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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Que cor é grená? Sua vida pode depender de maior sensibilidade visual

Trata-se de um vermelho-violáceo que se aproxima do ‘bordeaux’. Seria um vinho?

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Compro um tênis novo branco. A gentil atendente me adverte: “Este não é bem branco, é mais off-white”. Ela me explica. Assim, entendo que todo tênis bem branco, após uma corrida no Ibirapuera, fica “off-white”. A cor seria um estágio evolutivo da alvura primitiva. De alguma forma, imita queijos que, com o passar das semanas, evoluem de frescos para gorgonzola. Trata-se de uma cor cronológica. O branco encontra variações na modernidade. Você ainda imagina apenas o “mundo preto no branco”?

De 1881, 'Rosa e Azul', do francês Pierre-Auguste Renoir, é uma das obras mais conhecidas do museu. Foto: Reprodução/MASP

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Confesso: fora verde, vermelho e outras palavras simples, tenho dificuldade com cores. Apresento certo orgulho do meu vocabulário, todavia sinto-me um daltônico no mundo contemporâneo. O daltonismo, aliás, manifesta-se em homens, ainda que transmitido pela mãe. Talvez seja uma solene indiferença da testosterona a certas sutilezas cromáticas. Vejamos.

Uma variante de vermelho é chamada de grená. Trata-se de um vermelho-violáceo que se aproxima do “bordeaux”. Seria um vinho? Difícil, pois há muitas tonalidades de vinho, do vermelho-vivo ao quase escuro, alguns de tons terrosos. Uma grande romã madura, com grãos suculentos, aproxima-se do grená no seu interior. Mas... há tantas romãs pelo mundo! Pior: você distinguiria grená de vermelho-escuro, carmim ou escarlate? Se estivesse agonizando, envenenado, e sua esposa dissesse: “No armário há o antídoto, tome rápido, está no vidro grená! Não confunda com o vermelho-escuro, pois este acelera a morte; aquele, salva”. Pronto, terminaria seus dias, tendo em vista sua incapacidade de perceber variações cromáticas. Sua vida pode depender de maior sensibilidade visual.

Você volta do Masp e tenta impressionar as colegas de escritório, com a descrição do quadro de Renoir: Rosa e Azul. A obra é emocionante! Alice e Elizabeth se diferenciam no quadro pelo tamanho distinto e pelos laços que dão nome à obra impressionista. De repente, a Helena do RH dispara: “O laço é pink, rosa mesmo, magenta ou fúcsia?”

Excesso de informações para o seu novo eu camaleão cultural. Bem, o nome do quadro anuncia rosa... É tudo o que você sabe. Rosa teria fases? A ex-ministra Damares saberia disso? Cinquenta tons de rosa podem confundir teorias de gênero, mesmo as mais generosas. “Meninas vestem fúcsia” parece estranho! Todes felizes e esparançoses com a nova escala Pantone? O mundo é sempre mais rápido do que nosso reduzido vocabulário.

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Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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