Uma nova era espacial já começou e deverá transformar cada vez mais as economias dos países e o cotidiano das pessoas nos próximos anos. Mas essa nova fase da exploração do cosmos – que os especialistas batizaram de New Space – é muito diferente da corrida espacial durante a antiga Guerra Fria. Se antes os atores principais eram os governos, movidos por interesses geopolíticos, agora os protagonistas são as empresas privadas, com foco no desenvolvimento econômico e tecnológico – e nos lucros.
Se a corrida espacial chegou ao ápice com a ida do homem à Lua e levou ao desenvolvimento de tecnologias que vão do GPS aos medidores de pressão sanguínea, do velcro ao código de barras e do laser às câmeras de celulares (mais informações nesta pág.), a nova fase deverá culminar com uma jornada a Marte. E promete avanços sem precedentes em áreas como robótica, computação, impressão 3D, engenharia alimentar e telemedicina, além de projetos espantosos, como foguetes para viagens comerciais que chegariam ao outro lado do mundo em menos de uma hora.
Segundo a astrônoma brasileira Duília de Mello, professora da Universidade Católica de Washington, que colabora com projetos da Nasa, a missão tripulada a Marte, anunciada em 2016 pelo ex-presidente americano Barack Obama como próximo objetivo do programa espacial dos EUA, funcionará como indutor de um modelo de gestão do programa espacial dos Estados Unidos, com foco em startups e investidores empresariais.
Ainda estamos muito distantes da chegada a Marte, porque há muita tecnologia a ser desenvolvida para isso e os investimentos teriam de ser imensos. Nem os Estados Unidos têm fundos para isso. Precisamos ser realistas. Mas desde o governo Obama se começou a pensar na iniciativa privada para assumir papéis importantes na indústria espacial. A Nasa já fazia muitas colaborações com empresas, mas agora isso é uma diretriz oficial”, disse ao Estado.
De acordo com o relatório Espaço Emergente, encomendado pela Nasa à consultoria Bryce Space em 2015, a tendência é de que a participação governamental nessas jornadas seja cada vez mais reduzida: a indústria espacial está se transformando rapidamente e a agência americana iniciou vários programas de parceria comercial para reduzir seus custos.
De acordo com Peter McGrath, diretor global de vendas da Boeing para assuntos relacionados à exploração do espaço, o papel das empresas no setor crescerá cada vez mais. “Somos parceiros da Nasa desde os primórdios da era espacial, mas, com um objetivo como a ida a Marte, os desafios e as oportunidades são muito maiores.”
O engenheiro espacial brasileiro Lucas Fonseca, fundador da startup Airvantis, uma das inúmeras empresas que já estão faturando com a nova era espacial, afirma que a iniciativa privada sempre teve participação importante nos programas espaciais, mas sua atuação era historicamente condicionada pelas demandas dos governos. “A indústria não tinha capacidade de propor um modelo comercial rentável e tomar a frente do processo. Isso mudou radicalmente nos últimos anos.”
Recursos
Entre 2000 e 2016, as startups espaciais atraíram investimentos de mais de US$ 16 bilhões e mais de 140 empresas espaciais foram fundadas e financiadas. A informação é de um relatório sobre os investimentos em startups espaciais, também elaborado pela Bryce a pedido da Nasa e publicado em 2017. Segundo o documento, só em 2000 três novas empresas da área eram abertas a cada ano. Atualmente, a média é de 17 novas empresas por ano. Desde 2013, os voos espaciais tripulados comerciais receberam investimentos privados de US$ 2,5 bilhões.A própria Nasa investiu outros US$ 5,7 bilhões em parceiros comerciais privados, para que desenvolvessem capacidade de assumir as tarefas. Em 2011, a indústria espacial americana já empregava 240 mil pessoas em milhares de empresas.
De acordo com Fonseca, a empresa que deu o pontapé inicial no novo modelo de gestão da exploração espacial foi a SpaceX, fundada em 2002 pelo magnata Elon Musk com o objetivo ambicioso de reduzir os custos das viagens espaciais e permitir a jornada para Marte. Musk já assumiu as missões de envio de carga à Estação Espacial Internacional que partem do território americano – e poderá enviar tripulantes à órbita da Lua ainda este ano, com seu novo foguete (mais informações na pág. A13).
“Além de tecnologias, a SpaceX desenvolve um modelo de negócios que tem foco em baratear as missões espaciais. Ele já reduziu em cinco vezes os custos de lançamentos, por exemplo.”
De acordo com Fonseca, a empresa que deu o pontapé inicial no novo modelo de gestão da exploração espacial foi a SpaceX, fundada em 2002 pelo magnata Elon Musk com o objetivo ambicioso de reduzir os custos das viagens espaciais e permitir a jornada para Marte. Musk investiu US$ 500 milhões na construção de veículos lançadores e, em 2008 a SpaceX foi a primeira empresa privada a enviar um foguete à órbita da Terra, o Falcon 1. Era só o início.
Em 2012, a SpaceX foi pioneira novamente, ao enviar sua nave Dragon à EEI, na primeira missão privada de envio de suprimentos e equipamentos para a estação espacial. Com o ônibus espacial da Nasa aposentado em 2011, a SpaceX assumiu as missões de serviço da EEI que partem do território americano. No dia 15 de dezembro, o foguete Falcon 9 enviou a nave Dragon para a décima terceira missão de serviço na estação internacional.
"Além de desenvolver tecnologias, a SpaceX desenvolve um modelo de negócios que tem foco em baratear as missões espaciais. Com um foguete que pousa na vertical - e por isso pode ser reutilizado em inúmeras missões -, ele conseguiu reduzir os custos dos lançamentos em cinco vezes. O preço para levar cargas ao espaço era de US$ 18 mil por quilo. Depois da iniciativa de Musk, o custo é de US$ 3,5 mil por quilo", disse Fonseca.
No dia 20 de dezembro, Musk publicou as primeiras fotos de seu mais novo foguete, o poderoso Falcon Heavy, que fará seus primeiros testes em janeiro de 2018. Em seguida, segundo Musk, o lançador será usado para enviar a nave Dragon com dois passageiros para órbita da Lua no fim de 2018.
Segundo Fonseca, Musk está mais preprardo para levar a humanidade a Marte que qualquer outra empresa - e no caminho para o Planeta Vermelho, inúmeras tecnologias serão desenvolvidas e transferidas para a vida cotidiana das pessoas.
"Ele desenvolve tecnologias de uma forma economicamente sustentável. E o retorno dastenologias espaciais para a sociedade é muito grande. A missão Apolo, na década de 1960, teve um retorno financeiro 14 vezes maior que o valor inicial investido", diz.
Magnatas do 'New Space'
Se a primeira era espacial levou ao desenvolvimento de tecnologias que hoje são utilizadas cotidianamente em todo o mundo, o New Space promete muito mais.
Musk está projetando, por exemplo, aplicar suas tecnologias de lançadores ao transporte de passageiros na Terra. Os passageiros embarcarão em uma plataforma marítima para tomar o foguete, que entrará em órbita e descerá em outra plataforma. O espantoso é que as viagens a pontos opostos do planeta irão durar menos de 50 minutos. O trajeto entre Nova York e Tóquio, por exemplo, será feito em 37 minutos. "Não será muito mais caro que uma viagem de avião. Os custos estão caindo rapidamente", disse Fonseca.
Mas a SpaceX não está sozinha. A Bigelow Aerospace, fundada pelo magnata do setor de hotelaria Robert Bigelow, investiu US$ 290 milhões - e pretende investir outros US$ 500 milhões - no projeto de desenvolvimento de estruturas espaciais infláveis habitáveis, para proporcionar um habitat para astronautas em grandes viagens.
Essas "barracas" espaciais de alta tecnologia começaram a ser testadas em 2016 na EEI. Caso os testes tenham bons resultados, Bigelow acredita que poderá investir na construção de estações habitáveis no espaço, como bases na Lua ou hotéis orbitais. Em colaboração com a Bigelow Aerospace, a Boing está desenvolvendo uma nave desenhada para transporte de carga e tripulação para a EEI e para o novo mercado espacial em gestação.
Enquanto isso, o presidente da Amazon, Jeff Bezos, criou a empresa Blue Origin, em 2000, com o objetivo de desenvolver serviços de transporte orbital e suborbital de baixo custo. Em 2013, lançou seu primeiro motor de foguete de oxigênio líquido e hidrogênio. Outro milionário, Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft, é dono da Scaled Composites, que investiu US$ 26 milhões no desenvolvimento de um novo veículo espacial, que começou a operar em 2014.
Ofundador do Grupo Virgin, Sir Richard Branson, fundou a Virgin Galactic e investiu US$ 100 milhões para fornecer voos suborbitais privados. E os exemplos se multiplicam: Masten Space System (foguetes reutilizáveis), XCOR Aerospace (veículos suborbitais), Sierra Nevada (veículos orbitais), Space Adventures (turismo espacial), Moon Express (mineração na Lua)...
A empresa de Fonseca - o único brasileiro a trabalhar na Missão Rosetta - uma sonda da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) que realizou um pouso inédito em cometa em 2014 - é responsável pela coordenação do projeto Garatéa-L, que incluirá a primeira missão de pesquisa brasileira à Lua.
Em parceria com a ESA, a Agência Espacial do Reino Unido e duas empresas britânicas, o projeto enviará um nanossatélite à órbita Lunar até dezembro de 2020. O objetivo é produzir imagens da Lua, desenvolver no Brasil a tecnologia para o funcionamento do nanossatélite e realizar experimentos biológicos que irão investigar a possibilidade de microrganismos sobreviverem a uma viagem espacial longa.
Mas Fonseca explica que o principal negócio da Airvantis é facilitar o acesso de outras empresas a experimentos científicos no espaço. Se uma empresa do setor agrário está pesquisando o poetencial de uma nova semente para ambientes áridos, por exemplo, realizar os estudos no ambiente de microgravidade da EEI é muito mais rápido. "Temos um grupo científico que faz uma consultoria junto ao setor de pesquisas das empresas, para mostrar a elas que é acessível enviar um experimento à EEI", explicou Fonseca.
Atualmente, todos os experimentos em microgravidade são enviados pela Airvantis exclusivamente para a EEI. Mas, segundo Fonseca, no contexto da nova era espacial o negócio tem grande potencial de expansão no futuro.
"Logo haverá muitas estações espaciais privadas. Há empresas que desenvolveram módulos infláveis muito mais fáceis de manter no espaço do que as estruturas atuais - e em breve montarão suas próprias estações", disse.
Corrida espacial trouxe inovação para a vida na Terra
A disputa entre americanos e soviéticos impulsionou a descoberta de novas tecnologias que hoje têm impacto na vida cotidiana:
Membros artificiais: Para controlar remotamente os veículos espaciais, a Nasa investiu em robótica, e essa tecnologia foi adaptada para a produção de membros artificiais.
Purificador de água: A Nasa desenvolveu sistemas que convertem água resultante da respiração, suor e urina em uma versão potável. A tecnologia é aplicada em áreas onde há calamidades humanitárias.
Velcro: Em um ambiente sem gravidade, os objetos dos astronautas flutuavam soltos pela nave. O velcro solucionou o problema: bastava prender as coisas nas paredes. Hoje, o velcro tem uso diverso.
Comunicação por satélite: Antes dos astronautas irem ao espaço, satélites faziam voos não tripulados ao redor da Terra. Essa tecnologia é crucial para o uso atual de celulares, TVs e GPSs.
Alimentos: Para alimentar os astronautas, a Nasa desenvolveu técnicas de congelamento e desidratação de alimentos que são amplamente usadas na indústria alimentícia.
Pneus: Nos anos 1970, a Nasa se associou à Goodyear para desenvolver fibras mais fortes que o aço para o tecido de paraquedas. Pneus resistentes hoje têm essa fibra