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Irmãos encontraram na poesia uma forma de criar memórias do pai: ‘Segue sendo referência’

Roberta Tostes e Teofilo Tostes tiveram que lidar com o luto desde a infância e agora planejam projeto especial para memória do pai

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Foto do author Beatriz França
Por Beatriz França
Atualização:

A paixão entre irmãos vai além do laço familiar com Roberta Tostes, de 42 anos, e Teofilo Tostes, de 44. Além do amor que vem de berço, eles dividem a paixão pela escrita, especificamente a poesia. No último dia 17 de março, eles se juntaram no Rio de Janeiro e lançaram seus livros — O poeta toma a pólis, de Teofilo, e corpo-esconderijo, de Roberta.

Roberta e Teofilo planejam projeto especial em memória do pai já falecido Foto: Fabiana Turci

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Roberta e Teofilo dividem mais do que a rotina de escrita. Os irmãos convivem com tipos diferentes de deficiência, ela foi diagnosticada tardiamente com TEA (transtorno do espectro autista); ele com deficiência física (luxação coxofemoral e encurtamento da perna direita). Juntos, eles superam as barreiras e obstáculos que as pessoas com deficiência têm e o que poderia limitar a muitos, não foi capaz de frear os sonhos de dois irmãos apaixonados pela poesia.

Em entrevista à coluna, Roberta explica que não vê a escrita “como forma de refúgio” em meio aos preconceitos com sua deficiência, mas que sempre usou sua poesia como ferramenta de sobrevivência: “Minha poesia sempre foi ferramenta de testemunho, mas sobretudo, de sobrevivência. Escrever é dar sentido e ocupar um lugar, dialogar com tantas ausências e tantas presenças, fazer do corpo um gesto em direção ao outro”.

Teofilo concorda com a irmã e vai além quando fala que não há “motivo para buscar refúgio” na escrita. Ele descreve sua paixão pelo ofício de outra forma: “A escrita sempre me pareceu uma chave para tomar a pólis e celebrar a diversidade humana. Pela escrita não nos retiramos ou refugiamos. Por meio dela, ampliamos os horizontes do mundo, para que possamos caber melhor nele”.

Sobre os novos livros

Roberta fala sobre como seu novo livro, corpo-esconderijo, traz reflexões sobre a potência de nossos corpos e os traumas que carregamos. “Minha aposta é sempre na força da linguagem, no poder de deslocamento que a arte traz. Escrevo movendo as forças que assolam um corpo, e é pelo corpo que eu espero que comece essa transformação”, fala.

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Já Teofilo conta que O poeta toma a pólis retrata injustiças em diversos níveis na sociedade nos últimos anos. Ele explica que a escolha do tema veio durante a pandemia da covid-19 e os poemas presentes em seu novo livro “testemunham essas marcas, que foram especialmente profundas e traumáticas no Brasil”. “Esse é um livro escrito por quem testemunha injustiças, indiferenças e crueldade que marcaram esse momento histórico — e também testemunha resistências”, fala.

A paixão pela poesia vem do berço, o pai Guilherme Daniel Neto, já falecido, foi poeta e foram suas poesias que levaram os dois a escreverem. “[A escrita é] Herança do nosso pai, que foi poeta. Nós começamos a escrever no final da infância, quando alguns poucos poemas dele nos chegaram às mãos, copiados numa antiga agenda pela nossa mãe. Cresci com a poesia sendo pronunciada e apresentada em casa desde cedo, nas histórias que permeavam nosso pai, contadas e recontadas pela nossa mãe”, relembra Roberta.

Eles herdaram o ‘dom’ da poesia do pai, mas levam consigo toda a história que a mãe, Marisa Tostes Daniel, contou ao longo da infância. Teofilo relembra que começou a escrever quando teve contato com poucos poemas escritos por Guilherme Neto. “Hoje penso que ter construído, por meio de palavras, a memória de um pai que morreu cedo e que, portanto, é essencialmente ausência preenchida de sentidos, foi algo vital para que eu soubesse que meus caminhos estavam atrelados à escrita”, fala.

Roberta e Teofilo em lançamento no Rio de Janeiro Foto: Fabiana Turci

O pai como inspiração

Mesmo que a perda tenha sido quando eles ainda eram crianças e iniciavam a adolescência, Roberta e Teofilo levam Guilherme como inspiração em seus trabalhos. Talvez como algo genético, como brinca Roberta. Ela relembra que ainda na adolescência, usava suas histórias para “tecer a orfandade”.

“Elaborava minhas perdas, meus sonhos. Ainda hoje meu pai segue sendo referência no que diz respeito a abraçar a integralidade da vida, com seus riscos, alegrias e dissabores. Uma referência de pessoa inspiradora , que amava a liberdade e a vida, e colocava toda essa força em sua poesia e relações”, fala.

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Teofilo revela que tem um projeto de escrita com a irmã, uma espécie de diálogo poético com o pai. Guilherme Daniel morreu quando os dois eram muito novos e a memória relacionada a ele é composta por fotos e relatos da mãe e de outras pessoas que o conheceram. “Estamos nos dedicando a essa escrita conjunta, que deve se transformar em um novo livro. Ainda é um projeto inicial. Queremos publicar esse projeto no aniversário de 40 anos da morte de nosso pai, o que nos dá ainda alguns anos para nos dedicarmos a esse projeto”, diz.

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