Filme argentino tem como herói cover do cantor Elvis Presley

Em 'O Último Elvis', Armando Bo constrói uma história charmosa e surpreendente

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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FLORIANÓPOLIS - Um Elvis Presley gordo e decadente, que trabalha como operário de dia e canta (e encanta) de noite, com sua voz de veludo. É este o personagem de um O Último Elvis, do argentino Armando Bo. A ficção é uma das grandes atrações do 16.º FAM, o Florianópolis Audiovisual Mercosul, que se realiza até sexta-feira na capital de Santa Catarina. 

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A história dessa produção argentina é tão interessante quanto o próprio filme. Armando Bo, filho mais jovem de uma dinastia de diretores e atores argentinos, procurava assunto para um longa-metragem, quando, andando à toa pela Boca, ouviu o CD pirata de um cover de Elvis Presley, um certo John McInerny. Este é o nome de um arquiteto argentino, apaixonado por Elvis e um dos seus covers mais badalados na noite de La Plata. Bo o convidou para o filme e McInerny revelou-se ator de talento. 

Ele interpreta Carlos Gutiérrez, que renega o nome e faz-se chamar de Elvis, tamanha a identificação com o ídolo. É um cover de voz maravilhosa, que se apresenta em casas noturnas meio sombrias. O filme sublinha o ambiente estranho, um tanto fake, desses imitadores. Ao mesmo tempo lhes confere grande dignidade. Seu lado humano sobressai sobre o artístico. Além disso, Carlos/Elvis tem a vida complicada. A mulher, com quem tem uma filha pequena, não quer mais saber dele. A filha parece constrangida com o pai. Carlos tenta reatar os laços familiares, em especial com a menina, mas não abre mão do sonho de refazer os passos do seu ídolo. É uma vida dilacerada. 

Armando Bo conta com o carisma do dublê de ator e cover, mas também maneja com sabedoria os elementos da cozinha cinematográfica. Constrói uma história charmosa e, até certo ponto, surpreendente. Entra com respeito numa zona fronteiriça entre o digno e o sórdido, sublinhando essa linha tênue entre o sublime e o ridículo dos imitadores. Envolve esse registro numa trama familiar terna e jamais piegas. Seu desenho fotográfico é discreto, usa bastante a câmera na mão, enfatizando o lado documental do projeto. 

Elvis Presley está vivo mesmo, no coração dos que o amam. Enfim, é um ótimo filme, e já foi comprado por uma distribuidora brasileira. 

Outras boas atrações do FAM foram o documentário brasileiro Cuba Libre, de Evaldo Mocarzel, e a ficção uruguaia O Quarto de Léo, de Enrique Buchichio. Ambos tratam da diversidade sexual. 

No documentário, Mocarzel acompanha a transexual Phedra, em seu retorno a Cuba, após 53 anos. Cantora e atriz, atua no grupo Satyros, em São Paulo. O retorno à ilha serve com pretexto para imersão no cotidiano da ilha dos irmãos Castro, e as dificuldades da revolução no trato com os homossexuais. Um bom documento. 

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Na ficção, Buchichio mostra o personagem Léo (Martin Rodrigues) como um jovem de 20 anos indefinido quanto à sexualidade. Tem dificuldades com as mulheres mas também não consegue assumir a homossexualidade. Procura terapia. Envolve-se com um rapaz ao mesmo tempo em que reencontra uma colega de escola por quem foi apaixonado. Dúvidas mil. A tal ponto que procura terapia. 

Filmado de modo simples, O Quarto de Léo parece meio inibido. De acordo com um crítico uruguaio presente ao FAM, surpreendeu o público do seu país com a maneira desenvolta como trata a questão homossexual? Desenvolta? A nós parece mais travada que liberal, mas espelha, talvez de maneira inconsciente, certa mentalidade de país, mais sóbrio, mais discreto, talvez mais repressor do que se supõe. Filme dos mais interessantes. 

Como, aliás, tem sido a maior parte da seleção do FAM, um festival a se prestar mais atenção em seu papel de aglutinador das cinematografias do Mercosul. 

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