Físico Herch Moysés Nussenzveig morre aos 90 anos no Rio

Professor emérito da UFRJ foi nome de destaque na elaboração e construção de centros de pesquisa no País; leia relato pessoal feito pelo cientista ao ‘Estadão’ há 10 anos

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Por Redação

Nome de destaque na ciência brasileira, o físico Herch Moysés Nussenzveig morreu no sábado, 5, aos 90 anos, na cidade do Rio de Janeiro. A morte foi comunicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), instituição em que foi professor emérito.

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“Ao longo da sua trajetória acadêmica, o docente participou ativamente da elaboração e construção de importantes centros de pesquisa, considerados relevantes para a pesquisa em física no Brasil”, apontou a universidade. O professor foi uma referência especialmente na área de óptica.

O velório estava marcado para a tarde deste domingo, 6, no Cemitério Vertical Memorial do Carmo, no Rio. O corpo será cremado.

Em nota, a instituição destacou diversos reconhecimentos recebidos pelo professor ao longo da carreira, como o Prêmio Max Born (1986), concedido pela Sociedade Óptica dos Estados Unidos, o Prêmio Álvaro Alberto em Física (1995), concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a categoria Grã Cruz (1995) da Ordem Nacional do Mérito Científico, concedido pelo MCT, e o Prêmio Jabuti (1999).

O professor foi membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) e da Sociedade Americana de Física, além de membro fundador da Academia de Ciências da América Latina (Acal), em 1982.

Ainda segundo a UFRJ, Nussenzveig se gradou em 1954 e, três anos depois, concluiu o doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (USP). Foi presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e membro da União Internacional de Física Pura e Aplicada (IUPAP, na sigla em inglês).

Físico participou de série especial do Estadão chamada 'Coisas que eu queria saber aos 21'.  Foto: Arquivo pessoal

Em 2012, o físico participou de uma série do Estadão chamada “Coisas que eu queria saber aos 21″. No especial, respondeu à pergunta com base em duas referências literárias e relembrou momentos marcantes da carreira. Leia a seguir o relato completo:

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“Sempre fui viciado em leitura: dois conselhos que dou para escolha de carreira (e para a vida toda) têm origem literária. O primeiro é do Gargantua de Rabelais, o dístico da sua utópica Abadia de Thélème: “Faça aquilo de que gostar.” O segundo é do Hamlet, dado por Polonius a Laertes: “Isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo.”

Segui ambos para minha escolha, aos 17 anos. Ganhei, num concurso de redação sobre o legado cultural da França, uma bolsa do governo francês para cursar um ano de qualquer faculdade. Uma das minhas paixões era a matemática; outra, o cinema. Optei pela primeira, e cursei Mathématiques Générales na Sorbonne, excelente formação básica. Em Paris, pude usufruir, mesmo com a bolsa modesta, de ótimos concertos, teatro e cinema.

De regresso a São Paulo, meu diploma francês foi reconhecido e ingressei na USP sem vestibular, no segundo ano de Física. No ano seguinte, veio para a USP, como refugiado do macartismo, o notável físico teórico David Bohm, com quem cursei física teórica e mecânica quântica.

Logo após meu bacharelado, Bohm emigrou para Israel, mas foi substituído por outro ilustre estrangeiro, Guido Beck, refugiado do nazismo. Beck adotou-me como discípulo e orientou meu doutorado em Física Teórica, defendido na USP mas realizado em parte já no Rio – onde ele pertencia ao CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Beck foi como um pai espiritual para mim.

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Como bolsista do CNPq, fiz na Europa dois anos de pós-doutorado, com estadias muito proveitosas em três excelentes centros de física teórica em Utrecht, Birmingham e Zurique. Regressando ao Brasil, fui promovido a professor titular do CBPF, mas a situação financeira do centro, que na época era instituição privada, tornou insustentável lá permanecer. Recém-casado e com uma filha de poucos meses, aceitei um convite de professor visitante na Universidade de Nova York.

O golpe militar inviabilizou o regresso ao Brasil. Após um ano em Princeton, sem perspectivas de fim da ditadura, prossegui a carreira como professor da Universidade de Rochester, onde permaneci mais dez anos. Denunciei, em artigo para a revista Science, as arbitrariedades dos militares contra os cientistas, que acabaram aposentando compulsoriamente 68 dos nossos mais ilustres professores. Em 1975, com o início da redemocratização, voltei com a família ao Brasil.

Na USP, fundei o Departamento de Física Matemática. Fui nomeado diretor do Instituto de Física contra minha vontade, porque não pude me dedicar como desejava ao departamento nem continuar dando aulas na graduação. Para compensar, dei início à redação de meus livros de física básica, publicados inicialmente em versão manuscrita, por falta de tempo para revisão de provas.

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No último ano de meu mandato, tomei conhecimento, por acaso, da conclusão inapelável do processo, iniciado por dois ex-ministros da Justiça da ditadura, que criou a casta dos “marajás da USP”. Eles aproveitaram um lapso da lei de 1963 que criou o regime de dedicação integral para restabelecer, quase 20 anos depois, um adicional aos que haviam ministrado um curso noturno naquela época.

Os efeitos em cascata pervertiam todo o sistema de reconhecimento do mérito acadêmico, chegando a igualar salários de auxiliares de ensino e professores titulares. Impossibilitado de manifestar de outra forma minha inconformidade, eu me demiti da USP e me transferi para a PUC-Rio.

Participando de uma comissão da Academia Brasileira de Ciências e da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), conseguimos restabelecer o Conselho Deliberativo do CNPq e a participação de cientistas nas decisões, cerceada nos anos de chumbo.

Depois de mais uma década na PUC, ingressei na UFRJ, onde, há 15 anos e já com 65 (bem depois dos 21!), acabei fazendo mais uma escolha de carreira, novamente baseada nos preceitos mencionados no parágrafo inicial. Criei e coordeno um laboratório de biologia e biofísica celular.

Nunca me arrependi das minhas decisões. Tive a sorte de sempre ter trabalhado – e continuar trabalhando – em temas que acho bonitos e fascinantes. Entre eles, a explicação completa de dois dos fenômenos visualmente mais belos da natureza, o arco-íris e a auréola, uma coroa de anéis coloridos em torno da sombra de um avião projetada nas nuvens. Vale a pena procurar vê-la!”

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