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Zuza foi quem poderia ter sido, e isso foi muito

Nas fotos, Zuza aparece sempre sorrindo, mas, talvez mais importante, fazendo sorrir os outros

Por Guilherme Sobota
Atualização:

Não cheguei a conhecer pessoalmente Zuza Homem de Mello, mas o vi em diversos eventos de música em São Paulo. O que sei é que em todas as reuniões de pauta -- quando os jornalistas de uma equipe, como a do Caderno 2, se reúnem para decidir o que deve sair no jornal nos próximos dias --, quando havia a ideia de "pedir um texto para o Zuza", minha alma de estudante se alegrava, porque qualquer que fosse o assunto era um prazer ler o que ele escrevia.

Envaidecido, considerava inacreditável que eu mesmo ia colocar umas palavras nas mesmas páginas que o Zuza, sobre assuntos que ele não apenas dominava, mas sobre os quais teve influência decisiva na formação cultural brasileira.

Zuza Homem de Mello (1933-2020), sorrindo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/8/2015

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Sempre foi emocionante, também, ouvir Zuza Homem de Mello conversar com o meu colega Julio Maria em lives nos canais do Estadão, e mais recentemente, acompanhar os passos finais de uma biografia de João Gilberto em que ele trabalhava. Era o jornalista musical mais importante do País escrevendo um livro -- aos 87 anos! -- sobre aquela outra entidade da música popular brasileira, um real encontro de gigantes, um livro ainda inédito que, certamente, vai transformar em palavras o conhecimento que em Zuza era sempre revestido de simpatia.

Na imensa maioria das fotos de Zuza que temos no acervo do jornal, ele aparece sorrindo e quase nunca está só -- mas é a reação das outras pessoas, seja sua companheira Ercília, sejam músicos e produtores, da MPB e da música internacional, que chama atenção. Elas também sempre estão ou sorrindo, ou profundamente compenetradas no que o jornalista, pesquisador, técnico de som -- um intelectual, sem qualquer das parcelas negativas da palavra -- está falando ou contando.

Julio Maria, outro colega de profissão com quem aprendo diariamente e de quem tenho a sorte de ser, ao mesmo tempo, contemporâneo e aprendiz, já escreveu: "Como escrever a primeira matéria que Zuza não vai ler?". Zuza lia as matérias dos jornais e neste domingo, o dia em que ele se foi, dormindo, como merecem enfrentar a morte todos os gigantes, se multiplicaram na rede relatos de jornalistas (mais velhos e mais jovens, de diversos veículos). Todos contaram uma história de quando Zuza escreveu um email ou fez uma ligação, falando sobre uma matéria do dia.

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Numa vez que abri minha caixa de e-mails e seu nome apareceu na tela, primeiro não acreditei, achei que ele tinha errado o destinatário. Mas após alguns comentários sobre um texto meu -- palavras que guardarei para sempre e que estimo como a um prêmio -- ele compartilhou uma história sobre a vez em que recebeu Little Richard no Brasil, a qual, com a licença que não pude pedir ao autor mas como uma forma de homenagem, compartilho aqui com quem trombar nesse texto na internet.

Contou Zuza: "Nos primeiros programas de rock nacional no Teatro Record, as dublagens estavam em voga e os discos dele eram os campeões. Tive a felicidade de assistir um inesquecível show dele em New York e ainda recebê-lo quando veio ao nosso Free Jazz Festival e reclamou veementemente por não ter à disposição uma limousine daquelas compridas no aeroporto. Fui encarregado de acalmá-lo, o que fiz com o maior prazer por ser seu fã incondicional. Nada do que foi o rock na Inglaterra seria sem Little Richard. Tanto na ousadia musical francamente voltada para os blues/gospel quanto na instauração aberta da androginia na arte performática. Por tudo isso tenho tamanha admiração por esse King. Procure ouvi-lo em Milky White Way que dá a pista para se entender porque ele poderia ser quem foi".

Zuza foi quem poderia ter sido, e isso foi muito.

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