Prefeitura do Rio suspende todos os pagamentos do município

Secretaria Municipal de Fazenda suspendeu provisoriamente os pagamentos a serem realizados pelo Tesouro Municipal e informou que a medida tem como objetivo ajustar o caixa do município; pagamento da segunda parcela do 13º está suspenso

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Por Roberta Jansen e Vinicius Neder
Atualização:

RIO - Todos os pagamentos da prefeitura do Rio estão suspensos desde a tarde de segunda-feira, 16, conforme resolução publicada nesta terça-feira, 17, no Diário Oficial do Município. A decisão vem em meio a uma das mais graves crises enfrentadas na área da saúde, com funcionários em greve há uma semana por falta de salários e a população carioca sem atendimento básico.

Em nota de apenas três sentenças divulgada, a gestão Marcelo Crivella (Republicanos) limitou-se a informar que a Secretaria Municipal de Fazenda suspendeu provisoriamente os pagamentos a serem realizados pelo Tesouro Municipal; que a medida tem como objetivo ajustar o caixa do município, em função dos arrestos determinados pela Justiça; e ainda, que o procedimento é pontual e pode ser revertido a qualquer momento.

Fachada do Hospital Municipal Salgado Filho. Funcionários da saúde do Rio estão em greve há uma semana por falta de salários Foto: Paulo Araújo/Estadão

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Ao jornal O Globo, o secretário municipal de Fazenda, César Barbiero, afirmou que o pagamento da segunda parcela do 13º, salário previsto para esta terça-feira, está suspenso e que não há prazo para que seja pago: “O objetivo é arrumar as contas”, disse. “Com isso, os pagamentos da segunda parcela do 13º salário de servidores e fornecedores estão suspensos. Espero retornar tudo assim que possível.”

Na semana passada, por causa do atraso de pelo menos dois meses nos salários de servidores municipais da saúde, a Justiça determinou o arresto de R$ 300 milhões nas contas da Prefeitura. Segundo o secretário, a suspensão dos pagamentos seria necessária para ajustar as contas do município depois dos pedidos de arresto.

Diretora do Sindicato dos Enfermeiros, Líbia Beluscci afirmou na manhã desta terça que a greve dos funcionários da saúde do município deve ser ampliada nas próximas horas, após a decisão da prefeitura de suspender pagamentos. Segundo ela, mesmo que o dinheiro das Organizações Sociais (OSs) seja depositado via Justiça do Trabalho e alguns funcionários da saúde do município recebam, a paralisação deve ser ampliada. Atualmente, a greve envolve apenas os funcionários das OSs, em um total de 22 mil pessoas.

Os hospitais que contam com servidores contratados diretamente pela prefeitura, como Salgado Filho, Souza Aguiar e Miguel Couto, embora sobrecarregados por causa da paralisação, seguem em pleno funcionamento. Com essa decisão, apenas os casos muito graves continuarão sendo atendidos, o que deve agravar ainda mais a situação da saúde no município.

“A greve só termina se forem feitos todos os pagamentos: outubro, novembro, 13º e benefícios”, afirmou Líbia. “E os servidores também não podem ficar sem o 13º. Então, a nossa tendência é paralisar tudo.”

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Suspensão de pagamentos é sinal de estrangulamento financeiro, diz especialista

A decisão do Rio de suspender todos os pagamentos e movimentações financeiras do Tesouro Municipal é sinal de uma situação de “estrangulamento financeiro”, na análise do consultor Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Isso quer dizer que o caixa disponível da prefeitura não dá conta das “despesas de curtíssimo prazo”, explicou Velloso.

Para ele, diante do estrangulamento financeiro, a prefeitura não teria sequer como destinar recursos para despesas prioritárias. Assim, a suspensão de pagamentos é uma forma de sinalizar para a situação extrema. “A prefeitura está diante de um estrangulamento financeiro da pior magnitude e da pior qualidade”, afirmou. Para ele, o governo de Crivella não poderia ter deixado a situação chegar a tal extremo e tinha de ter buscado uma solução antes do caos.

Na análise do especialista, as contas públicas da prefeitura do Rio enfrentam os mesmos problemas dos Estados em crise. A queda de receita por causa da recessão econômica de 2014 a 2016, que perdura com a recuperação muito lenta da economia, combinada com despesas elevadas de difícil eliminação, leva a rombos orçamentários.

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Nesse quadro, assim como na União, os gastos com Previdência se destacam nos problemas. Em 2012, a prefeitura do Rio gastava 13% da receita corrente líquida com servidores inativos, nas contas de Velloso. Em 2016, essa proporção subiu para 17%, disse o especialista.

O problema é que os gastos “obrigatórios” – que na conta de Velloso incluem saúde, educação, o custeio da Câmara Municipal, urbanismo (coleta de lixo e atividades correlatas) e dívidas – consumiam 73% da receita corrente líquida do Rio em 2016. Com isso, sobrariam apenas 10% da receita para as despesas não obrigatórias, como investimentos. Só que, conforme Velloso, só a folha de pagamentos dos demais servidores (sem contar o pessoal de saúde, educação e urbanismo) equivalia a 11% da receita em 2016.

“A situação ou é igual ou é pior hoje”, afirmou Velloso, completando que não atualizou suas contas para os anos mais recentes. “A administração de uma cidade como o Rio é muito complicada. As despesas só sobem e sobem muito”, disse o especialista.

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Crise no Rio

Na semana passada, um levantamento apresentado pela Defensoria Pública do Estado e pelo Ministério Público do Rio mostrou que a prefeitura do Rio deixou de investir, nos últimos três anos, mais de R$ 2 bilhões na área da saúde.

As instituições apontaram redução, bloqueio e remanejamento irregular de verbas na pasta e pedem a condenação do município à adoção de uma série de medidas de urgência para evitar a paralisação da rede.

Funcionários do hospital Albert Schweitzer fizeram atos por atrasos de salários Foto: Ricardo Cassiano/Prefeitura do Rio

Também na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo - TRT-2)determinou o bloqueio de contas da prefeitura para o pagamento dos salários atrasados dos profissionais de saúde do município.

 Após uma reunião realizada em Brasília em 11 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) pediu recursos para pagar 13º salário de servidores.

"Está com a corda no pescoço, como um montão de prefeitos, governadores. Está buscando recursos para pagar o 13º. Se por possível e legal, nós vamos atendê-lo", disse Bolsonaro.

Em vídeo compartilhado nas redes sociais no mesmo dia, Crivella garantiu que depositaria os salários atrasados em 12 de dezembro.

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“Pessoal, temos ótimas notícias aqui de Brasília. Amanhã será depositado o salário de todos os cinco mil agentes de saúde das Clínicas da Família e também dos técnicos de enfermagem”, informou Crivella no vídeo. “Conseguimos também a liberação de R$ 36 milhões para o custeio dos hospitais Albert Schweitzer, em Realengo; Rocha Faria, em Campo Grande; e Pedro II, em Santa Cruz.”

Para tentar garantir o retorno imediato dos profissionais ao trabalho e a retomada do atendimento à população, o Ministério da Saúde determinou a liberação de R$ 152 milhões em caráter emergencial para a prefeitura do Rio na última sexta-feira, 13. Os recursos são destinados às 24 unidades de saúde do município que estão paralisadas por falta de pagamento dos funcionários há pelo menos dois meses.

No mesmo dia, a Justiça determinou a criação imediata de um gabinete de crise institucional para lidar com o colapso da rede municipal de saúde

Segundo a decisão, o gabinete deverá executar um plano de contingência que adote medidas emergenciais “destinadas ao restabelecimento do funcionamento adequado, contínuo e ininterrupto de todas as unidades municipais de saúde, assim como à diminuição e contenção dos impactos da crise na população”.

A decisão também determina que o município não pode reduzir o número de profissionais de saúde da rede, nem os serviços de saúde prestados, como consultas, exames e cirurgias. A prefeitura também está proibida de reduzir o número de leitos de emergência. A prefeitura tem um prazo de 30 dias para apresentar um plano de reestruturação da rede municipal de saúde.

Ainda na semana passada, o prefeito chegou dizer que a crise na saúde é falsa. “Não há crise, é falsa”, disse. “Houve, sim, atraso de um mês, em alguns casos de dois meses, nas OSs, mas só nelas. Já pagamos cinco mil agentes de saúde e técnicos de enfermagem. Todos estão com os salários em dia. A Prefeitura do Rio continua lutando arduamente para manter seu padrão de excelência sem a menor preocupação com a exploração política, que, além de não ajudar em nada, torna a vida pública apenas medíocre, insensata e insensível.”

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