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'Tinha gente atirando de um lado e de outro', diz filho de agente morto no Pará

Guardiano Santana morreu durante tentativa de fuga no Centro de Recuperação Penitenciária em Santa Izabel, Grande Belém. Família lamenta

Por Felipe Resk
Atualização:

SÃO PAULO - Apesar de contar com uma cabeleira preta e exibir um porte relativamente atlético para a idade, o agente penitenciário Guardiano Santana, de 57 anos, erachamado por colegas de trabalho de “Velho”. A razão do apelido, na verdade, vinha da experiência no serviço. Foram dez anos no Centro de Recuperação Penitenciário do Pará III (CRPP III), na Grande Belém, onde trabalhava desarmado e sem colete à prova de balas, antes de ser vítima de quatro tiros em uma tentativa de fuga em massa. O ataque aconteceu naterça-feira, 10, e deixou outros 21 mortos.

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Segundo foi relatado a familiares, o agente Santana estava na “gaiola”, espaço entre a área do banho de sol dos presos e as celas, na hora que tudo começou. Eram por volta das 14 horas. Do lado de fora da unidade, que fica às margens da BR-316, um grupo saiu de um matagal e usou explosivos para abrir caminho aos detentos. Simultaneamente, presos,com pelo menos três armas de fogo, fizeram carcereiros de refém. Foi o início do confronto entre o Batalhão Penitenciário, braço da PM responsável pela segurança no presídio, e criminosos.

“Ele ficou preso neste corredor. Tinha gente atirando de um lado e de outro”, conta um filho de Santana, que preferiu não se identificar. O “Velho” chegou a ser socorrido a uma unidade de saúde da cidade de Castanhal. Lá, familiares foram avisados que elenão havia resistido aos ferimentos.

No reconhecimento do corpo, os parentes perceberam quatro perfurações: no peito, próximo à clavícula; no cotovelo, no pescoço e na nuca. “Levou tiro pela frente e pelas costas”, diz o filho. “Não temos como confirmar de onde vieram. Ele pode ter sido alvejado tanto pelos policiais quanto pelos detentos que estavam lá.”

No tiroteio, morreriam ainda 16 presos e outras cinco pessoas que participavam do grupo externo. Após a identificação dos corpos, foi constatado que, na verdade, o grupo externo era composto por presos de uma colônia agrícola, de regime semi-aberto, vizinha à unidade de segurança máxima. 

Apesar de ser considerada de “segurança máxima”, a unidade estava superlotada – 660 presos para 432 vagas, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, tinha histórico de tentativas de fuga e problemas de infraestrutura, como ausência de muralha em parte da cadeia. Para o filho, tratava-se de uma “tragédia anunciada”. “Nós estamos com muita dor da perda, mas a gente sabe que, se não fosse com ele, teria acontecido com outra pessoa.”

Rotina. Com escala de 12 horas de trabalho por 36 de folga, Guardiano levantava às 5 horas para esperar o transporte que o levaria, junto a outro agentes penitenciários, de casa, em Belém, para Santa Izabel do Pará, onde o Complexo Prisional de Santa Izabel. Ele é formado por nove unidades, entre elas o CRPP III.

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“Tinha um padrão de segurança máxima, conforme penitenciárias dos Estados Unidos, com portões eletrônicos, câmeras de segurança”, diz Andrey Tito, secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Civis(Sepub-PA). “Mas depois de várias e várias rebeliões, hoje em dia, a parte tecnológica foi perdida.”

Segundo o Sepub, a unidade prisional é destinada à “nata da criminalidade”, com assaltantes de bancos, grandes traficantes e matadores que trabalham para facções. “Só tem presos reincidentes e de alta periculosidade”, diz Tito. A última tentativa de fuga havia sido registrada em 23 de janeiro, durante o banho de sol.

A falta de segurança no CRPP III foi alvo de queixas do CNJ, após inspeção feita em fevereiro. Segundo funcionários, um dos principais problemas é a comunicação do presídio com uma colônia agrícola vizinha, onde ficam presos do regime semi-aberto. Além de esconder armamentos na mata, os detentos ajudariam a municiar o presídio com armas, celulares e outros objetos proibidos. “É muito fácil jogar qualquer objeto por cima do muro”, comenta uma fonte. “Semanalmente os agentes recolhem e fazem relatório de facas, celular, tudo que não passa e cai do lado de fora.” 

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Em casa, Santana evitava falar do trabalho. “Ele praticamente nos proibia de dizer que era agente penitenciário, até para nos preservar, por questão de segurança”, diz o filho. Nos últimos dias, não tinha feito qualquer queixa à família, nem relatado possíveis ameaças ou riscos de motim no presídio. “Ele nos passava bastante tranquilidade. Era característico dele. Ser tranquilo no trato e resolver as coisas com muito diálogo.”

Santana estava no segundo casamento e deixou cinco filhos. O mais velho tem 32 anos; o mais novo, 3. “Era um pais superatencioso, brincalhão, divertido, que agregava muita gente ao redor”, conta. “Aqui, para o povo nortista, nós temos muito chamegouns com os outros. Nossas festas de família sempre são com muita gente e muitos amigos.” “O que nos incomoda hoje é que não temos nenhum retorno oficial. A gente não sabe como aconteceu ou quais foram os motivos”, diz o filho. “Tudo ‘está sob investigação’, mas a gente teme que essa investigação seja eterna.”

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