Embora a Lei Geral do Esporte, sancionada no primeiro semestre, represente um avanço na responsabilização de gestores e profissionais do esporte, os clubes ainda têm o desafio de melhorar sua governança interna para dar mais transparência à gestão, na visão de Agatha Paraventi, professora do Insper e da Cásper Libero.
Um dos principais pontos da nova legislação é tornar crime a corrupção privada no âmbito do esporte, uma inovação que ainda não se aplica no âmbito privado nos demais setores. A pena é de 2 a 4 anos de prisão. A especialista, porém, destaca que um dos desafios é a profissionalização das estruturas dos clubes que são responsáveis pela fiscalização, como os conselhos deliberativo e fiscal.
“Hoje os estatutos dos principais clubes determinam a existência de um Conselho Fiscal, que recomenda-se que seja independente, mas quem aprova no fim as contas é o Conselho Deliberativo, que muitas vezes tem uma composição muito mais política do que isenta”, disse Paraventi.
Ela participou, ao lado do jornalista Mauro Beting e do presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Roberto Livianu, do 8º seminário Caminhos contra a Corrupção, que debateu a lei recém-criada. A conversa foi mediada pelo editor de Esportes do Estadão, Robson Morelli. A íntegra e as demais mesas do evento podem ser assistidas na TV Estadão.
O art.165 da lei determina que é crime “exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de organização esportiva privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou de omitir ato inerente às suas atribuições”.
Roberto Livianu, que também é procurador da Justiça de São Paulo, avalia que o artigo pode representar o fim de um ciclo de impunidade e ajudar na melhora da imagem do esporte brasileiro, embora considere que outras medidas também são necessárias. “Tem que haver vontade política de reorganizar as coisas e passar a ter gestão íntegra, transparente e governança séria que presta contas e é democrática”, disse ele.
Livianu criticou o que enxerga como falta de transparência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), responsável pela gestão do futebol brasileiro e da seleção, e das federações estaduais. “Não existe transparência e democracia”, declarou.
Segundo Mauro Beting, houve uma onda nas últimas duas décadas de gestores preparados para lidar com a administração esportiva no país, principalmente no futebol. Embora reconheça que houve evoluções, o jornalista demonstra ceticismo. “Leis relacionadas ao esporte no Brasil são iguais a goleiros frangueiros: não pegam”, ironizou.
Lei Geral do Esporte é oportunidade de conscientização da população
Agatha Paraventi afirma que é preciso ficar atento à forma como a nova lei do esporte brasileiro será regulamentada, pois isso irá influenciar na sua aplicação. Ela considera que por se tratar de uma área popular e que mexe com a paixão da população, a legislação é uma oportunidade para que a população compreenda as consequências da corrupção.
“A gente tem a oportunidade de traduzir para a sociedade esse artigo como um processo de educação, informação e engajamento nesse interesse público a favor do que é transparente e que tem governança”, explicou a professora. “Se a regulamentação for adequada, a gente terá resultados expressivos, que é o que temos acompanhado no âmbito da administração pública”, continuou ela.
A Lei Geral do Esporte é um legado deixado pela ex-ministra da pasta, Ana Moser, que foi a responsável por negociar a aprovação do projeto junto ao Congresso. “É um legado deixado por ela”, disse Livianu. “Lamentavelmente, ela não continuou à frente do [Ministério do] Esporte”, acrescentou o procurador. Moser deixou o cargo em meio a negociação do governo Lula (PT) para dar mais espaço para o Centrão na Esplanada dos Ministérios. Ela foi substituída por André Fufuca (PP-MA).