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Estudo encontra região árida no Brasil pela 1ª vez; veja onde fica e por que isso preocupa

Área de 5,7 mil km² fica no norte da Bahia; Nordeste concentra também o avanço do semiárido. Efeitos das mudanças climáticas são cada vez mais sentidos

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Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari
Atualização:

Um estudo encontrou, pela primeira vez, uma área com características de clima árido no Brasil. Ela fica no centro-norte da Bahia e tem pouco mais de 5,7 mil km². Com exceção do Sul e do litoral de São Paulo e do Rio, a transição para um clima mais seco avança a passos largos no País. Regiões semiáridas têm crescido, em média, 75 mil km² a cada década. Segundo cientistas, isso é resultado da elevação das temperaturas, puxada pelas mudanças climáticas.

A aridez é calculada pela razão entre a precipitação (chuva) e a demanda de evaporação da atmosfera (evapotranspiração). Se o índice for menor do que 1, significa que chove menos do que é demandado pela atmosfera. A depender da taxa de secura, a área pode ser classificada como árida (inferior a 0,2), semiárida (inferior a 0,5) e sub úmida seca (menos de 0,65).

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Para o estudo, os pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usaram dados diários de precipitação, temperatura máxima e mínima, radiação solar, velocidade do vento e umidade de 1961 até 2020.

As fontes principais foram bancos de dados da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Para evitar distorções por mudanças em anos pontuais, eles compararam blocos de 30 anos para a pesquisa (1960 a 1990, 1970 a 2000, 1980 a 2010 e 1990 a 2020).

Segundo a nota técnica, onde os resultados do estudo foram divulgados, o indicador de aridez ajuda a identificar, localizar ou delimitar “regiões com variável déficit de água disponível, condição que pode afetar severamente o uso efetivo da terra para atividades como agricultura ou pecuária e que no longo prazo podem levar a desertificação”.

Semiárido, como em Alagoas (foto), tem avançado rapidamente nos últimos anos Foto: ASCOM / GOV. DE AL

Essa última é um processo de degradação que tem relação com a ação humana de uso inadequado do solo. Como o estudo observou apenas variáveis climáticas, só é possível dizer que o avanço da aridez torna essas regiões mais suscetíveis à desertificação, mas não necessariamente que sejam um produto dela.

“O principal fator que tem influenciado isso (expansão da aridez) é o aumento da temperatura. É o processo de aquecimento global”, diz Javier Tomasella, pesquisador do Inpe e um dos nomes que assinam a nota técnica.

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O avanço das áreas classificadas como semiárido, que somam 796.175 km², ocorre a passos largos. Pelo oeste do Nordeste e pelo norte de Minas Gerais, elas têm crescido, em média, 75 mil km² a cada década. Na imagem, a seca na Bahia Foto: Ricardo Moraes/Reuters

“Os períodos secos se tornam mais frequentes quanto mais árido o clima é”, alerta Tomasella. E a população encara a escassez de água, relata José Pequeno, presidente da Arcas, organização da rede Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) na Bahia.

Segundo ele, o norte e nordeste do Estado são regiões bastante quentes. “E temos sentido que, nos últimos anos, isso tem se intensificado.” Ele destaca que a falta de água afeta o consumo humano, a agricultura e a pecuária, mas os efeitos delas são sentidos com menos intensidade nas cidades que melhor se preparam, com sistemas de reserva do recurso, como cisternas e poços artesianos.

“Nos últimos, temos bastantes cisternas já instaladas. As pessoas não sofrem tanto, mas têm o prejuízo com a questão das perdas dos rebanhos e mortandade das pastagens, pouca produção da caatinga, (dificuldade na) recuperação de um ano para o outro”, afirma José Pequeno.

Ondas de calor se multiplicam no País; mortes aumentam no mundo

O País viveu em novembro uma nova onda de calor cujo alerta máximo chegou a 2,7 mil cidades. O fenômeno foi atribuído aos efeitos do El Niño e também ao cenário global de mudanças climáticas e emissões de gases de efeito estufa.

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Neste mês, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que o número de dias em cada ano com ondas de calor no País saltou de 7 para 52 em um período de três décadas.

De 1991 a 2000, as anomalias positivas de temperatura máxima não passavam de cerca de 1,5°C, detalhou o governo. “Porém, atingiram 3°C em alguns locais para o período de 2011 a 2020, especialmente no Nordeste e proximidades. No período de referência, a média de temperatura máxima no Nordeste era de 30,7°C e sobe, gradualmente, para 31,2°C em 1991-2000, 31,6°C em 2001-2010 e 32,2°C em 2011-2020″, informou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

A intensificação da temperatura tem efeitos considerados graves sobre a saúde. No mundo, as mortes relacionadas com o calor de pessoas com mais de 65 anos aumentaram 85% desde a década de 1990, revelou estudo divulgado neste mês. A perspectiva é de que a taxa de crescimento de mortes dessa natureza chegue a 370% até a metade do século.

Avanço do semiárido

De forma geral, a pesquisa alerta para aumento da aridez em todo o País, exceto no Sul e no litoral do Rio e de São Paulo, onde o aumento das chuvas garante que sigam na contramão do resto do Brasil. Isso ocorre, conforme os pesquisadores, com o aumento da evapotranspiração causado pela alta de temperaturas.

O avanço das áreas classificadas como semiárido, que somam 796.175 km², ocorre a passos largos. Pelo oeste do Nordeste e pelo norte de Minas, elas têm crescido, em média, 75 mil km² a cada década.

Esse crescimento se deu principalmente em áreas antes consideradas sub úmido seco. Essas, na contramão, tiveram redução média de 12 mil km² por década.

Mas no período de 1990 a 2020, houve incremento de 20.829 km², com novos Estados apresentando características desse clima. Ou seja, migraram do tipo úmido para o úmido seco, diante das maiores secura e temperaturas. Antes concentradas no Nordeste e no norte de Minas, chegam ao Mato Grosso do Sul, na bacia do Rio Paraguai, e em uma pequena área no norte fluminense.

Medidas de adaptação

Embora ações de mitigação, que busquem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e frear as mudanças climáticas, sejam importantes, especialistas destacam que, frente ao avanço da aridez, a adaptação à nova realidade climática é urgente.

“Essa situação de 1°C, 1,5°C (acima dos níveis pré-industriais) é praticamente irreversível”, fala Tomasella. O pesquisador reforça que a mitigação é um esforço global e não depende só do Brasil. Segundo as Nações Unidas (ONU), ao ritmo atual de emissões, o mundo caminha para aumento da temperatura média entre 2,5ºC e 2,9ºC neste século, quase o dobro da meta ideal.

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Para ele, é preciso focar em eficiência no uso da água, a fim de garantir a segurança hídrica, alimentar e energética. Segundo o pesquisador, isso passa por investimento para adaptar a agropecuária ao clima mais árido, com irrigação de maior qualidade, por exemplo, e no saneamento básico, para que o tratamento de esgoto chegue a mais lares.

José Pequeno destaca que, apesar do aumento de sistemas de reserva de água na região, é preciso levar cisternas e poços a mais lugares, e investimento em tecnologias para reúso da água. “Nós, aqui do semiárido, não queremos apenas sobreviver. Precisamos viver com dignidade e é possível com essas tecnologias para viver bem e para produzir.”

Governo diz dialogar com Estados e quer relançar projeto contra desertificação

O Ministério do Meio Ambiente informou que tem diálogo “frequente” com Cemaden e Inpe e “a partir dos dados da nota técnica, intensificará o diálogo com os governos dos Estados de Pernambuco e Bahia e governos municipais”.

“O objetivo é traçar estratégias de ação conjunta a partir da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas e políticas estaduais equivalentes”, disse, em nota.

A pasta destaca que, em setembro, relançou o projeto Redeser, para combater a desertificação em áreas suscetíveis da Caatinga, que inicialmente funcionará nos municípios de Uauá e Sento Sé, na região do São Francisco.

A expectativa é de que mais de 13 mil hectares sejam geridos de forma sustentável, e o projeto deve atuar em 12 comunidades e alcançar 820 famílias de comunidades tradicionais de fundo de pasto nos dois municípios baianos, segundo o ministério.

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