Garimpeiros do mar

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Por Paula Sacchetta
Atualização:

Roberto Linsker, antes de fotógrafo, é geólogo, antropólogo e gosta de escutar histórias. Nascido em São Paulo em 1964, viveu perto do Mar Mediterrâneo, na Espanha, dos 3 aos 16. Portanto, seu olhar para os pescadores começou longe do Brasil. Mas ele acredita que lá mesmo, em Málaga, onde morava, a semente para a história destas páginas já estava plantada. O eixo de sua vida, conta, é o movimento, a descoberta. Estudou geologia para tentar descobrir as feições do planeta - e como companheira dessa viagem escolheu a fotografia. Depois da geologia foi estudar antropologia. Queria ouvir as pessoas, não apenas ler os depoimentos das rochas. 

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Em 1992, nos Lençóis Maranhenses, fotografou pela primeira vez alguns pescadores, mas seu projeto Mar de Homens ainda não estava constituído. Sedimentando uma camada aqui e outra ali ao longo de diversas viagens pelo Brasil, levou mais de cinco anos para perceber que era aquilo mesmo que queria fazer. Estava sobrevoando Bitupitá, no Ceará, e se emocionou ao ver do céu enormes currais de pesca em forma de coração, lá embaixo, no mar. Voltou para a cidade e começou. Durante oito anos, de 1997 a 2005, fotografaria pescadores pelo Brasil. 

As imagens rodaram o País ao longo de dez anos, em exposições e livro, e agora serão exibidas na DOC Galeria, de São Paulo, para uma despedida. Mas despedida é uma palavra triste para um marco tão importante. As imagens ampliadas estavam em uma caixa, fechadas, no escuro. E Linsker prefere o movimento. Decidiu, então, que elas voltarão ao lugar para onde nunca foram, mas exatamente de onde vieram: ficarão expostas, até quando durarem, nas casas dos pescadores em Bitupitá, de frente para o mar.

De onde veio a vontade de fotografar pescadores?Além de geógrafo, fotógrafo e de ter estudado antropologia, eu também escalo. Como na escalada, gosto de etapas, de pensar os processos com começo, meio e fim. Preciso pensar a logística completa para entender o todo. Intuitivamente, esse projeto me remetia a minha vivência de criança e adolescente na Espanha, à beira-mar. Depois então de um primeiro encantamento com Bitupitá veio essa vontade de preparar um projeto mais sólido. Dividi o Brasil em áreas com geomorfologias diferentes, selecionei pontos em todo nosso litoral e fui atrás dessas histórias. Comecei no Amapá, passei por dunas, pelo Rio Amazonas, pelo São Francisco, pela Serra do Mar e percorri as mais longas praias até o Chuí. Viajei literalmente do Oiapoque ao Chuí.

O que você descobriu?Que aquela divisão geomorfológica, no fundo, não fazia sentido. Tudo bem, eu tinha o mar do Amapá com ondas e oscilações de maré imensas, e o mar calmo do Sudeste. Mas demorei quase oito anos para perceber que, no fundo, a relação do homem que lida com o mar diariamente é a mesma, seja onde for. Percebi que o trabalho era mais de identidade, do nosso País como um todo e daqueles bravos homens que saem no começo da manhã e voltam no fim da tarde, em um barquinho, muitas vezes sozinhos. Vi que podemos ser diferentes e eles eram diferentes entre si, mas no fundo, muito iguais. Quanto mais percorri, mais vi os laços que nos ligavam. Fui me encantando ao encontrar o outro. 

Como você escolheu as fotos para o livro e a exposição? No livro são 92 imagens e na exposição, 42. Cada uma foi escolhida porque tinha um significado. Fotografei tudo em filme. Revelava, fazia as folhas de contato e as guardava. Se depois de um tempo elas ainda me provocassem algo, eram escolhidas. 

Quem é esse pescador brasileiro?Ele tem um quê de garimpeiro. Parece diferente, mas no fundo aquele homem acha que algum dia vai tirar a sorte grande que vai mudar sua vida, que vai ganhar um monte de dinheiro. Esse sentimento é diário e é o motor que os leva de volta ao mar todos as manhãs. Tem o prazer da pesca também. Eles vão empolgados logo cedo e o dia sempre acaba mais árduo do que imaginavam. Vejo o pescador como um homem íntegro e sonhador na sua vontade de transformar a própria realidade. Ele joga a rede no mar com muitos desejos e tece a própria rede cheia de vontades. No fim, minhas fotos sobre eles não são crítica social, nem tentativa de resgatar, manter e preservar essa pesca artesanal que talvez deixe de existir. São só uma declaração de amor a esses homens.

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