‘Saqueadores de remos’ intimidam população e voluntários e dificultam socorro nas enchentes no RS

Brigadistas passaram a atuar escoltados por forças de segurança, como a Polícia Civil e a Polícia Rodoviária Federal

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Por Paula Ferreira
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ENVIADA ESPECIAL A CANOAS (RS) - Pelas ruas completamente alagadas do centro de Canoas e do bairro Harmonia, socorristas e voluntários atuam sob a pressão da violência. A devastação causada pelas chuvas, que converteu as ruas da cidade em rios, tem sido cenário de tentativas de assalto e saques, causando temor em quem já precisa lidar com o horror causado pelas chuvas.

O quadro faz com que brigadistas atuem escoltados por forças de segurança, como a Polícia Civil e a Polícia Rodoviária Federal. Ao mesmo tempo, alguns moradores resistem em deixar suas casas com medo de terem os bens que restaram roubados.

Agentes da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal estão acompanhando os trabalhos de resgates no Rio Grande do Sul Foto: Wilton Junior/Estadão

Durante a tarde desta sexta-feira, 10, uma operação de militares do Exército e agentes da Força Nacional do SUS recebeu reforço de policiais civis armados com fuzis. Na ocasião, foram recuperados quase R$ 2 milhões em equipamentos hospitalares, que estavam ilhados no Hospital de Pronto Socorro (HPS), unidade de referência para cerca de 150 municípios, cujo primeiro andar ficou totalmente submerso. Os itens serão levados para outros dois hospitais que prestam atendimento na cidade.

A reportagem do Estadão acompanhou os trabalhos de resgate em Canoas e registrou o peso da insegurança. Segundo relatos de agentes de segurança sob condição de anonimato, a situação tem ficado crítica sobretudo à noite, quando os bairros submersos ficam sem luz. Há relatos de criminosos que chegaram a render voluntários e roubar a embarcação.

Militares da Brigada Paraquedista do Exército e a Força Nacional também atuam em meio às enchentes em Canoas Foto: Wilton Junior/Estadão

Pessoas que atuam nas operações no centro de Canoas relataram que o trabalho de recuperação dos insumos hospitalares só foi iniciado após o apoio da Polícia Civil, devido à falta de segurança. Ao chegarem ao HPS, militares engenheiros recuperaram o material após fazer um buraco na parede a marretadas. O equipamento de hemodiálise, quase todos os medicamentos, bombas de infusão, entre outros itens, foram salvos pela equipe do hospital, que levou os materiais para o segundo andar quando a água começou a entrar na unidade.

A reportagem fez mais de uma tentativa de percorrer as ruas alagadas no barco de voluntários, mas teve o pedido negado com a justificativa de que os barcos ficariam suscetíveis a assaltos, uma vez que as câmeras fotográficas seriam visadas.

Depois de algumas tentativas, o Estadão conseguiu embarcar em um bote do Exército, cujo coordenador da operação estava armado. Antes de dar partida no bote, o tenente Felipe Nimitt foi advertido por um morador de que não ultrapassasse uma região específica, sob risco de criminosos. Como uma arma na cintura, à frente do bote, Nimitt permanecia alerta às movimentações ao mesmo tempo que usava um remo para remover cadeiras, madeiras e outros objetos do caminho do bote. “Queria ter um parafal (fuzil), mas tenho um remo”, brincou outro socorrista a bordo da embarcação.

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“Estamos aqui das 7h da manhã até anoitecer. Infelizmente o pessoal está saqueando direto, o pessoal está de jetski. E não é pouco, é muito. Ontem estávamos com uma segurança policial, graças a Deus, e precisou efetuar disparos para coibir”, relatou o veterinário Fernando Castro Silva, com água até o pescoço enquanto tentava entrar em sua clínica para pegar anestésicos para animais.

A cada metro ultrapassado pelo bote, a tragédia se desenhava ainda maior. Ao longo do caminho de pouco mais de uma hora, além da destruição material, corpos de cachorros, porcos, cavalos flutuavam nas águas da enchente, preenchendo o ar com um cheiro de morte. Diante dessas imagens, ao mesmo tempo que torcem para que a água baixe, os socorristas receiam pela cena que restará quando tudo estiver seco.

Cercado pela destruição, Rafael Flores decidiu permanecer em um pequeno prédio no bairro da Harmonia. Questionado sobre o motivo de permanecer ali mesmo diante dos riscos, o homem afirmou que precisava proteger os bens. “Eles vêm à noite, de remo”, disse, explicando a dinâmica dos saqueadores.

O medo da noite é uma tônica entre os moradores. A falta de luz elétrica e o cenário de terra arrasada tornaram as ruas de Canoas em um labirinto de múltiplos riscos. Aliado a isso, a insatisfação com o trabalho das autoridades elevam a tensão dos moradores. “Isso aqui é um horror à noite”, afirmou uma moradora, que não quis se identificar.

Militares carregam equipamentos de hospital atingindo pela enchente em Canoas Foto: Wilton Junior/Estadão

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A Brigada Militar de Canoas informou à reportagem que pelo menos quatro pessoas foram presas em circunstâncias relacionadas às enchentes. No primeiro caso, um barco foi abordado e dois homens armados foram detidos.

Além desses, outros dois suspeitos foram presos no bairro Mathias Velho, um dos mais atingidos pela catástrofe, após denúncias de que estariam obstruindo o resgate de moradores em um condomínio e nos arredores. Além disso, segundo os relatos, a dupla estaria atirando contra outras embarcações e praticando saques. A polícia identificou os suspeitos, que foram presos em flagrante por tráfico de drogas. Os policiais apreenderam pelo menos 14 kg de drogas na embarcação. A polícia local está sem sistema de registro de ocorrência devido às chuvas, mas, segundo a assessoria, os agentes estão fazendo policiamento nas águas.

A Prefeitura de Canoas afirmou, em nota, que está trabalhando em conjunto com a Brigada Militar, a Polícia Civil e as Forças Especiais “de forma ostensiva para combater o crime organizado, seja nas áreas secas ou alagadas.”

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