Casa em favela de Belo Horizonte é favorita em concurso mundial de arquitetura

Criada por um coletivo de arquitetos, residência instalada em uma viela íngreme participa da disputa internacional da ArchDaily

PUBLICIDADE

Por María Angélica Troncoso
Atualização:

EFE - Uma casa modesta em uma favela brasileira aspira a ser escolhida a melhor casa do mundo em um renomado concurso internacional de arquitetura e também busca demonstrar que é possível ter condições de moradia de qualidade em um bairro pobre.

O barraco, como são popularmente chamadas as casas das comunidades mais pobres do país, foi indicado pelo Archdaily, principal portal de arquitetura do mundo, para o concurso (Building of the Year 2023), no qual concorre com mansões esplêndidas e caras - veja no site archdaily.com. A votação da primeira etapa termina nesta quarta, 15. Depois disso, cinco projetos por categoria passarão para a fase de finalistas (veja os selecionados, incluindo a casa brasileira), começando em 15 de fevereiro e terminando em 23 de fevereiro.

Sem frescuras e praticamente se misturando com o entorno, a “casa do pomar do cafezal” fica em uma estrada de terra, em uma viela íngreme no Aglomerado da Serra, nos arredores de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais.

Casa no Pomar do Cafezal, em Belo Horizonte, criada pelo Coletivo Levante e agora concorre a um prêmio do site Archdaily. Foto: Leonardo Finotti / fernando maculan | 2020

PUBLICIDADE

A casa foi construída com os mesmos materiais com que foram construídas as casas deste gigantesco complexo de favelas, que em meio a suas ruas estreitas abriga cerca de 100 mil habitantes.

A fachada de tijolo e cimento não é pintada, as tubulações de água são externas, assim como as ligações elétricas, e suas janelas são de ferro, como as das casas vizinhas.

É uma casa que pode ter um custo muito parecido com as demais da favela, mas a diferença está na forma como os elementos foram utilizados, com especificações de projeto e técnicas construtivas que permitiram a criação de um espaço eficiente e com qualidade ambiental.

O projeto foi dirigido e assinado pelos arquitetos Fernando Maculan e Joana Magalhães, integrantes do Levante, coletivo de voluntariado em favelas e que reúne diversos profissionais como engenheiros, eletricistas, paisagistas e designers, além de estudantes.

Publicidade

Essa iniciativa compartilha o conhecimento e a experiência adquiridos com as pessoas das comunidades, cujos aprendizados têm sido essenciais para os responsáveis pelo projeto. “Temos que aprender com eles, ouvi-los muito para construir as perspectivas que eles têm”, disse Maculan à EFE.

As fotos da casa que estavam na conta do arquiteto em uma rede social foram vistas pela equipe do Archdaily, que primeiro publicou o projeto em seu portal e depois o selecionou para o concurso.

Imagem da sala da casa no Pomar do Cafezal. Foto: Leonardo Finotti

Agora, a casa simples convive com mansões luxuosas e modernas que também disputam o título de melhor do mundo e espera continuar somando votos no portal até o dia 15 de fevereiro, quando termina o prazo.

Estrutura

A casa, que tem uma área de 66 metros quadrados e dois níveis, fica sobre uma forte estrutura cujas fundações também ajudam a sustentar outras casas.

PUBLICIDADE

Suas paredes foram construídas com tijolo vazado usado na horizontal, uma mudança sutil que virou a fachada de cabeça para baixo e trouxe benefícios adicionais.

“Por serem horizontais, dão forma a uma parede mais larga e com maior inércia térmica, o que se traduz em um ambiente que vai demorar mais a aquecer quando há temperaturas elevadas e a preservar um pouco mais o clima interno quando está frio,” explicou o arquiteto.

Algo semelhante é visto com o desenho de janelas e portas que, além de permitir a entrada de luz natural e dar mais luminosidade ao ambiente, geram ventilação cruzada que resfria o ambiente. Já as tubulações externas de água ajudam a evitar vazamentos.

Publicidade

A casa foi construída com os mesmos materiais usados pelas construções locais, o que variou foi o conceito.  Foto: Leonardo Finotti

Dificuldades

Tirar o projeto do papel, no entanto, envolveu algumas dificuldades.

A casa, que poderia ter sido concluída em seis meses, levou dois anos - começou em 2018 e terminou em 2020 - e teve um custo final de R$ 150 mil, valor superior ao esperado pela necessidade de reparar algumas obras danificadas pelas chuvas.

Kdu dos Anjos, líder comunitário da favela e proprietário, é o maior vencedor com este projeto.

Nascido e criado naquela comunidade, junto com Maculan promoveu a formação do coletivo Levante que tornou seu sonho em realidade.

Com dois cachorros, um gato e 60 plantas, o artista não só se sente abençoado por sua casa e pelo que ela representa, como também agradece pelo projeto ajudar a mostrar uma outra face de sua favela.

“Geralmente querem falar de violência, de tiroteios, de morte e agora falamos exatamente do contrário, da vida, da esperança, da criatividade e do empreendedorismo”, disse à EFE.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.