PUBLICIDADE

Gilberto Gil encara discussões sobre refluxo autoritário na internet

Gil encara uma maratona de discussões para debater refluxo autoritário na rede

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Gilberto Gil

CANTOR, COMPOSITOR E ATIVISTA

PUBLICIDADE

A temperatura caiu, mas o debate esquentou nos trópicos. Na semana passada, o cantor Gilberto Gil, de 69 anos, estrelou o primeiro festival youPIX, de cultura da internet, em São Paulo. O ex-ministro da Cultura volta à cidade nesta quarta, às 20 h, para discutir criatividade, tecnologia e políticas públicas no Auditório Ibirapuera (ao lado de Lawrence Lessig, do Creative Commons, e Danilo Miranda, do Sesc São Paulo). Incansável, na quinta-feira, no Rio, ele debate com o filósofo tunisiano Pierre Lévy o conceito de cibercultura, no Oi Futuro, no Flamengo, às 19h30.

Gil diz que vai abordar, entre outras coisas, a "tentativa do meio econômico de reduzir a realidade do ciberespaço ao modelo anterior, e ao mesmo tempo os avanços provocados pelo uso libertário do ciberespaço". Há uma expectativa de que Gil comente os rumos do MinC na gestão Ana de Hollanda, mas suas intenções são outras.

"Não acho que esses encontros com o Pierre e o Lessig se devam à necessidade de discutir a questão brasileira. São encontros globais. Claro que a questão brasileira entra, eles estão aqui, nós estamos no Brasil. Mas essas coisas são transnacionais, e as questões brasileiras são hoje comuns no mundo inteiro - o retrocesso na França sob o governo Sarkozy, as declarações do premiê inglês (David Cameron, que fala em censura na internet). Tudo parecido, tudo se parece com o projeto Azeredo (senador Eduardo Azeredo, do PSDB de MG, cuja lei pretende tipificar na legislação brasileira os crimes cibernéticos)".

O mundo está agitado. Na Inglaterra, estão prevendo um regime de exceção na internet...

Mas é essa possibilidade que a Lei Azeredo tenta garantir. É a questão da troca da liberdade por facilidades, por conectividade. O sentido civil da importância do ciberespaço fica secundarizado, torna-se tudo utilitarista, a fruição utilitarista da tecnologia - aparelhos cada vez menores, mais baratos, mas cada vez com possibilidades mais restritivas. Hermano Vianna fala do fechamento do interesse empresarial, produtivista, capitalista, imperialista, etc, sobre a dimensão libertária do ciberespaço. É um momento grave, importante. Porque, à sombra dessa árvore aprazível, da utilidade ciberespacial, está toda a questão da liberdade.

Como ministro da Cultura, você levou o debate para dentro do Estado. E agora esse debate recrudesceu dentro do governo. Ou você não pensa assim?

Isso vai de personalidades. Eu pessoa, artista, ente criativo, tinha interesse em me colocar pessoalmente nessa discussão. Não só o ministério, mas também meu empenho pessoal. É diferente da ministra de hoje. Ela não sou eu, ela é ela. Ao mesmo tempo, você tem coisas que têm crescido. Há um comitê interministerial que discute a propriedade intelectual de um modo amplo, desdobramentos positivos, importantes. A questão avança. A própria presidente da República tem um interesse cada vez maior que essas coisas se desdobrem. Há retrocessos e há avanços, é sempre assim. Muita coisa se passa à sombra, positivas e negativas. Tudo isso está em jogo dentro do Estado, fora do Estado. Essa coisa de ficar vendo "ah, o ministro tal"... O jogo é muito maior, envolve todo mundo, aquilo que o próprio Lévy chama de "as correntes turbilhonantes do novo dilúvio". É um novo momento da cultura humana. O computador e o ciberespaço reeditam um potencial revolucionário que teve a criação da imprensa, o papel impresso. Esse momento da história da mundo é maiúsculo.

Acha ele comparável a algum outro momento histórico que tenhamos vivenciado?

Não. É muito particular. É a ciência desembocando em situações ainda desconhecidas, novas. O social também, o político, a questão dos direitos. As universalidades, como o próprio Lévy diz, ou "as universalidades sem totalidade". Isso é uma novidade. Porque as sociedades fechadas, num primeiro momento da cultura oral, viviam a totalidade sem universal, como ele diz. Num segundo estágio, imperialista, sendo usuárias da escrita, fizeram surgir o "universal totalizante". E agora, com a cibercultura, a pós-ciência, a nanodimensão, a globalização concreta da sociedade, inventam o universal sem totalidade. E isso é muito novo. E as reações são essas. O imperialismo, o capitalismo clássico, tendem a querer puxar tudo para o totalizante anterior, não querem saber dessa visão fragmentária, tudo como foi previsto em Suberbacana, do Caetano, "os estilhaços sobre Copacabana". O tropicalismo é isso, o tropicalismo viu isso, especialmente Caetano, com sua inteligência agudíssima. Ele viu essas coisas todas, colocou na ação, na canção, e foi aquele pandemônio. O ciberespaço faz isso. A pós-modernidade é assustadora, vem chacoalhar a coisa toda.

Você, quando começou a aliar sua arte com sua posição política, ativista, começou também a aliar a reflexão teórica do mundo à ação. Como seu esforço de lançar sua obra completa em aplicativo para iPad e iPhone...

É a atualização do esforço que já vem sendo feito há pelo menos 20 anos, desde que eu inaugurei, fiz o primeiro site institucional de um artista. Coloquei no meu discurso a defesa e a apologia das grandes novidades. Isso vem desde Lunik 9 e Cérebro Eletrônico. Sempre fui apaixonado pela atualização.

E agora veio a Björk com o aplicativo dela, outra atualização.

Publicidade

E o dela é lindo, não? É uma coisa. Já é uma escultura no ciberespaço, é uma instalação multidimensional, belíssima. Do ponto de vista estético, é um avanço extraordinário. Ela sempre foi assim. Tem uma visão estética, e ao mesmo tempo profunda, da cultura em geral.

E ao mesmo tempo, a gente vê alguns artistas de relevo na cultura brasileira tentando tirar o atraso. É o caso do Chico Buarque. Ele surpreendeu você, não?

Bacana, bacana. Ele tá associado afetivamente a uma pessoa nova, uma menina (a cantora Thaís Gulin), que lida com essas coisas, trabalha nesse campo das novas linguagens. Ele foi estimulado por isso, pelo próprio amor, não é? (risos). Inteligente e culto como ele é, não ficou de fora. Caetano também, quando veio para trabalhar no ciberespaço, lançou o disco por meio do blog Obra em Progresso. É isso. A mim coube exatamente o papel de arauto, o que sai na frente tocando a corneta. Agora os meninos todos vêm.

E a saída de Marina do Partido Verde? Catalisou uma vontade nacional, e usou o PV para tentar a sua aventura. E agora ela saiu...

Ela acabou constatando que o PV ainda é, instrumentalmente, um partido desqualificado, sem ferramental moderno, sem quadros de personalidade, dirigentes e etc. Constatou o que eu já tinha constatado há muito tempo: o Partido Verde não dá, né, no Brasil? Nas mãos de quem ele ficou, não dá. É um partido sem elã, sem pacto, sem gosto pela defesa dos seus próprios postulados fundadores. Um partido que caiu numa esparrela, ficou ali, meio bobinho.

E agora?

Agora não sei. Não sei como ela vai fazer, se vai se empenhar pela criação de um novo partido, de uma nova possibilidade, ou se vai achar uma brecha num dos partidos que já existem, no sentido de encaixar uma vertente modernizadora. No próprio PT, no PSDB, no PSD, qualquer um desses. E há a Dilma se aproximando do PSDB, tentando reeditar uma expectativa que já houve, no Brasil, de que os dois partidos de centro-esquerda se juntassem para alavancar um processo modernizador de fato na política. Marina também está vendo, como eu, tudo isso que está acontecendo, e vai se mexer.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.