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Diretor Elia Suleiman fala de 'O Que Resta do Tempo'

'Faço filmes baseados no meu entorno, naquilo que conheço e com que me identifico', diz o cineasta

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Último dia do Festival de Cannes de 2009. Os jornalistas realizam suas últimas entrevistas na Croisette, à espera do anúncio do vencedor da Palma de Ouro, que será feito à noite. Ninguém duvida que Michael Haneke ganhará o prêmio, uma porque seu filme A Fita Branca é forte - e acaba de ser indicado para o Oscar -, mas também porque todo mundo sabe que o diretor austríaco é queridinho da presidente do júri, a atriz Isabelle Huppert.

 

 

 

 

 

Mas todo mundo espera uma alta recompensa para Elia Suleiman. No final, ela não vem, por mais elogios que ele tenha recebido por The Time That Remains. O filme estreia hoje. É maravilhoso.

 

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Aos olhos de críticos e espectadores de todo o mundo, você representa o cinema palestino. Como é se sentir dessa maneira?

E eu lhe respondo com outra pergunta. O que é representar o cinema palestino? Como é fazer cinema num território ocupado? Estou certo de que, em seu país, muitos diretores também devem ter essa sensação de estar fazendo cinema numa terra ocupada. Pode ser uma ocupação diferente, sem um dispositivo militar que salte aos olhos, mas muitas vezes pode ser mais difícil fazer cinema, de um determinado jeito, para o público que tem sua alma, sua inteligência ocupada. Entendo, claro, a sua pergunta, mas a questão é difícil. Não existem respostas simples.

 

O seu longa anterior, Intervenção Divina, teve bastante repercussão no Brasil e no mundo. Chegou a ser cogitado para o Oscar, mas a Academia de Hollywood recuou porque não reconhece a Palestina como um país. Qual é a ligação de The Time That Remains com Intervenção Divina?

A ligação sou eu (e ele sorri). Falando seriamente, sempre disse que Intervenção Divina integrava uma trilogia, que começou com Crônica de Um Desaparecimento, em 1996. Seis anos depois, fiz Intervenção e agora, sete anos mais tarde, The Time That Remains. Estou fechando um ciclo, até mesmo do meu cinema.

 

Pegando carona no título do primeiro, todos esses filmes não deixam de fazer uma crônica do conflito árabe/israelense. Concorda?

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Talvez o decepcione ao dizer que não sei do que as pessoas falam quando citam esse tal conflito. Ele não faz parte do meu vocabulário. Sou um cineasta palestino que vive na França. Faço filmes baseados no meu entorno, naquilo que conheço e com que me identifico, mas espero, como artista, estar construindo uma obra universal, para ser vista e aceita no Brasil, no Uruguai. Não quero elucidar a questão do Oriente Médio para ninguém, nem tenho essa pretensão. Quero relatar experiências estéticas e humanas. Como a história de meus pais.

 

Então vamos ao ponto. Por que contar a história deles?

Porque ela tem uma clara progressão dramática, porque as pessoas podem se identificar com esse homem e essa mulher, da mesma forma como muitos espectadores se identificam comigo, voltando às minhas origens.

 

O título, O Que Resta do Tempo, o tempo que permanece. O que representa o tempo?

O tempo coloca o homem diante da certeza de sua finitude, só a espécie pode permanecer, ser eterna. Nós, individualmente, tentamos deixar nossos vestígios, mas somos um grão na eternidade. O tempo me interessa, mas não gostaria que ele fosse um fator de angústia. Meu filme pode tratar do absurdo da guerra, de viver numa região ocupada, mas ele tem humor. Imagino que, em toda parte seja a mesma coisa. O título é para fazer pensar. O que resta do tempo, se é que ainda resta. O que vamos fazer com ele?

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Você não gosta que digam que o Oriente Médio de seus filmes é um microcosmo do mundo. Por quê?

Pense no oposto - não seria muito mais correto dizer que o mundo, com todos os seus conflitos, é um macrocosmo do Oriente Médio? Os olhos do mundo estão sempre voltados para a região. Discute-se muito a ocupação, a questão da identidade nacional. Israel tem a dinâmica do conquistador. Seu lema é o expansionismo. Claro que me identifico com a luta dos palestinos, mas me interesso pelos palestinos de todas as latitudes. Conto essas histórias que se passam aqui porque são as que conheço, mas ao falar delas espero estar tocando todo mundo. A universalidade é o sonho do artista, mas hoje viver num mundo global não facilita a comunicação, ao contrário do que se pode imaginar. Eu me identifico com os palestinos, porque sou um deles, mas também sou um cidadão do mundo. O mundo tende a me considerar um cineasta palestino, falando sobre a identidade palestina. OK. Mas, digamos, num mundo onde a Autoridade Palestina eventualmente obtivesse seu reconhecimento como nação, com território próprio, eu não me sentiria obrigado a apoiar esse governo. Poderia ser crítico, como tantos cineastas israelenses são críticos em relação a seu país.

 

Voltemos à poética do seu filme. Muita gente o identifica com Jacques Tati, ou com Buster Keaton. Um humor triste...

É o que me encanta. Não penso muito sobre quem estou copiando ou homenageando. Na verdade, se essas influências podem ser detectadas é porque estão muito arraigadas em mim. Não fico revendo os filmes de Buster Keaton, mas em alguma gaveta do meu imaginário eles devem estar arquivados, como os de Tati. M. Hulot e o homem que nunca ria são personagens universais. E por isso me interessam.

 

Seus pais, no filme, são as pessoas mais belas do mundo. Sua mãe, quando jovem. Seu pai parece um galã...

Não escolhi os atores necessariamente pela semelhança física. Nem me preocupei com isso, mas, sim, eu queria que meu pai fosse um homem muito bonito em cena. Aproveito essa liberdade poética que o cinema me concede.

 

O Que Resta do Tempo (Bélgica/França/Itália/Reino Unido/ 2009, 105 min.) - Drama. 14 anos. Cotação: Ótimo

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