'As pessoas vão voltar a ler'

A frase do filme Vanilla Sky, "people will read again", de 2001, ainda não tinha o peso que tem hoje em dia. Atualmente os aviões demoram meia-hora a mais para decolar para que todos possam tirar suas 'selfies' e atualizar suas redes sociais: "partiu (preencha aqui com qualquer ponto geográfico do planeta, e não precisa ser algo extraordinário)".

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Por Alexandre Ferraz Bazzan
Atualização:
 Foto: Estadão

Em 2010 o Rage Against the Machine veio ao Brasil, mas eu decidi que não iria.O ingresso era tão caro que pude comprar uma viagem para Buenos Aires com a economia da entrada. Eu tinha visto eles em 2007 no festival Coachella, só que acabei me arrependendo por não vê-los novamente.

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Cheguei emburrado ao meu hotel na avenida 9 de Julho, tomei um banho e abri a mala. Quando fui pedir a senha do wifi, já não tinha mais ninguém na recepção. A internet só permitia que eu acessasse alguns jornais argentinos, e antes da meia-noite eu já tinha lido todos. No Chile as equipes de resgate lutavam para salvar um grupo de mineiros e o Brasil ainda não tinha decidido quem iria suceder Lula na presidência, mas o povo parecia mais preocupado em saber se eles abortariam ou não. Literalmente, não um aborto de campanha ou ideias.

O filme A Rede Social estava sendo lançado, e eu ali sem poder entrar no Facebook. Li tudo até que descobri que, mesmo economizando, poderia ver Zach de la Rocha e seus parceiros. Um dos periódicos que me servia de companhia informou que eles tocariam em Buenos Aires no dia seguinte. A passagem aérea e o ingresso para o festival argentino saíram mais baratos do que uma aventura no finado SWU.

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Algumas bandas locais e o Queens of the Stone Age começaram os trabalhos até a sirene soar alto. Fim do recreio, acabou a brincadeira. A bateria de

Testify

deu início a um mosh pit que levou a crer que meu fim estava próximo. Um cara perdeu o tênis. Eu perdi minha blusa de frio, mas logo depois encontrei. Aos fracos, o conselho é não ir a um show de rock em terras portenhas.

Entre uma música e outra os presentes entoavam canções de protesto e outras saídas dos estádios de futebol, mas adaptadas para a ocasião. Zach dedicou o concerto aos trabalhadores argentinos e falava em espanhol aqui e ali.

Regressei ao hotel sentindo que tinha travado uma luta de 12 assaltos contra um Mike Tyson em seus bons tempos. Que experiência. Eu não sabia quem era melhor, a banda ou o público, mas me fiz a promessa de sempre ler jornais locais em qualquer viagem que eu faça, ou pelo menos tentar. É a melhor maneira de descobrir o que está acontecendo ao seu redor.

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Resoluções de ano-novo

Compartilho aqui duas passagens do livro Fracassinho de Gary Shteyngart:

"Em 1996, o pessoal ainda lia livros...-todo mundo naquela época tinha algum tipo de vida interior."

"-Meu filho está espirrando. O que eu faço?

-Diga saúde."

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Aí estão meus desejos a todos em 2015: algum tipo de vida interior e saúde.

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