O silêncio é uma das coisas mais fortes no mundo. Aldous Huxley afirmou que, como a música, é o que mais se aproxima do inexprimível. Ouvi a peça Lux Aeterna, de György Ligeti (1923-2006), na Sala São Paulo. Causou-me o mesmo impacto daquele momento quando, quase adolescente, ouvi a música no filme 2001, Uma Odisseia no Espaço. Nada consegui entender do filme naquela ocasião.
Fascinou-me a Lux Aeterna no sentido de Huxley: inexprimível. Há, na obra, oito longos compassos de silêncio absoluto que o maestro Thierry Fischer regeu para as esferas celestes, com gestos amplos, marcando o compasso e modulando timbres do vazio absoluto pleno de sentido. Aquele foi o instante em que mais vi uma obra humana tentar olhar para a luz eterna. Dante Alighieri também se calou no momento do encontro com a transcendência no final do Paraíso.
No ano de 2024, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo completará 70 anos. Surgiu no instante em que paulistas pensavam muito na grandeza da sua história e investiam em equipamentos culturais para o futuro: 1954, o quarto centenário.
Surge-me uma ideia: a orquestra chega às bodas de vinho. Ninguém lançará um rótulo com o selo Osesp? No ano que vem, comemoraremos os 25 anos da Sala São Paulo, o espaço extraordinário que firmou a orquestra com casa própria e linda. Mais: 30 anos do Coro que brilhou na peça Lux Aeterna. Será um instante de celebração de iniciativas artísticas que continuam dando certo, há décadas, o que não é pouco na história cultural do Brasil.
Marcelo Lopes e Thierry Fischer apresentaram os planos para o novo ano: renovação intensa, novos espaços, presença internacional, gravações. Se o orgulho de pertencer ao momento fosse um gás, teríamos virado imensos zepelins àquela hora. Sonhar com o futuro é delírio costumeiro. Quando já foi realizado há muito (e a equipe que arquiteta o amanhã já demonstrou competência), o ideal sai da abóbada do devaneio para o alicerce da convicção. Septuagenária, a Osesp está com corpinho jovem e cheio de energia.
Nada disso existiria sem o brilho dos músicos. O dia 22 de novembro é dedicado a eles. Alguns se tornaram meus amigos e já tocaram aqui em casa: Olga Kopylova, Matthew Thorpe, Liuba Klevtsova, Darrin Milling. Sem eles, só existiria o silêncio de um mundo sem talento e sem sentido. Tenho esperança na Osesp e nos seus músicos brilhantes. Sou testemunha de milagres semanais.