A obra desmesurada de Reverón, recriador da pintura tropical

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Por Redação
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Se Vermeer pintou interiores com janelas que não permitem abertura ao mundo exterior, Reverón pintou exteriores que impossibilitam a volta a um espaço comum de convivência no interior da sociedade. Esquizofrênico, sua obra traduz não só o impacto da luz tropical sobre a pintura como a necessidade de criar um abrigo contra a invasiva curiosidade social. Ele se chamou El Castillete, em Macuto, uma casa de madeira com teto de palha que lhe serviu de morada até a última de suas crises psicóticas, em 1953, quando foi internado numa clínica em Caracas. É possível ver na exposição de Brasília tanto fotos de El Castillete, destruído por um tufão caribenho, como imagens do pintor retornando ao estado primitivo, para desenvolver uma percepção da natureza não contaminada pelo olhar urbano.Impressionam essas fotos que mostram a transformação de Reverón, nascido numa família de posses, mas disfuncional. Com a separação dos pais, foi instruído pelo avô materno, revelando desde cedo vocação para o desenho. Em 1911, aos 22 anos, Reverón partiu para a Europa com uma bolsa para estudar pintura, passando inicialmente por Barcelona e depois por Madri, onde viu de perto a pintura de Goya que tanto o comoveu, a ponto de adotar uma cartola preta goyesca e pintar vários autorretratos com ela na cabeça (Goya fez o mesmo para retratar de forma satírica a sociedade de sua época).Essa cartola, que também é a dos mágicos, está presente na mostra em dimensões gigantescas, representação simbólica da imersão de Reverón num mundo mágico em que tudo (das roupas aos pincéis) deve ser reconstruído segundo a lógica de um artista que nega não só a linguagem pictórica herdada dos europeus como seus costumes. Em 1921, quando Reverón se refugia em Macuto, ainda pintava como os impressionistas, usando preferencialmente a cor azul e uma fatura um tanto espessa. Três anos depois, quando decide abdicar dessa herança, começam a surgir suas pinturas brancas que caminham para a abstração, como atesta uma paisagem da costa caribenha de 1934 em que mal se percebe o contorno das figuras.Na fase final, entre 1936 e 1949, sua pintura fica mais introvertida, crescendo o número de nus e autorretratos após ser internado em 1945 (há na mostra um magnífico autorretrato com cartola, de 1948). De 1948 até sua morte, diminui a produção pictórica, mas sua despedida tem duas obras-primas que estão em Brasília: o carvão Batismo (1948) e a pintura Cruz de Maio (1948), uma fantasmagoria digna de Goya.

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