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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Dori Caymmi lança álbum inspirado nas tiradas de seu pai: ‘Sempre falaram comigo’

Ele conta que as frases revelavam um homem fascinante e engraçado; o músico vai se apresentar na Casa de Francisca

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Foto do author Paula Bonelli
Por Paula Bonelli

Em parceria com o poeta Paulo César Pinheiro, Dori Caymmi criou um álbum com oito músicas inéditas, inspirado nas tiradas do seu pai. São frases que ele testemunhou Dorival Caymmi dizer em casa e que sempre guardou consigo na memória. Se para compor o pai ia para um cômodo calmo da casa e se afastava, as expressões usadas no disco dizia perto dos filhos Dori, Nana e Danilo, revelando um homem engraçado e fascinante. “Essas tiradas do meu pai sempre falaram comigo e me perseguiram”, diz. O título do disco é Prosa e Papo com participações Mônica Salmaso, Joyce Moreno, Renato Braz, entre outros, sendo o trigésimo da carreira dele e já está disponível nas plataformas digitais.

Dori se considera mais músico que letrista e tem uma pitada de inveja de quem escreve com facilidade como Chico Buarque afirmou em entrevista por videoconferência concedida à repórter Paula Bonelli. Dori, 80 anos, falou ainda que a Bahia que seu pai entoou não existe mais e que não gosta de axé. Ele vai cantar e tocar violão na Casa de Francisca nos dias 2 e 3 de maio, em São Paulo.

Dori Caymmi Foto: Nana Moraes

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Como surgiu o álbum “Prosa e Papo”?

Vem de coisas da minha infância, de frases que meu pai dizia e que eram muito engraçadas. Ele era brincalhão, muito presente e muito ausente também por causa do trabalho de artista que exige viajar. Mas quando ele queria que você parasse de encher o saco dele dizia: “Entre por onde saiu e faça de conta que nunca me viu”. Eu falei com o poeta Paulo César Pinheiro, meu parceiro há mais de 50 anos e compadre, e ele escreveu uma música chamada Chato com essa frase. Tem outra que papai costumava falar: “Carrapicho é mato, carrapato é bicho”. Essa expressão está na faixa Prazo e Papo, que é a primeira do álbum. Começou com essa ideia de fazer um disco mais otimista.

Você tinha desejo de fazer um disco mais engraçado?

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Sim, o álbum é no estilo alegre do Rio de Janeiro da minha época de rapaz, remete ao período de Raul de Barros e seu trombone. Então, em outros trabalhos falamos muito do Rio de Janeiro com uma certa mágoa e preocupação. Estou com memória de 80 anos, mas temos uma música assim: “Toda vez que o Rio é maltratado, chora o Corcovado, chora a Guanabara…”

Quando resolveu penetrar nessa camada de personalidade do seu pai?

Sempre guardei essas frases do meu pai. Elas sempre falaram comigo e me perseguiram. Eu mexo com melodia, harmonia, acordes de violão – esse é meu departamento. Aprecio e tenho até uma certa inveja das pessoas que escrevem com facilidade, o Paulo César Pinheiro, o Aldir Blanc e Chico Buarque de Holanda e Vitor Martins. São tantos letristas formidáveis da minha geração.

O Dorival que fazia essas tiradas é o mesmo que cantava e compunha?

Quando ele compunha a gente era tirado da sala, íamos para o quarto ou brincávamos do lado de fora da casa, porque era uma coisa muito particular dele. Depois papai costumava mostrar a música primeiro para a minha mãe e depois a canção chegava para nós. Mas era a mesma pessoa sim, um sujeito engraçado e fascinante. Ele tinha uma coisa humana. Eu lembro do Tom Jobim passar em casa e pegá-lo para dar umas voltas de carro no Rio para jogar conversa fora e ouvir o que ele tinha para filosofar. No próximo dia 30, ele faria 110 anos e eu estou indo até São Paulo. Haverá exibição do documentário “Caymmi um Homem de Afetos” em que eu participo. E vou cantar umas coisas dele na Casa de Francisca nos dias 2 e 3 de maio.

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Dorival era um homem da cidade que cantava o mar, o samba, a Bahia. Esses continuam sendo temas para música de agora?

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Para certas pessoas sim, mas é uma minoria. Passei duas semanas trabalhando em Salvador com estudantes e músicos na Universidade Federal da Bahia. Notei que a queixa do músico de uma maneira geral é que se não participarem desses megashows, eles não têm emprego. A música deles não toca. Como Antônio Risério escreveu “Caymmi, uma utopia de lugar”. Essa Salvador não existe mais, é uma outra coisa. Eu tinha essa fama de não gostar do axé e para dizer a verdade ainda não gosto, mas não censuro. Não passo o dia inteiro esculhambando ninguém.

Como incentivar os músicos e se contrapor a essa cultura de massa do axé?

Acho que dar oportunidades para os músicos de fazer alguma outra coisa. Por exemplo, tenho que citar o SESC São Paulo que sempre foi um protetor da arte e da cultura no Brasil graças ao Danilo Miranda, um homem fabuloso, que infelizmente faleceu há pouco tempo.

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