necessidades especiais em Gravesend, no Brooklyn.

“Quantos rabanetes você tem aí, Javier?”, Erin perguntou a um jovem de 18 anos que se balançava para frente para trás.Ele estava "apresentando estereotipia", um comportamento repetitivo com o qual muitas pessoas com autismo costumam se acalmar. Ele mostrou cinco dedos.

Contato com a natureza pode melhorar aspectos da socialização de pessoas com espectro autista, dizem especialistas. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

“Muito bem”, disse a professora. “Como você se sente trabalhando na horta hoje?”, perguntou ainda, segurando um dispositivo de comunicação semelhante a um tablet. Javier apontou para a imagem de um menino com a legenda “orgulhoso”.

Os estudantes “experimentam uma grande sensação de sucesso na horta, de realmente realizar alguma coisa”, disse Erin. “Javier pega o carrinho de mão, ou rega as plantas sem ser solicitado, enquanto na sala de aulas ele tem dificuldade até para tirar a tampa de uma garrafa de água. Eu sempre me surpreendo com o que ele é capaz de fazer aqui fora”.

Erin não está tentando curar os seus estudantes do autismo, uma doença de origem neurológica que afeta uma em cada 54 crianças nos Estados Unidos, em graus variados, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Mas ela espera que a atmosfera relaxada na horta ajude seus alunos, muitos dos quais se enquadram na extremidade severa do espectro do autismo, a melhorar sua capacidade verbal e social e a equipá-los para conseguirem um emprego depois de formados.

Ao que tudo indica, está ajudando. Os seus estudantes interagem mais com seus colegas na horta do que na sala de aulas, contou a professora.

“As crianças autistas não estão fazendo muitas coisas ao ar livre”, disse Temple Grandin, professora de ciência animal da Colorado State University, que tem autismo. “Elas estão presas em casa brincando com videogames”.

Estudos mostram que as crianças com autismo podem estar especialmente predispostas a se viciarem nas telas dos monitores. Isto só está se agravando desde que a covid-19 provocou o fechamento das escolas, observou Temple.

Mas agora que os acampamentos de verão e outras instalações ao ar livre que atendem crianças autistas, reabriram, alguns especialistas em autismo esperam que esta tendência comece a mudar.

“No mundo natural, o sistema nervoso tem a possibilidade de descomprimir e se restaurar”, disse Michelle Brans, que dirige o Counting Butterflies, um centro de terapia para crianças nas proximidades de Toronto. “Isto é particularmente importante para as crianças autistas, porque o seu sistema sensorial às vezes fica sobrecarregado muito mais rapidamente.”

A natureza não só é relaxante para os jovens com autismo, como é um lugar para eles se entusiasmarem, disse a diretora. A mesma capacidade de se concentrar profundamente em uma coisa que pode fazer com que se fixem nas imagens do videogame, permite que se concentrem em detalhes minuciosos – como o som de um inseto, a textura de uma folha de grama. Evidentemente, o espectro do autismo é amplo e as necessidades e os pontos fortes variam em cada criança.

Um menino com o qual a diretora trabalhou encantou-se com tudo o que dizia respeito à água: a sensação da água nas mãos, a maneira como ela se movimenta e rodopia. Ela indicou aos pais que colocassem garrafas de água, bicas e pequenas lagoas ao redor da casa.

“Usamos a água como ponte, um instrumento para ele se sentir mais confortável no mundo”, ela disse. Quando o menino chegou ao secundário, organizou um clube para discutir problemas referentes à água – um grande passo parauma criança que anteriormente tinha dificuldade de se relacionar com os outros.

Outra ferramenta natural que ajuda muitas crianças com autismo é trabalhar com animais, disse Grandin. “Eu não penso em palavras, penso em imagens. Os animais não pensam em palavras. Eles vivem em um mundo que se baseia no sensorial. Por isso, algumas crianças autistas podem se relacionar realmente com animais”.

Terapia com cavalos têm bons resultados em pessoas do espectro autista. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

Uma forma cada vez mais comum de terapia natural para crianças é trabalhar com cavalos.

Caitlin Peters, professora adjunta do Centro Equino Temple Grandin da Universidade Estadual do Colorado em Fort Collins, realizou um pequeno estudo piloto que sugeriu que passar algum tempo com cavalos reduzia a irritabilidade e a hiperatividade em jovens com autismo e aumentava os seus níveis de comunicação.

Aprender como treinar cachorros também parece ajudar algumas crianças autistas a se relacionarem com pessoas, segundo um estudo publicado em março na revista Autism.

Um lugar que está conseguindo ótimos resultados trabalhando com uma variedade de animais é Elijah’s Retreat, uma fazenda de pouco mais de 20 hectares perto de Tyler, Texas, que oferece caminhadas, pescas e passeios a cavalo para crianças com autismo e suas famílias.

“Estas crianças são muito tácteis”, disse Cheryl Torres, diretora do Elijah’s Retreat. “Elas querem sentir as patas do cavalo, olhar seus dentes, colocar o dedo no seu nariz. Tentam imaginar como ele se mexe, como anda, onde estão os seus músculos.”

Alguns pais relutam em levar os filhos com autismo, principalmente os que não falam, para lugares onde podem perambular e se perder, ou onde outros podem ver a criança ter um ataque de raiva.

“Eles temem que as pessoas fiquem olhando para eles, façam comentários, talvez pensando que as crianças são birrentas, ou que seus pais não sabem lidar com elas. É por isso que muitos pais não levam seus filhos autistas no meio da natureza”, disse Carolyn Galbraith, uma educadora australiana que pesquisou os benefícios e as barreiras à exposição de crianças com autismo ao mundo natural.

Ela disse que este esforço vale a pena: “Para as crianças autistas, a natureza selvagem é um lugar onde podem ser elas mesmas sem precisar se conformar às expectativas dos outros – neste mundo que pode ser um bem raro”.

Para algumas pessoas com autismo, ter um tempo em silêncio, só para elas, na natureza pode ser algo transformador em termos espirituais, segundo Gonzalo Bénard, um artista da fotografia e terapeuta de Cascais, Portugal. Bénard só falou aos sete anos: “O autismo me trouxe um mundo maravilhoso de silêncio e introspeção”, afirmou.

Quando jovem, Bénard estudou a antiga religião de Bon com um professor xamânico do Tibete. Em algumas culturas tradicionais, o autismo é definido como “a doença do xamã”, explicou Bénard, porque se acreditava que as pessoas no espectro tinham um acesso superior ao mundo interior e que eram médicos naturais.

Ele se formou na ioga e na meditação, e passava horas seguidas “deitado nos bosques ouvindo a Terra”, contou.

“Isto me deu uma conexão mais profunda com a natureza e com as outras pessoas”.

Como ajudar as crianças a se conectarem com a natureza

Dongying Li, professora adjunta da A&M University of Texas que estuda paisagem e saúde, sugeriu que sejamos flexíveis e deixemos que as crianças desfrutem de brincadeiras não estruturadas na natureza à sua maneira. “Aproveitem de uma poça d’água, de uma árvore, de um pequeno parque ou mesmo da foto de um jardim, e planejem os passos sucessivos, a começar de onde vocês se sentirem mais confortáveis”, ela disse.

Outras sugestões, que podem ser adaptadas às necessidades:

- Permitam que as crianças descubram o seu lugar seguro na natureza, sugeriu Bénard. Se os pais têm um quintal ou terreno, construam uma casa de madeira, um abrigo seguro, onde elas possam ir e permanecer em silêncio.

- Olhem em volta e observem espécies diferentes, disse Erin Laraway. As famílias podem transformar isto em um jogo, contando o número de aves ou borboletas que eles veem diariamente.

- Deixe as crianças brincarem em liberdade sem ser dirigidas, sugeriu Galbraith. Deixem que elas passem todo o tempo que quiserem observando o tronco de uma árvore, se é isto que querem fazer. Deixem que elas tenham o espaço e tempo para experimentar a natureza à sua maneira. Se elas vivem longe da natureza, façam um comedouro de pássaros ou um jardim no peitoril da janela.

- Planejem uma viagem a uma fazenda local onde possam colher maçãs, morangos, abóboras ou hortaliças frescas, disse Cheryl Torres. Talvez gostem da caça ao tesouro ou de ficar olhando as estrelas. Intensifiquem a exposição dos seus filhos a coisas novas para que eles possam encontrar o que realmente os instiga. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Recentemente, Erin Laraway e quatro dos seus alunos arrancavam rabanetes de uns canteiros elevados em uma mini horta do Centro de Treinamento Ocupacional do Brooklyn, uma escola secundária para adolescentes com necessidades especiais em Gravesend, no Brooklyn.

“Quantos rabanetes você tem aí, Javier?”, Erin perguntou a um jovem de 18 anos que se balançava para frente para trás.Ele estava "apresentando estereotipia", um comportamento repetitivo com o qual muitas pessoas com autismo costumam se acalmar. Ele mostrou cinco dedos.

Contato com a natureza pode melhorar aspectos da socialização de pessoas com espectro autista, dizem especialistas. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

“Muito bem”, disse a professora. “Como você se sente trabalhando na horta hoje?”, perguntou ainda, segurando um dispositivo de comunicação semelhante a um tablet. Javier apontou para a imagem de um menino com a legenda “orgulhoso”.

Os estudantes “experimentam uma grande sensação de sucesso na horta, de realmente realizar alguma coisa”, disse Erin. “Javier pega o carrinho de mão, ou rega as plantas sem ser solicitado, enquanto na sala de aulas ele tem dificuldade até para tirar a tampa de uma garrafa de água. Eu sempre me surpreendo com o que ele é capaz de fazer aqui fora”.

Erin não está tentando curar os seus estudantes do autismo, uma doença de origem neurológica que afeta uma em cada 54 crianças nos Estados Unidos, em graus variados, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Mas ela espera que a atmosfera relaxada na horta ajude seus alunos, muitos dos quais se enquadram na extremidade severa do espectro do autismo, a melhorar sua capacidade verbal e social e a equipá-los para conseguirem um emprego depois de formados.

Ao que tudo indica, está ajudando. Os seus estudantes interagem mais com seus colegas na horta do que na sala de aulas, contou a professora.

“As crianças autistas não estão fazendo muitas coisas ao ar livre”, disse Temple Grandin, professora de ciência animal da Colorado State University, que tem autismo. “Elas estão presas em casa brincando com videogames”.

Estudos mostram que as crianças com autismo podem estar especialmente predispostas a se viciarem nas telas dos monitores. Isto só está se agravando desde que a covid-19 provocou o fechamento das escolas, observou Temple.

Mas agora que os acampamentos de verão e outras instalações ao ar livre que atendem crianças autistas, reabriram, alguns especialistas em autismo esperam que esta tendência comece a mudar.

“No mundo natural, o sistema nervoso tem a possibilidade de descomprimir e se restaurar”, disse Michelle Brans, que dirige o Counting Butterflies, um centro de terapia para crianças nas proximidades de Toronto. “Isto é particularmente importante para as crianças autistas, porque o seu sistema sensorial às vezes fica sobrecarregado muito mais rapidamente.”

A natureza não só é relaxante para os jovens com autismo, como é um lugar para eles se entusiasmarem, disse a diretora. A mesma capacidade de se concentrar profundamente em uma coisa que pode fazer com que se fixem nas imagens do videogame, permite que se concentrem em detalhes minuciosos – como o som de um inseto, a textura de uma folha de grama. Evidentemente, o espectro do autismo é amplo e as necessidades e os pontos fortes variam em cada criança.

Um menino com o qual a diretora trabalhou encantou-se com tudo o que dizia respeito à água: a sensação da água nas mãos, a maneira como ela se movimenta e rodopia. Ela indicou aos pais que colocassem garrafas de água, bicas e pequenas lagoas ao redor da casa.

“Usamos a água como ponte, um instrumento para ele se sentir mais confortável no mundo”, ela disse. Quando o menino chegou ao secundário, organizou um clube para discutir problemas referentes à água – um grande passo parauma criança que anteriormente tinha dificuldade de se relacionar com os outros.

Outra ferramenta natural que ajuda muitas crianças com autismo é trabalhar com animais, disse Grandin. “Eu não penso em palavras, penso em imagens. Os animais não pensam em palavras. Eles vivem em um mundo que se baseia no sensorial. Por isso, algumas crianças autistas podem se relacionar realmente com animais”.

Terapia com cavalos têm bons resultados em pessoas do espectro autista. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

Uma forma cada vez mais comum de terapia natural para crianças é trabalhar com cavalos.

Caitlin Peters, professora adjunta do Centro Equino Temple Grandin da Universidade Estadual do Colorado em Fort Collins, realizou um pequeno estudo piloto que sugeriu que passar algum tempo com cavalos reduzia a irritabilidade e a hiperatividade em jovens com autismo e aumentava os seus níveis de comunicação.

Aprender como treinar cachorros também parece ajudar algumas crianças autistas a se relacionarem com pessoas, segundo um estudo publicado em março na revista Autism.

Um lugar que está conseguindo ótimos resultados trabalhando com uma variedade de animais é Elijah’s Retreat, uma fazenda de pouco mais de 20 hectares perto de Tyler, Texas, que oferece caminhadas, pescas e passeios a cavalo para crianças com autismo e suas famílias.

“Estas crianças são muito tácteis”, disse Cheryl Torres, diretora do Elijah’s Retreat. “Elas querem sentir as patas do cavalo, olhar seus dentes, colocar o dedo no seu nariz. Tentam imaginar como ele se mexe, como anda, onde estão os seus músculos.”

Alguns pais relutam em levar os filhos com autismo, principalmente os que não falam, para lugares onde podem perambular e se perder, ou onde outros podem ver a criança ter um ataque de raiva.

“Eles temem que as pessoas fiquem olhando para eles, façam comentários, talvez pensando que as crianças são birrentas, ou que seus pais não sabem lidar com elas. É por isso que muitos pais não levam seus filhos autistas no meio da natureza”, disse Carolyn Galbraith, uma educadora australiana que pesquisou os benefícios e as barreiras à exposição de crianças com autismo ao mundo natural.

Ela disse que este esforço vale a pena: “Para as crianças autistas, a natureza selvagem é um lugar onde podem ser elas mesmas sem precisar se conformar às expectativas dos outros – neste mundo que pode ser um bem raro”.

Para algumas pessoas com autismo, ter um tempo em silêncio, só para elas, na natureza pode ser algo transformador em termos espirituais, segundo Gonzalo Bénard, um artista da fotografia e terapeuta de Cascais, Portugal. Bénard só falou aos sete anos: “O autismo me trouxe um mundo maravilhoso de silêncio e introspeção”, afirmou.

Quando jovem, Bénard estudou a antiga religião de Bon com um professor xamânico do Tibete. Em algumas culturas tradicionais, o autismo é definido como “a doença do xamã”, explicou Bénard, porque se acreditava que as pessoas no espectro tinham um acesso superior ao mundo interior e que eram médicos naturais.

Ele se formou na ioga e na meditação, e passava horas seguidas “deitado nos bosques ouvindo a Terra”, contou.

“Isto me deu uma conexão mais profunda com a natureza e com as outras pessoas”.

Como ajudar as crianças a se conectarem com a natureza

Dongying Li, professora adjunta da A&M University of Texas que estuda paisagem e saúde, sugeriu que sejamos flexíveis e deixemos que as crianças desfrutem de brincadeiras não estruturadas na natureza à sua maneira. “Aproveitem de uma poça d’água, de uma árvore, de um pequeno parque ou mesmo da foto de um jardim, e planejem os passos sucessivos, a começar de onde vocês se sentirem mais confortáveis”, ela disse.

Outras sugestões, que podem ser adaptadas às necessidades:

- Permitam que as crianças descubram o seu lugar seguro na natureza, sugeriu Bénard. Se os pais têm um quintal ou terreno, construam uma casa de madeira, um abrigo seguro, onde elas possam ir e permanecer em silêncio.

- Olhem em volta e observem espécies diferentes, disse Erin Laraway. As famílias podem transformar isto em um jogo, contando o número de aves ou borboletas que eles veem diariamente.

- Deixe as crianças brincarem em liberdade sem ser dirigidas, sugeriu Galbraith. Deixem que elas passem todo o tempo que quiserem observando o tronco de uma árvore, se é isto que querem fazer. Deixem que elas tenham o espaço e tempo para experimentar a natureza à sua maneira. Se elas vivem longe da natureza, façam um comedouro de pássaros ou um jardim no peitoril da janela.

- Planejem uma viagem a uma fazenda local onde possam colher maçãs, morangos, abóboras ou hortaliças frescas, disse Cheryl Torres. Talvez gostem da caça ao tesouro ou de ficar olhando as estrelas. Intensifiquem a exposição dos seus filhos a coisas novas para que eles possam encontrar o que realmente os instiga. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Recentemente, Erin Laraway e quatro dos seus alunos arrancavam rabanetes de uns canteiros elevados em uma mini horta do Centro de Treinamento Ocupacional do Brooklyn, uma escola secundária para adolescentes com necessidades especiais em Gravesend, no Brooklyn.

“Quantos rabanetes você tem aí, Javier?”, Erin perguntou a um jovem de 18 anos que se balançava para frente para trás.Ele estava "apresentando estereotipia", um comportamento repetitivo com o qual muitas pessoas com autismo costumam se acalmar. Ele mostrou cinco dedos.

Contato com a natureza pode melhorar aspectos da socialização de pessoas com espectro autista, dizem especialistas. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

“Muito bem”, disse a professora. “Como você se sente trabalhando na horta hoje?”, perguntou ainda, segurando um dispositivo de comunicação semelhante a um tablet. Javier apontou para a imagem de um menino com a legenda “orgulhoso”.

Os estudantes “experimentam uma grande sensação de sucesso na horta, de realmente realizar alguma coisa”, disse Erin. “Javier pega o carrinho de mão, ou rega as plantas sem ser solicitado, enquanto na sala de aulas ele tem dificuldade até para tirar a tampa de uma garrafa de água. Eu sempre me surpreendo com o que ele é capaz de fazer aqui fora”.

Erin não está tentando curar os seus estudantes do autismo, uma doença de origem neurológica que afeta uma em cada 54 crianças nos Estados Unidos, em graus variados, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Mas ela espera que a atmosfera relaxada na horta ajude seus alunos, muitos dos quais se enquadram na extremidade severa do espectro do autismo, a melhorar sua capacidade verbal e social e a equipá-los para conseguirem um emprego depois de formados.

Ao que tudo indica, está ajudando. Os seus estudantes interagem mais com seus colegas na horta do que na sala de aulas, contou a professora.

“As crianças autistas não estão fazendo muitas coisas ao ar livre”, disse Temple Grandin, professora de ciência animal da Colorado State University, que tem autismo. “Elas estão presas em casa brincando com videogames”.

Estudos mostram que as crianças com autismo podem estar especialmente predispostas a se viciarem nas telas dos monitores. Isto só está se agravando desde que a covid-19 provocou o fechamento das escolas, observou Temple.

Mas agora que os acampamentos de verão e outras instalações ao ar livre que atendem crianças autistas, reabriram, alguns especialistas em autismo esperam que esta tendência comece a mudar.

“No mundo natural, o sistema nervoso tem a possibilidade de descomprimir e se restaurar”, disse Michelle Brans, que dirige o Counting Butterflies, um centro de terapia para crianças nas proximidades de Toronto. “Isto é particularmente importante para as crianças autistas, porque o seu sistema sensorial às vezes fica sobrecarregado muito mais rapidamente.”

A natureza não só é relaxante para os jovens com autismo, como é um lugar para eles se entusiasmarem, disse a diretora. A mesma capacidade de se concentrar profundamente em uma coisa que pode fazer com que se fixem nas imagens do videogame, permite que se concentrem em detalhes minuciosos – como o som de um inseto, a textura de uma folha de grama. Evidentemente, o espectro do autismo é amplo e as necessidades e os pontos fortes variam em cada criança.

Um menino com o qual a diretora trabalhou encantou-se com tudo o que dizia respeito à água: a sensação da água nas mãos, a maneira como ela se movimenta e rodopia. Ela indicou aos pais que colocassem garrafas de água, bicas e pequenas lagoas ao redor da casa.

“Usamos a água como ponte, um instrumento para ele se sentir mais confortável no mundo”, ela disse. Quando o menino chegou ao secundário, organizou um clube para discutir problemas referentes à água – um grande passo parauma criança que anteriormente tinha dificuldade de se relacionar com os outros.

Outra ferramenta natural que ajuda muitas crianças com autismo é trabalhar com animais, disse Grandin. “Eu não penso em palavras, penso em imagens. Os animais não pensam em palavras. Eles vivem em um mundo que se baseia no sensorial. Por isso, algumas crianças autistas podem se relacionar realmente com animais”.

Terapia com cavalos têm bons resultados em pessoas do espectro autista. Foto: Allison V. Smith for The New York Times

Uma forma cada vez mais comum de terapia natural para crianças é trabalhar com cavalos.

Caitlin Peters, professora adjunta do Centro Equino Temple Grandin da Universidade Estadual do Colorado em Fort Collins, realizou um pequeno estudo piloto que sugeriu que passar algum tempo com cavalos reduzia a irritabilidade e a hiperatividade em jovens com autismo e aumentava os seus níveis de comunicação.

Aprender como treinar cachorros também parece ajudar algumas crianças autistas a se relacionarem com pessoas, segundo um estudo publicado em março na revista Autism.

Um lugar que está conseguindo ótimos resultados trabalhando com uma variedade de animais é Elijah’s Retreat, uma fazenda de pouco mais de 20 hectares perto de Tyler, Texas, que oferece caminhadas, pescas e passeios a cavalo para crianças com autismo e suas famílias.

“Estas crianças são muito tácteis”, disse Cheryl Torres, diretora do Elijah’s Retreat. “Elas querem sentir as patas do cavalo, olhar seus dentes, colocar o dedo no seu nariz. Tentam imaginar como ele se mexe, como anda, onde estão os seus músculos.”

Alguns pais relutam em levar os filhos com autismo, principalmente os que não falam, para lugares onde podem perambular e se perder, ou onde outros podem ver a criança ter um ataque de raiva.

“Eles temem que as pessoas fiquem olhando para eles, façam comentários, talvez pensando que as crianças são birrentas, ou que seus pais não sabem lidar com elas. É por isso que muitos pais não levam seus filhos autistas no meio da natureza”, disse Carolyn Galbraith, uma educadora australiana que pesquisou os benefícios e as barreiras à exposição de crianças com autismo ao mundo natural.

Ela disse que este esforço vale a pena: “Para as crianças autistas, a natureza selvagem é um lugar onde podem ser elas mesmas sem precisar se conformar às expectativas dos outros – neste mundo que pode ser um bem raro”.

Para algumas pessoas com autismo, ter um tempo em silêncio, só para elas, na natureza pode ser algo transformador em termos espirituais, segundo Gonzalo Bénard, um artista da fotografia e terapeuta de Cascais, Portugal. Bénard só falou aos sete anos: “O autismo me trouxe um mundo maravilhoso de silêncio e introspeção”, afirmou.

Quando jovem, Bénard estudou a antiga religião de Bon com um professor xamânico do Tibete. Em algumas culturas tradicionais, o autismo é definido como “a doença do xamã”, explicou Bénard, porque se acreditava que as pessoas no espectro tinham um acesso superior ao mundo interior e que eram médicos naturais.

Ele se formou na ioga e na meditação, e passava horas seguidas “deitado nos bosques ouvindo a Terra”, contou.

“Isto me deu uma conexão mais profunda com a natureza e com as outras pessoas”.

Como ajudar as crianças a se conectarem com a natureza

Dongying Li, professora adjunta da A&M University of Texas que estuda paisagem e saúde, sugeriu que sejamos flexíveis e deixemos que as crianças desfrutem de brincadeiras não estruturadas na natureza à sua maneira. “Aproveitem de uma poça d’água, de uma árvore, de um pequeno parque ou mesmo da foto de um jardim, e planejem os passos sucessivos, a começar de onde vocês se sentirem mais confortáveis”, ela disse.

Outras sugestões, que podem ser adaptadas às necessidades:

- Permitam que as crianças descubram o seu lugar seguro na natureza, sugeriu Bénard. Se os pais têm um quintal ou terreno, construam uma casa de madeira, um abrigo seguro, onde elas possam ir e permanecer em silêncio.

- Olhem em volta e observem espécies diferentes, disse Erin Laraway. As famílias podem transformar isto em um jogo, contando o número de aves ou borboletas que eles veem diariamente.

- Deixe as crianças brincarem em liberdade sem ser dirigidas, sugeriu Galbraith. Deixem que elas passem todo o tempo que quiserem observando o tronco de uma árvore, se é isto que querem fazer. Deixem que elas tenham o espaço e tempo para experimentar a natureza à sua maneira. Se elas vivem longe da natureza, façam um comedouro de pássaros ou um jardim no peitoril da janela.

- Planejem uma viagem a uma fazenda local onde possam colher maçãs, morangos, abóboras ou hortaliças frescas, disse Cheryl Torres. Talvez gostem da caça ao tesouro ou de ficar olhando as estrelas. Intensifiquem a exposição dos seus filhos a coisas novas para que eles possam encontrar o que realmente os instiga. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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