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Crítica: 'Gil Baiana Ao Vivo em Salvador' une a mente de Gilberto Gil com as ferramentas do BaianaSystem

Álbum é mais um bloco na imensa construção coletiva da música baiana, que se explorada com liberdade e ouvida com atenção é uma das proteções mais potentes da cultura brasileira; artistas conversam sobre o disco ao vivo no Youtube, nesta quinta-feira, 30, às 18h

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Por Guilherme Sobota
Atualização:

Mesmo trabalhando com música todos os dias, ouvindo novos e velhos discos, consumindo muito conteúdo crítico e leituras sobre o assunto, chega a ser inacreditável o poder que ela tem de invadir os ouvidos e colorir o simples fato de estar vivo. Pensei nisso quando ouvi, hoje, o novo disco Gil Baiana Ao Vivo em Salvador (Gegê Produções Artísticas e Máquina de Louco).

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O registro foi gravado em um show de Gilberto Gil e BaianaSystem em novembro de 2019, no Parque de Exposições na zona norte de Salvador, e quem pode se convencer que é obra do acaso que o parque costeie a Avenida Dorival Caymmi, acrescentando uma terceira camada de música baiana à mistura dos seus discípulos.

"Sigo no caminho que Gilberto me indicou", indica Russo Passapusso, vocalista e comissão de frente do BaianaSystem, no interlúdio de Sarará Miolo, uma das sete faixas do disco de 33 minutos -- uma verdadeira injustiça ser tão curto.

Foto de Cartaxo, em que Gilberto Gil conversa com a máscara do BaianaSystem  Foto: Estadão

No repertório, o reggae é um dos vértices de um triângulo equilátero, explanado por Russo no material de divulgação, em composição com o ijexá e a "mensagem".

Os ritmos vertem e jorram dos arranjos liderados pela imensa guitarra baiana de Roberto Barreto, calcados na plataforma soundsystem do Baiana (João Meirelles nas programações, Japa na percussão, Seko no baixo) e nas teclas de Bira Marques.

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A mensagem ressignifica alguns dos principais sucessos da carreira de Gil. "Gente estúpida, gente hipócrita", cantam, Nos Barracos da Cidade. "Ninguém mais tem ilusão / No poder da autoridade / De tomar a decisão / E o poder da autoridade, se pode, não faz questão / Mas se faz questão, não consegue / Enfrentar o tubarão". Qualquer comentário adicional se faz desnecessário.

E Pessoa Nefasta? Podemos pesquisar e especular quem Gil tinha em mente quando lançou a canção em 1984, no excepcional Raça Humana, mas ao ouvir a música em 2020, no Brasil, é necessário uma manobra desonesta para não pensar na pessoa nefasta que hoje ocupa o mais alto cargo de poder no País, e a voz de Gil, que anda nesta gravação nas regiões mais graves, suplica: "Tu, pessoa nefasta / Tens a aura da besta / Essa alma bissexta / Essa cara de cão / Reza / Chama pelo teu guia".

Arte de Cartaxo para o disco  Foto: Estadão

O disco também caminha sobre áreas sutis da produção gilbertiana, em Extra e Emoriô, canta o amor de Is This Love (Bob Marley) e abre licença para canções do Baiana, Água, Dia da Caça, Systema Fóbica, usando ferramentas pós-tropicalistas para a expressão pós-moderna e hiper-contemporânea do grupo mais jovem, na maneira como as músicas se entrelaçam.

O uso da palavra "plataforma", para o BaianaSystem, aliás, não é em vão: conversando com a tradição e abrindo diálogo com artistas de gerações anteriores (com Gil, Antonio Carlos Jocafi, outros), e ao mesmo tempo pavimentando a calçada para novos artistas (veja aqui), a banda funciona como uma extensão de alta voltagem, conectando passado, presente e futuro, um tipo de conquista de amplitude estética ainda a ser avaliada por gente mais importante do que eu.

Esse disco, curtinho, é mais um bloco na imensa construção coletiva da música baiana, algo que, se explorado com liberdade e ouvido com atenção, é uma das proteções mais potentes da cultura brasileira e, em último caso, da humanidade do País.

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"É essa fusão de momentos, contextos, histórias", diz Gilberto Gil, um mestre da generosidade amorosa na MPB, no material de divulgação do disco. "O BaianaSystem é uma banda com esse ecletismo. É a Bahia, né? A Bahia tá viva aqui." Saravá!

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Os artistas conversam sobre o disco ao vivo no Youtube, nesta quinta-feira, 30, às 18h. Você pode acompanhar abaixo:

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Há também um clipe já divulgado com Emoriô/Dia da Caça:

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Veja a ficha técnica do disco Gil Baiana Ao Vivo em Salvador:

REPERTÓRIO

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  • 1. IS THIS LOVE (Bob Marley)
  • 2. NOS BARRACOS DA CIDADE (Gilberto Gil / Liminha) Incidental: SYSTEMA FOBICA (Russo Passapusso)
  • 3. EXTRA (Gilberto Gil)
  • 4. PESSOA NEFASTA (Gilberto Gil)
  • 5. SARARÁ MIOLO (Gilberto Gil)
  • 6. EMORIÔ (Gilberto Gil e João Donato) / DIA DA CAÇA (Russo Passapusso)
  • 7. ÁGUA (Antônio Carlos e Jocafi /Ubiratan Marques/Roberto Barreto/Russo Passapusso) Citação: ÁGUA DE BEBER (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

Ficha Técnica

Voz, violão e guitarra - Gilberto Gil Guitarra e Guitarra Baiana - Sérgio Chiavazzolli Vocais - Nara Gil Voz e vocais - Russo Passapusso Guitarra baiana - Roberto Barreto Baixo - Sekobass Guitarra - Junix 11 Bases eletrônicas, Programação de bases e synths - João Meirelles Teclados - Bira Marques Bateria e percussão - Ícaro Sá Percussão - Japa System

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Capa e Projeto Gráfico: Filipe Cartaxo Seleção de Repertório: Roberto Barreto e Russo Passapusso Fotografias: Filipe Cartaxo, Rafael Rocha e Robério Braga

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Produção Executiva - Flora Gil e Simon Fuller Produção - Fafá Giordano, Maria Fortes e Fefe Oliveira Coordenação A&R - Fabio Silveira Diretor Técnico - Paul Lewis Técnico de P. A. Baianasystem - Vitor Vaughan Técnico de P.A. Gilberto Gil - Leco Possollo Técnico de monitor Baianasystem - Regivan Santa Bárbara Técnico de monitor Gilberto Gil - Gustavo Mendes Iluminação - Ligia Chaim Direção de arte - Filipe Cartaxo Roadies BaianaSystem - Rasta e Pavão Roadie Gilberto Gil - Thiago Braga Gravado por Daniel Carvalho Mixado e masterizado por Daniel Carvalho no estúdio Casa da Nina Gravado Ao Vivo em Salvador em Novembro/2019 Selos: Máquina de Louco e Gegê

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Capa do disco 'Gil Baiana Ao Vivo em Salvador'  Foto: Estadão
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