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Ex-doméstica, Madalena dos Santos Reinbolt ganha sua primeira retrospectiva no Masp

Tecelã, que trabalhou no sítio da arquiteta Lotta de Macedo Soares, tem sua arte redescoberta

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A vida de Madalena dos Santos Reinbolt (1919-1977) foi cheia de contatos imediatos – e isso fica claro por meio de sua visão cosmogônica, traduzida em pinturas ou bordados, que tomam como referências estrelas e planetas. Estimulada a pintar em Petrópolis, quando era caseira da arquiteta e urbanista Lotta Macedo Soares, a baiana Madalena, autodidata, acabou representando o Brasil na Bienal de Veneza de 1976 e agora ganha uma retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo (Masp).

A mostra foi aberta nesta sexta (25) com curadoria de Amanda Carneiro, curadora-assistente do Masp, e André Mesquita, curador do museu. A exposição reúne 44 obras, entre pinturas e tapeçarias realizadas entre as décadas de 1950 e 1970. Acoplado ao nome da pintora vem o título da exposição, ‘Uma Cabeça Cheia de Planetas’, que fica aberta até fevereiro do próximo ano e ocupa a galeria do 1° subsolo do museu. Em duas salas, os curadores dividiram a exposição entre o universo agrário, mítico, da primeira idade da artista, e a paisagem urbana, com a qual conviveu já adulta.

Detalhes de uma das tapeçarias de Madalena Reinbolt, que ganha mostra no Masp Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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Madalena saiu de Vitória da Conquista, aos 20 anos, para viver em Salvador, depois em São Paulo e no Rio de Janeiro. Aos 30 anos, desembarcou em Petrópolis para trabalhar na fazenda Samambaia, residência da arquiteta Lota Macedo Soares (1910-1967) , uma das responsáveis pelo projeto paisagístico do Parque do Flamengo, no Rio, e de sua companheira, a poeta americana Elizabeth Bishop (1911-1979). As pinturas da empregada chamaram a atenção das duas amigas, que a incentivaram, mas o que estava por vir era ainda melhor.

Nos anos 1960, Madalena tentou fazer pintura com lã e agulhas. A curadora e crítica Lélia Coelho Frota, que a escolheria para representar o Brasil na Bienal de Veneza, em 1976, provou que não se tratava apenas de uma mudança de suporte, mas do resgate de uma tradição arcaica – como os tapetes de Bayeux do século 13, não apenas objetos ornamentais, mas registros de uma narrativa.

A exposição está no primeiro subsolo do Masp, com tapeçarias e pinturas da artista autodiata Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

No caso particular da artista baiana, presente em coleções públicas (Museu Afro Brasil, Pinacoteca), essa narrativa, segundo a curadora Amanda Carneiro, “é cheia de reminiscências da vida rural de Madalena”. A vida pastoril, virgiliana, do interior baiano, é tema dos bordados/pinturas da primeira sala, que justifica o título da mostra, ‘Com a Cabeça Cheia de Planetas”. Ela, de fato, descreve o mundo com as figuras bordadas de astros e estrelas.

A vida pastoril, virgiliana, do interior baiano, é tema dos bordados/pinturas da primeira sala, que justifica o título da mostra

Ela usava nada menos que 154 agulhas, cada uma com lã de uma cor, para reproduzir sua cosmogonia bastante pessoal, em que homem e natureza estão tão amalgamados que é impossível separar a figura humana do seu ambiente. A tapeçaria exposta em Veneza um ano após sua morte, a Árvore do Pai Bié (na mostra do Masp), é um exemplo. Nela, num tempo pré-moral e mítico, em que os bichos falavam, os macacos ensinam como matar a fome com os frutos dessa árvore.

Ao deixar o meio rural em que nasceu, Madalena mudou também suas crenças. Na segunda sala, observa a curadora Amanda, a obra da artista baiana revela sua nova filiação ao catolicismo, “pintando” santas ceias e figuras sagradas com agulhas e fios de lã de cores variadas.

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Montagem da exposição de Madalena Santos Reinbolt Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O sincretismo religioso avança até um ponto em que a figuração cede espaço à abstração, com quadrados coloridos que se sobrepõem à maneira de Albers, insinuando uma nova espacialidade – algo extremamente sofisticado para uma artista sem formação como ela – descendente de negros, ela foi vista como pintora “naïf” por muitos anos, até conquistar Veneza – a própria patroa, Elizabeth Bishop classificou a pintura da empregada como “ingênua”.

O fato é que Madalena saiu de sua casa, perdeu o emprego porque pintava durante o expediente e acabou se casando com o caseiro da residência de Elizabeth e Lotta, Luiz Augusto Reinbolt, adotando seu o sobrenome. Não conseguiu se sustentar com a venda de suas obras e viveu até o fim da vida como empregada doméstica.

SERVIÇOMadalena Santos Reinbolt: Uma Cabeça Cheia de PlanetasMasp. Avenida Paulista, 1.578, tel. 3149-5959. 3ªs, grátis, 10h/ 20h (entrada até as 19h); 4ª/dom., 10h/18h (entrada até as 17h); fechada às segundas. Agendamento on-line obrigatório pelo link masp.org.br/ingressos. Ingressos: R$ 50 e R$ 25 (meia-entrada).

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