Eis que no ultimo poema do ano
leremos os sinais, aqueles que ocultamos,
nos objetos ritualísticos,
na matéria que parece irrelevante
Durante o último poema do ano
Em visões sucessivas, projetaremos, em céus particulares
nas telas internas, e nos menores símbolos
os rostos daqueles que sumiram,
que nos escaparam por um fio
ceifados sem que soubéssemos,
ou déssemos conta de suas partidas sem aviso
aqueles que estavam em distâncias intransponíveis,
Neste último poema do presente ano
é mister aspirar pelo regresso dos que amamos,
mas, também, dos que deveríamos ter aprendido a tolerar
Enquanto lemos o último poema do ano
os corações, que normalmente balançam sob tumultos
Fazem revisões, desfilam à exposição das vulnerabilidades
recolhem-se, estoicos, à passagem das turbulências
sem ceder ao caos das aparências
No último poema do ano
Estaremos todos juntos, aqui, ali, ou em Jerusalém
Aqui, ou nos desafios que não poderemos mais numerar
Como os decretos, incognoscíveis,
Que não sendo apenas humanos,
Vem do Alto, e com eles, esticamos a peneira da colheita
Durante o último poema do ano
Ficaremos próximos, pela paz
Mas também sentinelas, atentos às lutas
Solidários como quem soube
Que estamos sempre perto do risco
E das transformações perigosas
Enquanto passamos através deste último poema do ano
Podemos enxergar o grande tecido, a coisa extensa
Aquela que contém a totalidade das pessoas
E que nos ajeita no mesmo tapete
que oscila, sob a inconstância do vento
E no capricho errático do tempo
Neste último poema do ano
Não há só o shofar, nem só o som do chifre do carneiro
Mas, fragmentos musicais
que, de ouvido, decompomos para formar hinos
O hino que disputa a vida
Contra as forças do atraso e da violência
Que estão por todos os lados
e fizeram sumir o meridiano dos centros
Ainda no último poema do ano
A liberdade mostra-se arredia
E merece um penúltimo esforço
Uma miríade de canais abertos que irrigam
com sementes as tempestades sem controle
E no ultimo poema do ano
O aniversario da humanidade fará emergir
o sopro de vida que neutraliza pulsões e tiranias.
Dentro do último poema do ano
encontram-se liberdades em expansão,
dúvidas sobre o extensão do livre arbítrio,
bem-aventuranças em estado de hibernação,
e, se desconhecemos o porvir do multiverso
temos uma e a mesma certeza
a correnteza é o solo que temos em comum
e, que neste último poema do ano
Às vésperas de 5782,
os igarapés formem uma confluência imprevisível
no irretorquível livro da vida, a árvore que nunca termina,
Quando as lembranças dos nossos queridos
formarão uma galeria dos afetos
em permanente e ininterrupta exposição.
Shaná Tová!