Há alguns anos, em um fim de tarde, com Contardo Calligaris, ficamos discutindo qual seria o pior pecado capital. Sim, nossos encontros esbarravam em questões assim. Éramos estranhos...
Eu fui mais ortodoxo: havia os erros de falta (como a avareza, que é caridade escassa) e os erros de excesso (como a gula, que é ausência da moderação e do sacrifício). Indiquei aqueles que impediam o olhar correto (como a inveja) e outros que expandiam o desejo (como a luxúria). Era uma leitura agostiniana a minha: só existe o amor; o pecado é, sempre, uma falta ou desvio do único sentimento real.
A vaidade é o primeiro e mais profundo pecado. Foi o erro de Lúcifer: achou-se belo, imaginou-se Deus. Segundo uma tradição fora dos textos canônicos, recusou-se a prestar homenagem a Adão, recém-criado. Caiu do céu como um raio.
Na verdade, eu iria além. A vaidade é o único pecado. Tudo deriva dela. A ira é quando eu acho que meus direitos foram desrespeitados. A base de toda irritação é vaidade: “Como foram ele ou ela capazes de fazer isso comigo?”. Pessoas verdadeiramente humildes não são atacadas de ira. Toda briga de bar ou política (hoje isso é indistinto) tem na base uma vontade de poder absoluto e respeito total. A ira é orgulhosa, assim como todos os outros defeitos.
Calligaris ouviu meus exemplos históricos e teológicos. Citou Lacan aqui e ali. A conversa tomou outro rumo. A tristeza era o pior pecado para meu terapeuta italiano. Hoje, chamamos de preguiça, porém, na origem, ele lembrava, falava-se em melancolia. Só depois a melancolia virou preguiça. Santo Tomás usava o termo acídia: uma tristeza que nos provoca pesar. Como paixão, não é boa nem má. Pode ser positiva quando nos deprimimos diante do erro e do pecado. Fica equivocada se analisamos os bens espirituais.
Contardo explicou-se. O Evangelho é, em grego, a “Boa-Nova”. Sou amado por Deus, e Ele me oferece o tesouro dos ensinamentos de Jesus. Mais: a Segunda Pessoa da Trindade deu sua vida por mim. Todos os dias, o sol se ergue sobre a criação, e sou chamado a fazer parte dela. Tenho uma alma imortal e faço parte de um plano universal do Criador. Em tempo: a teologia clássica desconhecia a depressão como doença.
Contardo não era religioso, mas era italiano. O cheiro de incenso estava nas pedras da sua Milão natal. Eu o chamava de “anarquista melancólico”. Não sei se é o pior pecado, mas sinto tristeza – ainda hoje – pela perda do meu amigo Calligaris.
Contra a tristeza pecaminosa, recomendo exercitar a virtude teologal da esperança. l