Missões secretas são a nova tendência da exploração espacial e preocupam cientistas; entenda por quê

AstroForge, empresa de mineração de asteroides, planeja missão para asteroide ‘secreto’ e é o caso mais recente dessa tendência

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Por Jonathan O'Callaghan

THE NEW YORK TIMES - Por gerações, a maioria das missões espaciais ocidentais tem ocorrido de forma transparente. Sabíamos para onde estavam indo, por que estavam indo e o que planejavam fazer. Mas o mundo está à beira de uma nova era em que interesses privados superam essa transparência, com grandes somas de dinheiro potencialmente em jogo.

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Em algum momento no próximo ano, uma nave espacial da AstroForge, uma empresa americana de mineração de asteroides, pode ser lançada em uma missão para um objeto rochoso próximo à órbita da Terra. Se bem-sucedida, será a primeira missão espacial profunda totalmente comercial além da Lua. No entanto, o asteroide alvo é um segredo.

A missão secreta a um asteroide é o mais recente caso de um tendência emergente que astrônomos e outros especialistas não veem com bons olhos: missões espaciais comerciais conduzidas secretamente. Tais missões evidenciam lacunas na regulamentação dos voos espaciais, bem como preocupações sobre se a exploração do cosmos continuará a beneficiar toda a humanidade.

“Eu não sou a favor de ter coisas vagando pelo sistema solar interno sem que ninguém saiba onde estão”, disse Jonathan McDowell, um astrônomo do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica em Massachusetts. “Parece ser um precedente ruim a estabelecer.”

Mas, para a AstroForge, o cálculo é simples: se revelar o destino, um concorrente pode capturar os metais valiosos do asteroide primeiro. “Anunciar qual asteroide estamos mirando abre o risco de que outra entidade possa apoderar-se desse asteroide”, disse Matt Gialich, o diretor executivo da AstroForge.

Módulo lunar Nova-C da Intuitive Machines nas instalações da empresa AstroForge, que será usada na missão Odin que tem alvo secreto. Foto: Brandon Thibodeaux/The New York Times

Mineração de asteroides

A mineração de asteroides entrou em declínio nos últimos anos, depois que duas startups que propunham prospectar o Sistema Solar encerraram as atividades no final da década de 2010. No entanto, agora várias empresas nos Estados Unidos, Europa e China estão tentando novamente esse empreendimento. Até mesmo um comitê do Congresso americano realizou uma audiência sobre o assunto em dezembro.

O renascimento é impulsionado por uma nova onda de exploração espacial comercial, liderada principalmente pela SpaceX, a empresa fundada por Elon Musk, que utiliza propulsores de foguetes reutilizáveis e reduziu o custo de alcançar o espaço.

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Com o aumento dessa atividade, também aumenta o nível de sigilo. Em 2019, a sonda lunar comercial Beresheet, construída por Israel, falhou ao tentar pousar na Lua. A bordo, mantido em segredo até depois da tentativa de pouso fracassada, havia alguns milhares de tardígrados, animais microscópicos fornecidos pela fundação sem fins lucrativos Arch Mission. O acidente levantou preocupações sobre a contaminação potencial da Lua por essas resistentes criaturas e levou a uma investigação da Administração Federal de Aviação dos EUA.

Membros do grupo israelense SpaceIL e representantes da Israel Aerospace Industries (IAI) tiram uma selfie em frente a um modelo da espaçonave Beresheet Foto: AMIR COHEN/REUTERS

Mais recentemente, a empresa de voos espaciais suborbitais Virgin Galactic tem retido as identidades das pessoas a bordo de sua nave espacial até depois que as missões são concluídas, uma prática nunca vista antes nos voos espaciais tripulados. E alguns satélites que viajam junto com outros equipamentos orbitais em missões de compartilhamento, conhecidas como missões de compartilhamento de carona, também foram mantidos em segredo.

“Estamos vendo lançamentos frequentes nos quais não sabemos quais são os satélites implantados até algum tempo depois”, disse McDowell, que mantém um banco de dados público de espaçonaves em órbita.

Convidados assistem a uma transmissão ao vivo que mostra turistas especiais dentro do avião movido a foguete Unity 22 da Virgin Galactic Foto: Andrés Leighton/AP

Sem restrições legais

Para missões além da Terra, não existem restrições legais contra manter em segredo o destino no espaço profundo, como a AstroForge pretende fazer, afirmou Michelle Hanlon, professora de Direito especializada em assuntos espaciais na Universidade do Mississippi. “Não temos um processo real para missões no espaço profundo como essa”, disse ela, porque “não há um processo de licenciamento” nos Estados Unidos.

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No entanto, questões complexas podem surgir se, por exemplo, vários mineradores de asteroides chegarem ao mesmo asteroide. “Deve haver algum tipo de transparência aqui”, disse McDowell. Ele observou que, embora haja uma exigência das Nações Unidas para que agências espaciais e empresas revelem suas órbitas e trajetórias no espaço, “isso geralmente é ignorado para objetos em órbita solar”. A falta de penalidades, acrescentou ele, “deveria suscitar discussões entre os reguladores”.

A missão da AstroForge, chamada Odin, seria a segunda espaçonave que a empresa enviou ao espaço. Sua primeira missão, em abril, chamada Brokkr-1, era uma máquina do tamanho de um forno de micro-ondas, pesando cerca de 11 kg. O objetivo dessa missão era praticar a refinação de metais no ambiente do espaço. No entanto, a empresa anunciou em 11 de dezembro que a espaçonave encontrou problemas. A AstroForge está em uma “corrida contra o tempo” para fazer com que o Brokkr-1 funcione antes que seja perdido.

Por outro lado, Odin é muito mais pesado, com cerca de 100 kg. A AstroForge planeja que ele seja carregado como carga secundária em uma missão robótica à Lua em 2024 pela empresa Intuitive Machines, patrocinada pela agência espacial americana, a Nasa, e lançada em um foguete SpaceX Falcon 9. A data de lançamento ainda não foi definida.

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Durante a jornada até a Lua, o plano é que Odin seja liberada e se aventure no espaço profundo além da órbita lunar. Dentro de um ano, segundo a AstroForge, a espaçonave passará pelo asteroide misterioso, tirando fotos e procurando evidências de metais.

A AstroForge está mirando em um asteroide suspeito de ser do tipo M. Acredita-se que esses asteroides sejam fragmentos de núcleos planetários que falharam e podem ser ricos em metais valiosos do grupo da platina, que têm uma ampla gama de usos, incluindo na área da saúde e em joias.

Nenhuma espaçonave jamais visitou um asteroide desse tipo antes, embora a missão Psyche da Nasa, lançada em outubro, esteja em uma missão para um potencial asteroide do tipo M, também chamado Psyche, entre Marte e Júpiter. No entanto, ela só chegará em agosto de 2029, proporcionando à AstroForge a oportunidade de ser a primeira a visitar um objeto desse tipo.

Até agora, a AstroForge arrecadou US$ 13 milhões de investidores. Uma missão completa de mineração exigiria um investimento muito maior. No entanto, há riquezas a serem conquistadas se a empresa for bem-sucedida. Na Terra, os metais que podem estar nos asteroides do tipo M podem ser difíceis e caros de minerar. Por exemplo, o irídio é vendido por milhares de dólares por onça (unidade de medida de massa, que equivale a 28,34 gramas).

A espaçonave Psyche da Nasa é mostrada em uma sala nas instalações de Operações Espaciais da Astrotech, perto do Centro Espacial Kennedy da agência espacial americana, na Flórida Foto: Ben Smegelsky/Nasa

Minerais do espaço na Terra

O caso comercial para extrair metais de asteroides nem sempre foi claro. É difícil e caro trazer material de volta para a Terra; a missão OSIRIS-REx da Nasa, por exemplo, retornou apenas cerca de meio quilo de material de um asteroide chamado Bennu em setembro, a um custo estimado de US$ 1,16 bilhão.

A AstroForge está confiante em suas perspectivas financeiras. “Esperamos poder retornar materiais com uma margem elevada”, disse Gialich. “Criamos nosso modelo de negócios aproveitando caronas e parcerias para tornar cada missão o mais economicamente viável possível.”

Akbar Whizin, um cientista planetário do Southwest Research Institute, disse que entende a motivação para manter o asteroide em segredo. Ele trabalhou anteriormente para a Planetary Resources, uma startup de mineração que nunca chegou a asteroides, e também era discreta sobre seus alvos. “É uma empresa comercial”, disse ele. “Você não sairia dizendo às pessoas: ‘Eu sei onde está o ouro’”.

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Mas alguns cientistas acham que os mineradores de asteroides deveriam ser mais transparentes sobre o que estão procurando. Asteroides do tipo M oferecem à humanidade uma janela para o caótico início do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos, quando objetos frequentemente colidiam e os planetas nasceram. Isso significa que qualquer coisa que a AstroForge descobrir pode ter valor científico, disse Stephanie Jarmak, uma cientista planetária do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian.

“Sou bastante a favor da ciência aberta”, disse Stephanie, também cientista do projeto para o Nasa Science Explorer. “Não visitamos um asteroide do tipo M antes, então há muito o que podemos aprender.”

Isso pode incluir “ideias sobre os processos de aquecimento que estavam ocorrendo no início da história do Sistema Solar”, disse Andy Rivkin, um astrônomo do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, que liderou a missão Dart da Nasa para impactar um asteroide em setembro de 2022, com o objetivo de treinar uma estratégia para defender o planeta.

“Nunca conseguiremos chegar ao núcleo da Terra”, disse ele. “Portanto, visitar esses tipos de objetos nos dará informações que poderíamos extrapolar para aprender mais sobre a Terra e aplicar isso a diferentes planetas.”

Benjamin Weiss, um cientista planetário do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e o investigador principal adjunto da missão Psyche, disse que a verdadeira natureza dos asteroides do tipo M ainda não está clara. Embora sempre tenha sido a “suposição principal” que esses asteroides eram metálicos, ele disse que não tínhamos certeza.

Em 2010, a sonda espacial Rosetta da Agência Espacial Europeia (ESA) passou pelo asteroide Lutetia. Os cientistas descobriram que ele não era tão metálico quanto se pensava. Isso tornaria qualquer descoberta da AstroForge ainda mais valiosa, disse Weiss.

Gialich disse que a AstroForge seria transparente, exceto quanto ao asteroide em si. “Não estamos mantendo nossa missão em segredo”, disse ele. “Planejamos compartilhar as imagens.”

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Destino da AstroForge

Embora a AstroForge não revele seu asteroide-alvo, pode ser possível deduzir para onde a empresa está indo.

Existem cerca de 30 mil asteroides conhecidos próximos à Terra, proporcionando à AstroForge muitos alvos potenciais. No entanto, a empresa afirmou que seu alvo tem menos de 100 metros de tamanho e é alcançável dentro de um ano após o lançamento. Isso significa que ele deve cruzar ou pelo menos passar próximo à órbita da Terra. O asteroide também é suspeito de ser do tipo M, mais brilhante do que outros asteroides devido ao seu potencial conteúdo metálico.

Segundo Mitch Hunter-Scullion, CEO da Asteroid Mining Corp., uma potencial concorrente da AstroForge no Reino Unido, essas pistas reduzem a lista de possíveis alvos para “aproximadamente 300 asteroides”.

Stephanie refinou ainda mais os possíveis alvos, levando em consideração o brilho e o tamanho. “Temos uma lista de 14 objetos”, disse ela.

Dentre esses, o objeto 2010 CD55 é particularmente promissor, com cerca de 82 metros de diâmetro, razoavelmente brilhante - indicando um conteúdo metálico potencial - e acessível a partir da Terra no prazo do lançamento da AstroForge.

Gialich não confirmou nem negou essa sugestão. “Não queremos confirmar publicamente nosso asteroide-alvo”, disse ele.

Mais de um alvo

Ele acrescentou que havia vários alvos que a AstroForge estava considerando. “Estamos acompanhando ativamente vários asteroides que seriam viáveis para nossa missão Odin caso nossa data de lançamento seja adiada”, disse ele.

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Mesmo que o asteroide não possa ser identificado antes do lançamento, McDowell observou que pode ser possível para astrônomos amadores na Terra rastrearem a espaçonave após ela chegar ao espaço e descobrirem para onde ela está indo.

“Há algumas questões práticas”, disse ele. “Mas certamente acredito que haverá interesse em rastreá-la.”

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