No dia 27, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou regras para disciplinar o uso de redes sociais e da inteligência artificial nas campanhas eleitorais desse ano. Muita gente se levantou contra a iniciativa, rotulando-a de "inútil", "censura" e outras coisas. Enquanto analisava o caso, pensei em como uma das mais clássicas anedotas do futebol, envolvendo o genial Garrincha, poderia nos ajudar a entender essa decisão da Corte, apesar de serem assuntos tão diferentes.
Reza a lenda que, antes do jogo contra a então União Soviética, na Copa do Mundo da Suécia (1958), partida de estreia do craque na seleção em copas, Vicente Feola reuniu o time para definir a estratégia. O técnico brasileiro queria que Vavá atraísse a defesa soviética para o lado esquerdo do campo. Garrincha receberia então a bola no lado direito e venceria facilmente seu marcador, correndo até a linha de fundo adversária, quando cruzaria a bola para Mazzola na marca de pênalti, que faria o gol. Garrincha ouviu a instrução sem muito entusiasmo e disparou: "tá legal, seu Feola, mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?"
O que isso tem a ver com regulamentação da IA?
A inteligência artificial é uma tecnologia fabulosa, que pode ajudar os mais diferentes profissionais, incluindo gestores das campanhas. Mas seu uso deve ser feito com ética e responsabilidade! Sabemos, entretanto, que muitos políticos não prezam por esses valores, e a IA já vem sendo mal-usada por eles. Dado o poder sem igual de convencimento que o meio digital tem sobre nós, essa prática deve ser vista como criminosa!
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O que nos leva a outro problema: bandidos não são conhecidos por seguir a lei. Mas essa sua pouca disposição não implica que não devam existir regras, pois elas são necessárias para orientar as pessoas para o que é certo, buscando o bem comum, característica essencial das sociedades. Sem leis, nós nos tornamos uma anarquia, onde os mais fortes explorarão os mais fracos, até que a coisa toda descambe em uma guerra civil ou algo do gênero.
Ainda assim, as leis são princípios que se espera que sejam seguidos, mas cada um tem o seu livre-arbítrio e até sua interpretação. Não temos como prever ou controlar o pensamento alheio.
Os liberticidas que manipulam as massas usando as redes sociais se valem disso para desqualificar a iniciativa do TSE (e a própria Justiça Eleitoral). Como toda atividade humana, ela não é perfeita, e algumas atitudes de ministros da Corte têm ajudado os bandidos a convencerem a população de que tudo que os juízes decidem é ruim.
Não podemos cair nessa distorção da realidade! Ainda que imperfeita, regras, leis, planejamento são necessários. O que me leva de volta à Copa da Suécia.
Feola, Garrincha, Vavá, Nilson Santos, Didi, Zito... Ninguém daquele time sabia como os soviéticos reagiriam àquelas jogadas dos brasileiros. Toda a estratégia do Feola poderia ir por água abaixo na primeira canelada do zagueiro russo. Nem por isso ele mandou seus comandados para o campo sem preparo.
Nós, cidadãos, estamos à mercê da desinformação, das fake news, dos deep fakes e de muitas coisas que ainda podem surgir até o momento do pleito municipal. E estamos muito mais suscetíveis a esses engodos que a Seleção Brasileira estava pela Soviética no distante 1958. Não podemos, portanto, "entrar em campo" desassistidos.
Por isso, as regras do TSE acertam ao não tentar disciplinar a inteligência artificial, e sim os usos que as campanhas podem fazer dela. Tentar regulamentar uma tecnologia que evolui tão rapidamente é uma tarefa inglória. Em resumo, elas podem não ser perfeitas, mas ainda bem que foram criadas!
Em tempo, o Brasil ganhou a partida por 2 a 0, dois gols de Vavá. Duas semanas depois, seria campeão do mundo pela primeira vez, batendo os donos da casa por 5 a 2.
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