Papa e Jornada Mundial da Juventude: sobre o que Francisco falou? Aborto e LGBT+ foram temas

Nos três primeiros dias em Lisboa, pontífice se equilibrou entre pautas progressistas e posturas conservadoras da Igreja Católica; evento deve reunir 1 milhão de fiéis

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Por Fabio Grellet

Condenação a líderes religiosos que abusaram de menores, combate ao aborto, acolhimento aos homossexuais, importância da atenção aos avós e idosos em geral, perigos da tecnologia, combate às guerras: nos primeiros três dos cinco dias em que vai permanecer em Portugal para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o papa Francisco não fugiu de temas polêmicos, aos quais mesclou posturas conservadoras valorizadas na Igreja Católica.

A própria viagem a Portugal pode ser considerada uma ousadia: Francisco tem 86 anos e viajou apenas 47 dias depois de receber alta de um hospital de Roma, onde se submeteu a uma cirurgia para a retirada de uma hérnia. O motivo justificava o deslocamento: criada em 1985 pelo papa João Paulo 2.º (1920-2005), a Jornada Mundial da Juventude é o maior evento internacional da Igreja Católica, e deve reunir em Lisboa 1 milhão de pessoas de mais de 150 nacionalidades.

Francisco acena aos fiéis antes de comparecer à Via Sacra com os jovens em Lisboa Foto: MIGUEL A. LOPES/EFE

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O evento público mais importante até agora foi a Cerimônia de Acolhida, em que Francisco discursou para cerca de 500 mil fiéis. A certa altura, pediu que todos repetissem com ele que “a Igreja tem espaço para todos, todos, todos” e que Deus ama “todos como são, sem maquiagem”.

“Na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade”, discursou. “O Senhor não aponta o dedo, mas alarga os braços. Não fecha a porta, mas convida a entrar; não mantém distância, mas acolhe. Nestes dias, transmitamos a Sua mensagem de amor, que liberta o coração e deixa uma alegria que não desaparece”.

Embora não tenha se referido expressamente aos homossexuais, a mensagem é praticamente a mesma que o papa emitiu no final de julho, ao ser questionado por uma pessoa transexual sobre o amor de Deus: “Deus nos ama como somos”, afirmou, na ocasião, no podcast oficial do Vaticano.

Outra manifestação de Francisco nesse sentido foi divulgada nesta sexta-feira, 4, quando foi publicada uma entrevista dele à revista espanhola Vida Nueva, concedida antes da Jornada. Ao relembrar a primeira vez em que recebeu um grupo de mulheres transexuais no Vaticano, o papa afirmou: “Elas saíram chorando, dizendo que eu havia dado a mão a elas, um beijo. Como se eu tivesse feito algo excepcional com elas. Mas são filhas de Deus! Ele gosta de você assim”.

Embora considere a homossexualidade um pecado, Francisco defende o acolhimento de todos dentro da Igreja, posição que já lhe rendeu críticas e até acusações de heresia por parte de alas ultraconservadoras do clero.

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Outro recado aos jovens dado durante a Cerimônia de Acolhimento se referiu aos riscos da tecnologia. Segundo o papa, muitos “sabem o teu nome, mas não te chamam por ele. O teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela sua singularidade, apenas sua utilidade para pesquisas de mercado. Estas são as ilusões do mundo virtual, e devemos estar atentos para não nos deixar enganar pelas muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade, mas depois mostram o que realmente são”, afirmou.

O tema mais espinhoso enfrentado por Francisco, porém, foi outro: os abusos praticados por religiosos contra fiéis. Um relatório independente divulgado em fevereiro relata 4.815 crianças e adolescentes vítimas de abusos praticados em Portugal por religiosos entre 1950 e 2022.

O tema não foi tratado no discurso de Francisco, mas em reunião particular que ele manteve na quarta-feira, logo ao chegar em Portugal, com 13 vítimas desses abusos. Segundo participantes da reunião, Francisco cobrou mais rapidez e rigidez na apuração desses casos, pediu ao clero português “uma purificação humilde e constante” em relação ao escândalo e que as vítimas “sejam sempre acolhidas e ouvidas”.

Na sexta-feira, o papa almoçou com dez participantes da JMJ, sendo sete portugueses, uma peruana de 24 anos, um colombiano e uma fiel da Guiné Equatorial, de 30 anos. Durante a conversa, segundo interlocutores, condenou as guerras – sem citar expressamente a Ucrânia - e o aborto, pediu atenção e valorização dos avós e idosos e contou piadas.

“Falamos sobre a eutanásia, o aborto e a questão dos avós e o convite para não deixá-los sozinhos e que os jovens devem ser esperança para as pessoas e para que encontrem Deus em seus corações”, disse o colombiano Luiz Carlos Duarte à agência EFE.

Maria Magdalena Condo, de 30 anos, da Guiné Equatorial, contou que o papa pediu aos jovens “que ajudem” e “não abandonem os idosos, porque quando formos velhos também vamos querer alguém que cuide de nós”. E disse que Francisco contou “muitas anedotas de sua vida, de seus avós, que fizeram o grupo rir muito”.

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