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Sem estrutura antifogo e seguro, Museu Nacional perde 90% do acervo

Reconstrução do prédio custará R$ 15 milhões, segundo Cristiana Serejo, vice-diretora da instituição

Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO -  Não havia porta anti-incêndio nem sprinklers. Os detectores de fumaça não funcionaram. A água nos hidrantes não era suficiente. Não havia seguro contra incêndio e o acervo não estava segurado. E as verbas de manutenção caem há anos. Foi assim que se perdeu no incêndio deste domingo, 2, 90% do acervo do Museu Nacional, no Rio.

“Sobrou talvez uns 10%”, estimou a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo. Segundo ela, só a reconstrução do prédio custará R$ 15 milhões. “A gente estava preocupado com incêndios. Tivemos problemas de falta de verba e burocrática”, lamentou. “A culpa é de todos. A gente fica com muita raiva.” Cristiana relatou que não tem informações sobre a principal peça da instituição, o fóssil de Luzia, o mais antigo das Américas. O crânio ficava em uma caixa não localizada. 

Na área externa do Museu Nacional, não há risco iminente, mas há problemas pontuais, como possível queda de revestimento, adornos e estátuas, o que provocou isolamento das fachadas Foto: Fábio Motta/Estadão

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A Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Rio mantém interditada a construção, por considerar que existe grande risco de desabamento interno. Podem desabar trechos remanescentes de lajes, parte do telhado e paredes divisórias. 

Resgate

O incêndio de grandes proporções começou por volta das 19h30 deste domingo e durou até por volta das 2 horas desta segunda-feira, 3. Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, há duas possibilidades em investigação: queda de um balão ou curto-circuito. “Parece que o fogo começou por cima, no alto, e foi descendo. O Museu Nacional já estava fechado (na hora do fogo), a brigada de incêndio não estava mais lá e os vigias demoraram a perceber o incêndio.”

Foi quando um grupo de funcionários decidiu entrar no prédio em chamas para tentar salvar o que fosse possível do acervo de 20 milhões de itens. Segundo relatos, de 30 a 40 servidores - incluindo aposentados e o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher - se deslocaram até o museu, ao saber do incêndio pelas redes sociais. O biólogo Paulo Buckup ficou das 20h30 até 22 horas na parte traseira do prédio, até ser retirado por bombeiros. “Os funcionários foram heróis. Estávamos pensando nos nossos ancestrais pesquisadores. O que salvamos vai permitir a continuidade de pesquisas de colegas. Na hora só pensei que ali estavam a minha vida e a de colegas”, lamentou Buckup, que pesquisa evolução de peixes. 

 

A ação dos bombeiros durou mais de seis horas e consumiu 600 mil litros de água. Parte acabou sendo retirada de um lago da Quinta da Boa Vista. A Cedae, estatal de saneamento do Estado, negou que tenha faltado água nos hidrantes e destacou a dimensão do fogo. 

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Alerta

A Associação Amigos do Museu Nacional incluiu, em dois projetos encaminhados ao Ministério da Cultura para pedir recursos, alertas sobre o funcionamento inadequado do sistema de prevenção a incêndios e riscos associados à grande quantidade de material inflamável guardado no palácio.

O museu informava que era necessário modernizar e ampliar os equipamentos de detecção de fumaça, com sensores inteligentes e por infravermelho, além de alarmes. Os detectores não funcionavam por causa da altura do prédio. Ainda era preciso remodelar o sistema de extintores seguindo padrões dos bombeiros, para “prevenir ocorrências de maior monta”. 

A investigação caberá agora à Polícia Federal. Mas não está descartada a colaboração com policiais do Rio. “Se necessitar de suporte, a PF vai requisitar”, disse o ministro da Educação, Rossieli Soares. O reitor da UFRJ e o diretor do Museu Nacional, Alex Kellner, culparam o governo federal pela falta de recursos. Eles lembraram que a partir de 2015 foi desenvolvido um projeto de recuperação do edifício histórico, mas a liberação do dinheiro - cerca de R$ 21 milhões, do BNDES - só saiu este ano. Depois, o ministro da Educação concordou: “A responsabilidade existe e é histórica.”

Reconstrução

O MEC vai destinar R$ 10 milhões para reformas emergenciais do Museu Nacional e outros R$ 5 milhões para obras posteriores. “A reconstrução deve demorar de três a quatro anos”, afirmou Rossieli Soares. O MEC também entrou em contato com o Congresso para buscar recursos. Já o ministro Sá Leitão informou que há empresas privadas e bancos interessados em patrocinar a recuperação do prédio, mas sem dar detalhes.

Balanço

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- O que se salvou O maior meteorito já encontrado no Brasil, o Bendegó, com 5,36 toneladas. O Departamento de Vertebrados, parte do acervo de invertebrados, o Departamento de Botânica, a Biblioteca Principal, o Anexo Alípio de Miranda Ribeiro e o anexo da coleção do Serviço de Assistência ao Ensino, não atingidos pelo fogo.

- O que se perdeu

Oficialmente, o museu não tem uma lista, mas acredita-se que entre as perdas estejam três múmias egípcias, as ossadas de baleia jubarte e do dinossauro conhecido como Dinoprata, diários da princesa Isabel, o mobiliário imperial, a coleção de documentos da Imperatriz Teresa Cristina e afrescos de Pompeia, além de itens que pertenciam ao Museu do Primeiro Reinado. A maior parte das coleções entomológicas, antropológicas, de aracnologia e de crustáceos foi destruída.

- O que não se sabe A grande incógnita é sobre o crânio de Luzia, o mais antigo do continente. Ficava em uma caixa, ainda não localizada. O acervo de paleontologia e mineralogia talvez possa ser em parte resgatado se for feito um trabalho cuidadoso após o rescaldo. /COLABORARAM LÍGIA FORMENTI, FELIPE FRAZÃO, FÁBIO GRELLET, DENISE LUNA, MARCIO DOLZAN e ROBERTA JANSEN

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