Jornal da Tarde: Xuxa, uma estrela das passarelas rumo às telas de cinema

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Por Edmundo Leite
Atualização:

Modelo mais famosa do Brasil na época, Xuxa deu uma entrevista antes da estreia do filme ‘Amor Estranho Amor’ em 1982.

Jornal da Tarde - 28 de outubro de 1982

Xuxa no Jornal da Tarde 

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Uma famosa jovem manequim, como as modelos eram chamadas nos anos 80, prestes a estrear o seu primeiro filme, Xuxa ainda estava longe de ficar conhecida como apresentadora de programas infantis. Naquele fim de 1982, já era famosa por capas de revistas, desfiles de moda e comerciais. Um passo profissional importante estava sendo dado, com a participação no filme 'Amor Estranho Amor', de Walter Hugo Khouri.

Para falar do filme que estrearia nas salas de cinema em alguns dias, Xuxa recebeu o repórter Edmar Pereira, do Jornal da Tarde, para uma entrevista em que contou sobre o início da sua carreira, a origem do apelido dado pelo irmão e outros aspectos de sua vida de 19 anos, como o sonho de ser veterinária e o curso de Biologia que teve que trancar por falta de tempo após passar no vestibular.

A paixão pelos animais já aparecia naquele momento, contando que - para desespero da família - já tinha oito peixinhos, quatro periquitos, uma tartaruga e um cachorro no apartamento que que morava com os pais e irmãos.

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O assédio sexual, um tema sobre o qual Xuxa costuma se posicionar, é citado pela jovem modelo na entrevista. "Muito pior é gente que me cumprimenta e deixa dinheiro na minha mão, senhores que vão lá em casa. Marcam data com minha mãe, pagam 50 por cento adiantados a meu pai e quando chego nas suas cidades para o desfile eles querem simplesmente jantar comigo, aparecer do meu lado, deixar que os outros pensem que...

Leia a íntegra da entrevista abaixo:


Cartaz do filme 'Amor Estranho Amor' ao lado de 'Poltergeist'  

Jornal da Tarde - 28 de outubro de 1982

ESTRELA XUXA

Edmar Pereira

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O cenário é o Rio de Janeiro, numa tarde ensolarada há pouco mais de dois anos. A garota volta da praia, tem 16 anos, termina o Segundo Grau, estuda também inglês, balé, jazz, ginástica olímpica. Vive como carioca desde os 6 anos de idade, quando se mudou da pequena Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina, filha de pai militar e descendente de italianos, e de mãe alemã, que sempre encantou os amigos da família com sua bela voz.

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Nos fins de semana, a garota val para Coroa Grande, onde o pai tem barco. Em casa, um apartamento, para compreensível desespero do resto da família (além de pai e mãe, dois irmãos e duas irmãs, todos mais velhos do que ela), esta menina loira, de cabelos escorridos e olhos muito verdes, que trata as pessoas por tu e nunca se lembra de acrescentar a letra S aos plurais, aloja oito peixinhos, quatro periquitos, uma tartaruga, um cachorro sem contar os eventuais vira-latas que cata pela rua. Bem, essa garota está voltando da praia.

É seguida, o que não chega a ser novidade. Uma voz masculina lhe diz que deveria posar para fotos, desfilar, tornar-se modelo. Nenhuma novidade, ela nem olha para trás. A voz masculina não desiste. Entra com ela no elevador, invade sua casa, apresenta-se à sua família. Não é só mais uma cantada: é verdade.

Um corte. Fim do flash-back. A ação continua no momento atual, ontem em São Paulo. Xuxa, nascida Maria da Graça Meneghel, o mais bem pago e mais disputado manequim do País - símbolo sexual capaz de esgotar vendas do que quer que anuncie ou vista nas passarelas, participa da campanha de lançamento do seu primeiro filme.

Espera o repórter num apartamento dos Jardins (há um retrato a óleo de Pelé numa das paredes), vestida com uma camiseta verde-claro, com o título do filme sobre o peito Amor Estranho Amor, brincos num verde mais escuro, largo cinto branco de couro como a minissaia, esta em vermelho. Tudo muito natural, não fosse a maquiagem pesada de quem espera o disparo de multas máquinas fotográficas. Cumprimenta com três beijos e os 19 anos completados em abril signo de Aries) não mudaram o infantil de sua voz.

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Medo das exigências

Diz que está preocupada, como qual quer menina diria na véspera do espetáculo do colégio. "Vendo meu trabalho no filme eu gostei, mas tenho medo que as pessoas exijam demais de mim. Ainda mais que trabalho com gente experiente como Vera, Tarcísio, Íris e Mauro. Ainda não vi o filme (que estréia segunda-feira), aliás nunca vi um filme de Khouri, porque não tinha idade. Vi meu trabalho quando fui fazer a dublagem. Não pensei que fosse tão fácil: dublei meu papel inteiro em quatro horas, Khouri achou fantástico."

Ela adora o diretor (que durante as filmagens de Amor Estranho Amor garantia que Xuxa ?erá a nossa Marilyn), que não podendo dar o principal papel do filme (quem faz é Vera Fischer) fez dela a estrela do trailer. Em várias telas da cidade, Xuxa mostra cenas dela e dos outros e conta como tudo foi feito como uma colegial que registrasse em seus diário as emoções das últimas férias.

- Minha personagem é Tamara, uma garota de 16 anos, ingênua e safada ao mesmo tempo. Uma garota importada do Sul, para ser dada de presente a um político importante, que provoca ciúmes em Vera Fischer, a favorita do bordel, e ainda ameaça seduzir seu filho. Khouri discutia cada diálogo comigo, me explicava cada situação. Dizia, "olha, a Tamara nesta cena acabou de fazer isso e mais isso, como é que você acha que ela vai falar agora?" Eu achava difícil me imaginar numa época tão distante (o filme se passa na véspera da Revolução de 32), e ficava preocupada com os meus S.

Xuxa conheceu o cineasta num programa de televisão, quando ele a viu em pleno exercício do seu incontrolável amor pelos animais: abaixou-se e cobriu de afagos um cachorrinho que passava pelo estúdio. "Acho que aí ele teve a idéia de me vestir de ursinho no filme." Essa atração pelos animais continua sendo exercida onde quer que Xuxa apareça, inclusive no filme que faz agora - seu segundo - , uma versão quase infantil de Fuscão Preto, que está sendo filmada em Mogi Guaçu por Jeremias Moreira. "Eu beijo tanto os cavalos fora de cena que eles acabam todos manchados de batom. Na hora de filmar, alguém tem que limpá-los."

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Quer ser veterinária, mas este é um curso de tempo integral que ela não pode fazer agora, quando além de fotos, gravações e cinema ainda faz quatro, cinco desfiles por semana. Que podem ser anteontem em Belo Horizonte, ontem em São Paulo, amanhã em Campo Grande e sábado no Piauí.

Teve de trancar até a matrícula de Biologia, depois de passar no vestibular. Frustração, isto? Ela nem liga. Na verdade, Xuxa não teve tempo sequer para sonhar. Seus sonhos todos se realizaram antes de serem sequer imaginados. Não precisou pedir, deixar-se testar, invejar, competir: Segunda-feira estréia seu primeiro filme, Amor Estranho Amor (fotos acima e à esquerda).

Mas Maria da Graça Meneghel não vai precisar dele para se tornar famosa. Já é: com o nome Xuxa, essa garota de 19 anos é o mais disputado manequim do País, símbolo sexual que vende tudo que anuncie ou vista. Uma menina cujos sonhos se realizaram antes mesmo que fossem sonhados.

"Como é ser famosa? Nem sei. Foi tudo rápido demais, eu nem tive tempo pra pensar no que aconteceu. As pessoas me perguntaram sobre isto, mas como eu vou saber? As vezes fico cansada, com estafa até. Aí tiro uma folga, mas basta aparecer um fotógrafo e eu já fico morrendo de vontade de trabalhar",

Empresa familiar

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Mora com os pais, adora um irmão imediatamente mais velho, o que lhe deu o apelido imortal impedindo que ela fosse conhecida por Gracinha "no colégio às vezes me chamavam assim, eu odiava. Este meu irmão me chamou de Xuxa desde o primeiro dia. Eu no berço ria pra ele e então as pessoas me chamavam assim também para obter meu sorriso. Anteontem no aeroporto eu estava marcando uma passagem, o balconista falava "e então, Maria da Graça" e eu olhava pros lados procurando essa pessoa até que dei por mim e me assustei."

O pai, "ele é milico, usa revólver na cinta, rigoroso comigo quando eu era pequena, não me deixava sair sozinha", é quem cuida de sua vida financeira, dos preços, dos contratos. A mãe, "uma pessoinha maravilhosa, acende velas pro meu anjo da guarda e reza o tempo todo para mim", cuida de sua agenda, das datas, dos horários. Uma irmã psicóloga dá conselhos e assessoria jurídica, enquanto o irmão é seu procurador. Xuxa é uma empresa familiar, com uma única exceção: o irmão mais velho também desfila, mas esconde o laço de sangue.

Xuxa feliz, feliz demais até: "Na verdade, eu não nasci pra lua. Eu nasci na lua". Católica, fala multo em seu anjo da guarda: "Agradeço muito por ser perfeita, por ter saúde e um corpo bonito, por ter um amor que me ama". Nem se assusta com a inevitável pergunta seguinte:

- Não, o Pelé não é meu, é nosso. Ele é uma imagem universal. Tenho por ele um carinho enorme, porque ele fez mais do que me ajudar, mesmo não sendo da minha família. Parou com o futebol e, de certo modo, está no mesmo ramo que eu, vendendo sua imagem. Cuida de mim, me orienta, diz quanto devo cobrar, que propostas devo aceitar. Quando me perguntam se vamos casar, digo que não. Estou cansada de ver relacionamentos ótimos acabarem com o casamento. Também não namoramos, por que ele mora nos Estados Unidos, tem seus filhos, é muito ocupado, e eu aqui também não tenho muito tempo. Então, somos amigos, nos curtimos. É tudo.

Símbolo sexual

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Xuxa, símbolo sexual? "Bem, eu tenho que entrar e sair com segurança dos desfiles, porque avançam em mim, passam a mão, rasgam minhas roupas, amassam o meu carro ou o de quem estiver comigo. Antes eu gritava, ficava com raiva, depois vi que tenho de conviver com isso. Muito pior é gente que me cumprimenta e deixa dinheiro na minha mão, senhores que vão lá em casa. Marcam data com minha mãe, pagam 50 por cento adiantados a meu pai e quando chego nas suas cidades para o desfile eles querem simplesmente jantar comigo, aparecer do meu lado, deixar que os outros pensem que...Tem também gente que paga a colunistas para divulgarem notas dizendo que me viram com eles em certos lugares. Na minha secretária eletrônica encontro recados diários com palavrões, ofensas, mulheres que me acusam por seus maridos não ligarem mais pra elas, homens fazendo propostas e ameaças..."

É a parte ruim da vida desta garota que conserva uma candura infantil mesmo dormindo três, quatro horas por noite ("oito horas, eu só consigo dormir nas férias, mas aí durmo mesmo"). Que se recusa a comer carne, faz uma dieta natural, com muito peixe e arroz integral e adora galinha ("quando aqui em casa eu como dois peitos de uma vez"). Que pesa entre 61 e 63 quilos em seu metro e 76,5 de altura. Que adora pescar ("sabes, aquela calma, o peixe vem ou não vem, tu ouvires o barulho da tua cabeça, o sol fazendo um carinho..."). Que concorda com as feministas como concorda com o aborto ("um mal necessário, né?"), mas que não vai pra nenhum desses lances com muito fanatismo". Que quando era pequena, para fugir da repressão familiar, "queria ser homem, pôr chapéu, sair, roubar muita fruta no quintal do vizinho, gosto disso até hoje. Sempre tive vontade de ser homem, ter essa liberdade. Agora não preciso mais, me libertei: sou eu que viajo, enquanto os homens ficam em casa. O negócio é dar o primeiro passo". Edmar Pereira

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