PUBLICIDADE

'A Luneta do Tempo' inaugura sala da Spcine, novo espaço cultural de SP

Longa de Alceu Valença foi premiado em Gramado

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Na coletiva de lançamento do circuito da Spcine, o prefeito Fernando Haddad e o diretor Alfredo Manevy destacaram a importância da iniciativa na formação de público e democratização do espaço cultural da cidade. A partir deste domingo, 1.º, mais uma sala da Spcine começa a funcionar no CEU São Rafael, no Jardim Rio Claro. E começa com uma programação diversificada, atendendo a vários públicos. Snoopy e Charlie Brown – Peanuts, para a garotada; Suburbano Sortudo, de Roberto Santucci e Marcelo Antunez, e A Luneta do Tempo, de Alceu Valença, para os adultos,

PUBLICIDADE

Você que conhece o cantor e compositor Alceu Valença não vai nem arriscar ao conhecer nova faceta de seu talento. Valença começou a flertar com o cinema como ator de A Noite do Espantalho, de Sérgio Ricardo, nos anos 1970. Seu comprometimento com a cultura de raiz o levou à política, e ele foi secretário de Cultura de Olinda, em Pernambuco. Alceu agora dirige A Luneta do Tempo. O filme concorreu e foi premiado no Festival de Gramado, em agosto do ano passado. Você vai ouvir muita gente dizer que o filme é irregular. Pode até ser que seja, mas sua irregularidade não é sinal de indigência. Pelo contrário. A vitalidade (e a criatividade) jorram aos borbotões e inundam a tela à medida que o diretor reinventa, ou funde, o cinema de gênero. Mais – não menos.

Está sendo uma tendência do cinema brasileiro atual. Em Sinfonia da Necrópole, em cartaz há várias semanas, a diretora Juliana Rojas reabre a vertente do terror no cinema brasileiro. Mas ela não faz ‘terrir’, como Ivan Cardoso nos anos 1980. Juliana conta sua história de mortos-vivos num cemitério – a necrópole do título – com muito canto e dança. Terror com musical não formam uma dobradinha frequente, e menos ainda no cinemas brasileiro, embora tenha ficado célebre o videoclipe Thriller, de John Landis, para o (eterno) rei do pop, Michael Jackson. Dada a origem de Alceu Valença, ninguém se surpreenderá muito ao ver seu nome associado, como diretor, ao formato musical. Só que, assim como Juliana Rojas mistura gêneros, Valença também o faz.

A Luneta do Tempo é um faroeste circense e musical. Um ‘nordestern’ como se diz, ou um faroeste caboclo. Os heróis são cangaceiros em luta com as volantes. Tradição e modernidade no sertão. Como protagonistas, Lampião e Maria Bonita. O cinema já contou muitas vezes a história da dupla, mas nunca como aqui. Em Gramado, Valença contou, no debate sobre seu filme, que A Luneta não nasceu como um capricho repentino, mas demorou longos 14 anos de gestação. E, se demorou tanto, foi porque ele não dominava a técnica do cinema nem os mecanismos de produção. Poderia ter desistido. Perseverou.

O melhor de tudo é que, ao longo desse tempo, uma dupla de atores se consolidou no cinema do País – Irandhir Santos e Hermila Guedes. Vestem os personagens como se tivessem nascido para representá-los. Mas o tom não é realista. É filtrado pelo circo, pelo cordel, pelo imaginário popular – pelo humor. Lampião e Maria Bonita interessam ao diretor como ícones. E por meio deles é toda uma história de luta que ganha forma. Perseguições e tiroteios são muito bem encenados – parecem coisa de veterano. Os ângulos da câmera são muitas vezes, quando não sempre, inusitados. Há uma sequência de cabeça para baixo que corta o fôlego. Como ele conseguiu, você vai se perguntar? Mas daí talvez se lembre de que, em 1962, Anselmo Duarte e seu fotógrafo, o lendário Chick Fowle, também inverteram a câmera para filmar, por baixo da cruz, a entrada triunfante de Zé do Burro na igreja de O Pagador de Promessas.

Nada melhor que um novo diretor, mesmo que já tenha quase 70 anos, para estrear uma nova sala, de um circuito que também está nascendo (e se consolidando). Os defeitos de A Luneta do Tempo são irrelevantes em face da vitalidade da trilha e da beleza e do colorido da imagem. E o filme ainda tem um pedaço de Alceu frente à câmera, seu filho Ceceu Valença. Cabra bom.