Como o MAC-USP pode continuar a ser o templo da experimentação

A crítica e curadora Sheila Leirner analisa o papel e a história de um dos mais importantes museus universitários da América Latina

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Por Sheila Leirner
Atualização:

Quando saiu o belo Perfil de um Acervo, livro primorosamente organizado por Aracy Amaral, com o qual colaborei em 1988, época em que Ana Mae Barbosa era diretora do MAC-USP, jamais teria imaginado que aquele museu – de certa maneira “intimista” mas fundamental na vida cultural e artística de três gerações – alcançaria o colosso do espaço em que se encontra agora, e a formação de uma das coleções modernas mais extraordinárias da América Latina.

Com apenas pouco mais de meio século, o MAC passa do campus e do pequeno “anexo” do prédio histórico, com forte personalidade, da Bienal, para um lugar autônomo de 12 mil m² que – como o pavilhão do Ibirapuera – também não foi originalmente projetado por Oscar Niemeyer para conter arte. E que, além de ainda se manter na memória dos paulistanos como local de vistoria e inspeção de veículos desde os anos 60, não está mais no verde e sim – apesar da rampa que o liga ao parque – categoricamente instalado na paisagem urbana de São Paulo.

Hugo Segawa é o novo diretor do MAC 

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Dentro destas novas condições, como dar continuidade à vida de uma instituição “eclesiástica” (cuja “Igreja” é a Universidade), manter a sua especificidade museológica, laços internacionais, função didática e criar a necessária competitividade com as instituições “laicas”? Como atrair e formar novos públicos? Como continuar a ser o “templo” da experimentação e da vanguarda que tão bem representou até hoje e sobretudo nos anos 70, quando foi dirigido pelo inesquecível professor Walter Zanini? Ele que não só nos fez descobrir a arte contemporânea como nos colocou em contato com os grandes centros do mundo e seus principais atores.

Hugo Segawa, o novo diretor que sucede Lisbeth Rebollo Gonçalves e Tadeu Chiarelli nos anos 2000, tem uma vantagem e um desafio: a vantagem reside no fato de ser arquiteto, quando é com espaço e tempo que terá que lidar. O desafio está em solver, se possível de maneira também fenomenológica, intuitiva e humana, o dilema contemporâneo do “Fórum X Templo”, em que as atividades públicas coletivas – culturais, de lazer e consumo – devem coexistir com o silêncio da contemplação individual. Estender o papel da simples apresentação museográfica da coleção ou de exposições temporárias às práticas de uma instituição flexível.

O MAC tem agora a oportunidade de evoluir em ambiente versátil, onde as artes visuais possam interagir com outras áreas de criação como teatro, música, cinema, literatura, dança, e onde os artistas possam se sentir completamente “em casa”, graças à presença de ateliês, por exemplo. Deve ser pensado como um museu para a segunda metade do século 21, resolutamente dirigido à vídeo-arte, à mídia-arte e às novas formas de comunicação pela web. Além de sua invejável coleção, deve se enriquecer, inclusive, de obras concebidas unicamente para internet.

O novo diretor possui a seu favor o espaço, representado pela possível neutralidade de um prédio artisticamente virgem. Ao contrário dos museus “de autor”, o novo edifício é livre. Talvez seja justamente o museu contemporâneo ideal, aquele que todo conservador pode almejar: maleável e polivalente; não se impõe como “modelo” arquitetônico.

O tempo, também a seu favor, é representado pela identidade que o MAC adquiriu desde os seus primórdios e que, ao contrário da maior parte dos museus brasileiros que conhecemos, não foi construída artificialmente, de cima para baixo, por meio de “boas intenções” ou da “ilusão da necessidade”. Através de suas diversas gestões, este museu fabricou a sua personalidade de acordo com as próprias vicissitudes. Sempre foi o artesão da própria existência. Tudo parece sinal de bom augúrio à nova era que se abre a ele.

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