Viva la Vida e a habilidade pop

Coldplay e Brian Eno enchem novo CD de cobertores felpudos de guitarras, órgãos, violinos e pérolas

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Na tarde de sexta-feira, uma das maiores bandas de pop rock da atualidade, a britânica Coldplay, abriu inteiramente seu novo disco, Viva la Vida or Death and All His Friends (EMI) para que os fãs pudessem ouvir na internet. É a segunda banda-colosso que toma atitude semelhante - a diferença é que os também britânicos do Radiohead fizeram isso para vender música diretamente ao ouvinte, e os Coldplay apenas deixou que ouvissem tudo antes mesmo de o disco chegar às lojas. Tudo aponta para uma mudança de atitude em relação ao comércio da música - a internet agora sendo vista como uma aliada, e não mais como inimiga. O lançamento chega três anos depois de o Coldplay ter lançado um dos discos de maior sucesso planetário da década, X&Y. Mas o que se espera agora é uma avaliação crítica do novo álbum do Coldplay, e o que se pode dizer, de antemão, é que Viva la Vida é um agradabilíssimo disco de pop rock, um fruto da árvore mais generosa da música popular. A produção é de Brian Eno, um dos cientistas malucos da música pop desde os anos 1970. O título e os grafismos do álbum, que fazem referência à revolução francesa e à pintora mexicana Frida Kahlo, lembram também um álbum antigo dos Pretenders, Viva el Amor! (1999). O álbum abre com um tema instrumental, Life in Technicolor, que cria um clima meio que para purificar o ar do salão. Nada muito envolvente (o grupo americano The Killers fez uns intros bem mais legais em seu disco Sam''s Town). Logo a seguir, a banda entra direto com um som levemente funky na batida, folk na alma, mais inquieta, em Cemeteries of London. As faixas parecem carregar deliberadamente sabores de bandas pop bem-sucedidas ou menos famosas do passado. Por exemplo, a abertura de Lovers of Japan/Reign of Love parece evocar diretamente algo do Dexys Midnight Runners e do pop oculto dos anos 1980. Já a faixa Yes, aquecida por um cobertor felpudo de guitarras, brinca com instrumentações clássicas. Foi inspirada pela banda climática Goldfrapp, e o ouvinte saberá imediatamente qual é a conexão. Há momentos mais breguinhas, como em Lost, cuja cadência é repetitiva, os vocais e coros e o órgão de igreja são enfadonhos. Violet Hill, não por acaso, foi a faixa que a banda liberou mais cedo, no MySpace, e é realmente uma das melhores do grupo, tremendamente relacionada com o universo lennoniano. Mas perde para 42, essa sim a mais forte do disco. Para quem lembra, 42 foi a resposta que o supercomputador construído no livro O Mochileiro das Galáxias, deu para a pergunta ''qual é o sentido da vida?'', após passar séculos pensando. Brian Eno não peca pelo excesso, embora use muita coisa nas músicas - em Viva la Vida, por exemplo, deliciosos violinos emolduram o som. Certo que o universo de referências intelectuais de Chris Martin, o cantor e compositor do Coldplay, é um tanto esquizofrênico. O título remete à pintora mexicana Frida Kahlo, mas é difícil entrever a aproximação entre um mundo e outro. Mas é fácil saber se o disco funciona: coloquem para tocar ele inteirinho durante uma viagem, por exemplo, pela rodovia Carvalho Pinto, em direção às serrinhas de Campos do Jordão. Não vai ter nem como trocar, é trilha perfeita. Vocês vão encontrar uns dois ou três desmancha-prazeres que vão dizer que bom mesmo é o grupo Man or Astroman, mas não deixem de ouvir o Coldplay só porque ele faz sucesso. Eles têm mesmo boa mão para a coisa.

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