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Crônica, política e derivações

Prenderam

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

 

 Foto: Estadão

O que? Minha respiração. Minha capacidade de ficar à deriva. Os ossos dos nossos ofícios. Não te falei? Era esse o recado. Um País só fica de ponta cabeças quando ninguém sente a gravidade. Não há trocadilho senhor. Eu ouvi perfeitamente. Não creio que um humanista tenha tentado, deliberadamente, ofender leitores. Mas é estranho, o Sr. deve concordar, sua defesa aberta do status quo. O que o Sr. teme? Estas categorias que o Sr. adora evocar não figuram mais em agenda nenhuma. O que nos interessa aqui não é seu ativismo, é sua neutralidade.  Exato. Muito sutil a distancia entre conivência e imparcialidade.  Se tudo é tão frágil, ruirá com ou sem eles. Se não, teremos a chance única de reconstituir a coisa pública. Ocorre Sr. que nem sempre a regeneração produz bons tecidos. O Sr. já deve ter ouvido falar de cicatrizes escabrosas. Deveria conhece-las, são irrecuperáveis.

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E antes que comeces a desenrolar a lista de slogans da gestão, preciso lhe dizer: não importa o que fizeram pelos milhões, hoje tanto inadimplentes como descontentes. Reconheça-se, mereceriam todos menção honrosa se tivessem operado pelas regras do jogo. Se os votos não fossem tomado como álibis. E é preciso lembrar: fazer por todos não seria só obrigação! O Sr. agora quer saber, enfim, quem foi que prenderam? Prenderam minhas expectativas. Enjaularam destinos e oportunidades de, pelo menos, uma geração. Aprisionaram a criatividade, lesaram o processo civilizatório.  Quanto vale isso? Ah, não interessa? O Sr. pode ser filho de quem for, carregar no sangue o gene literário, e ter toda a tradição e estirpe que quiser evocar. De agora em diante, não é mais relevante. Tanto faz ser intelectual do partido ou simpatizante remido. Há poucas décadas havia apreço pela integridade intelectual. Eis que não se conciliam mais causa e debate. Nenhuma habilidade pode autorizar a defesa de consciências que já morreram.

Se acusam a maioria de um bando grosseiro que observa o séquito passar incólume ou se a indignação é uma qualidade que ainda vale ser considerada numa democracia, decidiremos adiante. Agora Sr., é enxergar como as evidências vem transtornando o povo. Chega ao limite da paranoia, mas seria possível que vocês devastaram tudo para acelerar as contradições do capitalismo? Já me recusei a analisar a hipótese com seriedade. Mas sabe o que? Voltei a considerar. Volta a ser plausível considerar que o desprezo que a ideologia tem pela realidade pode levar o Poder à insanidade. De que outra forma interpretar que transformar milhões em consumidores ordinários, se faria às custas da falência do erário? E este mensalão do cheque rateado com governos para disfarçar a gula fiscal? Pode ser a dose mínima letal.

Existem coisas tão indigestas onde o refluxo é liquido e certo. É que o Sra. não me ouve. Nem a ninguém? Não é nossa falta. Caberia ao Sr. ter imaginado que eleição é responsabilidade. Se a autocritica é a virtude dos arrependidos, os convictos são vidrados em mitos. Agora pode acorda-la. Por gentileza, fale bem pausadamente: o pesadelo está no fim. Nós todos escutaremos.

 

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