Neurocientista explica por que vida moderna está matando os sonhos: ‘Não resta nada para imaginação’

Curador de nova exposição sobre o tema no Museu do Amanhã, no Rio, Sidarta Ribeiro afirma que as novas gerações serão menos criativas por não acessarem o próprio inconsciente em busca de novas ideias

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Foto do author Roberta Jansen

Somos descendentes de grandes sonhadores, mas estamos abrindo mão desse mecanismo neurobiológico crucial para nossa sobrevivência como espécie. Na sociedade atual, dormimos pouco, sonhamos menos e, mesmo quando sonhamos, raramente entramos em contato com a matéria onírica criada por nossas mentes. Se os antigos se guiavam pelos sonhos, os contemporâneos mal se lembram deles ao despertar, alerta o neurocientista Sidarta Ribeiro.

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Os sonhos alimentam a criatividade, são a principal fonte de novas ideias, o espaço para a imaginação. Sem eles, segundo ele, estamos condenados a uma existência estéril, literal, sem muito espaço para metáforas. Poesia, Literatura e Filosofia – todas as atividades que demandam uma mente mais acostumada a símbolos e signos – estão em risco quando abrimos mão dos sonhos.

“Nosso modo de viver impede que entremos em contato com o sonho, seja como memória, seja como narrativa”, afirmou o neurocientista em entrevista ao Estadão. “Acordamos atrasado, com o celular na mão, e não nos lembramos do que sonhamos e, muito menos, conseguimos contar o sonho para outras pessoas e interpretá-lo.”

Imagem da exposição Sonhos, no Museu do Amanhã, com curadoria do neurocientista Sidarta Ribeiro Foto: Albert Andrade/Museu do Amanhã

Mas o que é exatamente o sonho? Trata-se “de um simulacro da realidade feito de fragmentos de memória” ou ainda “imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar”, segundo algumas definições de Sidarta no livro O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, de 2019. Essa foi a obra que inspirou a exposição Sonhos: história, ciência e utopia, em cartaz no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, até 27 de abril.

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Há registros em pinturas rupestres que já podem ser interpretados como relatos de sonhos. Mas as evidências históricas mais antigas remontam ao próprio início da civilização. Todas as grandes culturas da Antiguidade apresentam referências ao fenômeno onírico em cascos de tartaruga, tabletes de barro, paredes de templos ou papiros.

Uma das funções mais frequentemente atribuídas aos sonhos no passado era a de oráculo capaz de desvendar o futuro, determinar presságios, ler a sorte e adivinhar o desígnio dos deuses. Os sonhos eram levados muito a sério na Grécia Antiga e também em civilizações anteriores, como no Egito e na Mesopotâmia.

Sigmund Freud levou a interpretação dos sonhos a outro patamar ao criar uma nova psicologia calcada nos relatos oníricos e na livre associação de ideias. Para Freud, os sonhos são a “via régia” para acessar o inconsciente.

Segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), a população brasileira está dormindo cada vez menos. A média recuou de 6,6 horas por noite, em 2018, para 6,4 horas por noite, em 2019. Salvo raras exceções, o mínimo recomendado de sono é de 7 a 8 horas por noite.

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Do ponto de vista fisiológico, a falta de sono frequente tem várias consequências: prejudica a memória, a concentração, o desempenho intelectual e até o humor. A longo prazo, pode colaborar para o surgimento de problemas como diabete, obesidade, pressão alta e Alzheimer.

“Há um descrédito crescente do sonho como fonte de conhecimento. Nas sociedades antigas e entre os povos originários, os sonhos são uma importante fonte de conhecimento, uma espécie de portal para entrar em contato com saberes não dominados pelo sonhador”, afirma Sidarta.

Celular gigante e onipresente: imagem da exposição Sonhos, no Museu do Amanhã, com curadoria do neurocientista Sidarta Ribeiro Foto: Albert Andrade/Museu do Amanhã

Do ponto de vista psicológico, a falta de sono (e de sonhos) tem outras consequências igualmente graves.

“Perdemos contato com nosso mundo interior”, diz ele. “Os sonhos são um portal privilegiado de contato do consciente com o inconsciente. São eles que trazem as imagens oníricas para o consciente. Sem eles, estamos navegando sem bússola. Os sonhos são um mecanismo sofisticado de detecção de pistas importantes, resgatadas do inconsciente.”

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Além disso, segundo o neurocientista, os sonhos são o principal espaço para a criatividade. “As ideias novas são filhas das ideias velhas, recombinadas, misturadas. Nos sonhos, temos a liberdade de misturar ideias que, na vigília, não andam juntas, gerando novas ideias.”

A insônia é o extremo disso. “A preocupação é tão excessiva que impede você de viajar ao mundo interior”, explicou o neurocientista. “O mundo exterior mantém você preso a ele: sobretudo hoje, em que o trabalho invade o espaço privado, matando os sonhos.”

Além de dormirem cada vez menos, os brasileiros passam nada menos que 9h13 por dia em frente à tela do computador ou do celular. Segundo o relatório Digital 2024, produzido pelas ONGs We are social e Meltwater, o Brasil só perde em tempo de tela para a África do Sul, onde a população passa 9h24 conectada por dia.

“Já acordamos olhando para uma tela”, destaca Sidarta. “Em que momento nossos filhos se sentirão entediados, sem estímulos externos, para se voltarem para seu mundo interior? Com a ocupação de todo o nosso espaço mental com imagens prontas, não resta nada para a imaginação.”

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Para o neurocientista, a estrutura psíquica das novas gerações já está sendo afetada. “Elas serão extremamente literais porque o espaço da metáfora, da alegoria, da poesia, da filosofia, está sendo drasticamente reduzido”, prevê.

“Certamente também serão não leitores. Meus alunos da graduação - jovens de 20, 21 anos, já da geração do smartphone - têm muita dificuldade de concentração. Não conseguem ler uma página inteira. E estudos feitos no meu laboratório mostram que, na nossa sociedade, a leitura é fundamental para desenvolvermos um discurso mais complexo. Quem lê mal e muito devagar não tem prazer na leitura, não embarca na imaginação.”

Em sua primeira experiência como curador de uma exposição, Sidarta criou experiências imersivas e sensoriais para materializar os temas. A mostra tem início com uma instalação labiríntica que mostra a importância dos sonhos em diversas culturas originárias.

Sonhos eram valorizados pelas gerações antigas Foto: Albert Andrade/Museu do Amanhã

Uma segunda parte, interativa, mostra as fases do sono e o impacto das telas no nosso cotidiano. A exposição termina com uma galeria sobre o sonho como utopia, em que o ativista americano Martin Luther King, o educador Paulo Freire e o sindicalista Chico Mendes, entre outros grandes sonhadores, são homenageados.

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Para quem quiser explorar os próprios sonhos, Sidarta dá algumas dicas:

  • Autosugestão antes de dormir: já deitado na cama, durante um minuto, repetir a frase: “vou dormir, sonhar e relatar”
  • Ao acordar, o sonhador deve ficar imóvel na cama, tentando lembrar do sonho. Em seguida gravar ou anotar.
  • Adotar um “sonhário”, uma espécie de diário dos sonhos, e anotar as experiências oníricas diariamente
  • Compartilhar: contar os sonhos para amigos, parentes, psicanalista, ajuda na interpretação
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