Dia do Escritor: Ignácio de Loyola Brandão enaltece o ofício de escrever

Imortal da Academia Brasileira de Letras, romancista e cronista do ''Estadão' fala sobre a profissão que abraçou

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Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Meu pai, que lia muito, tinha mil volumes em casa na década de 1940,  me disse certa vez, “não fossem os livros, meu filho, eu não aguentaria a dureza desta vida, dia a dia igual na ferrovia. A mesmice ia me enlouquecer.” Quando ele viu meu primeiro livro editado, confessou imenso prazer, “Siga em frente, não vai ser fácil, mas siga. Você entra em uma Aventura fantástica.”

Os escritores eram, então,  figuras míticas para mim, ainda que os grandes de meus tempos de juventude vivessem fechados em alguma parte, talvez nos escritórios de autarquias e ministérios, eles sobreviviam como funcionários públicos. 

O escritor e cronista do 'Estadão'Ignácio de Loyola Brandão Foto: Daniel Teixeira|Estadão

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Pode ser pretensão, mas acredito que a geração que despontou nos anos 1970 foi a que saiu para o embate, corpo a corpo, como dizia João Antonio. Desembarcamos nas faculdades, escolas,  centros acadêmicos, departamentos culturais,  praças, porões de igreja, a falar. A ditadura militar, com a censura nos levou para as ruas, para cidades em todos os cantos.

Viemos dos meios de comunicação, tornamos literária a linguagem do jornalismo, tinhamos como ídolos Hemingway e Graciliano Ramos, e suas linguagens objetivas. Buscávamos o assunto no dia a dia, na rua, no olhar pela janela. Fomos uma geração politizada. Viajávamos de trem, ônibus, jardineira, sentávamo-nos em plataformas de estações ferroviárias desativadas, em praças de alimentação de shopping centers.

Graciliano ramos, na foto ao lado de seu retrato por Portinari, influenciou Luís Bueno em 'Paradeiro' Foto: Estadão Acervo

Trazíamos o material das redações, das tevês, das agências publicitárias. Conhecíamos o leitor cara a cara, os professores eram nossos cúmplices na formação de leitores. Escrevíamos à máquina; hoje todos têm seu computador, laptop, celular, notebook. Anotávamos em cadernetinhas, hoje anota-se em celular: gravando, filmando, os meios são múltiplos. Os textos, circulam velozmente. Também acontece de as pessoas se comunicarem tanto que acabam não se comunicando.

Lê-se livros, ouve-se livros, o tablet tornou mais cômoda a leitura no avião. Mudam os meios, mas a literatura prossegue.  Há muito mais, e ponha mais nisso facilidade de se publicar do que antes. Dia do escritor. Dia do escritor devia ser todo dia, sempre há alguém com um livro à mão, seja qual for. 

O escritor Ignácio de Loyola Brandão é o próprio narrador do seu primeiro audiolivro Foto: Maria Fernanda Rodrigues/Estadão

Fiquei assombrado com a explosão da última Bienal. Havia ansiedade, sofreguidão, alegria, excitação. Vi escritores assediados como celebridades,  jovens  lotando estandes, buscando livros, jogos, quadrinhos, tudo. Poucos de nós ainda podem sobreviver com a venda de livros. Mas porque reclamar? Ganhamos com alguns exemplares, ganhamos com palestras, artigos, crônicas, lives, podcasts,  com feiras, festivais, Flips, Flipiris, Flivs, Flims, há de tudo, o tempo inteiro. Sabemos que escrever é resistir, dá prazer, traz certa angústia, mas todo amor tem essas fases.

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Prazer é ler  o texto perfeito de Machado de Assis em Dom Casmurro.  Ou o seco, enxuto, contundente de Graciliano Ramos em Vidas Secas. Ler Guimarães Rosa e sua palavras esfuziantes em  Grande Sertão,  mergulhar no estilo faulkneriano de Antonio Torres em Querida Cidade.

A poesia e contundência da linguagem das ruas e dos malandros está em Peru, Malagueta e Bacanaço, de João Antonio. Ler Erico Verissimo  em O Tempo e o Vento, a mais bela saga já escrita neste país. E penetrar na labiríntica, hermética, desafiadora, misteriosa e real Clarice Lispector em qualquer de  seus livros. Conhecer as alminhas de João Ubaldo Ribeiro em Viva o Povo Brasileiro, estonteante. E rever os amores e sexismos de Jorge Amado em Gabriela, Cravo e Canela.” E Lygia Fagundes Telles que acabou de partir? Abra  Seminário dos Ratos e As Horas Nuas, e conheça a pureza do estilo. E para estes tempos de polarização e quebra de paradigmas, vá ao  Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, penetre nos livros de Djamila Ribeiro ou Conceição Evaristo.

A escritora e filósofa Djamila Ribeiro Foto: Iara Morselli/Estadão

E essa obra-prima que subitamente corre sem parar em seu lirismo e contundência que  é Torto Arado?  Não se esqueça de Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso, atmosfera rarefeita e  penetrante. Lista infindável. Cito alguns dos livros que me construíram. E nunca esqueço a frase do poeta Paulo Bomfim em um dia em que falávamos do poder da escrita: “”Em certos momentos a vontade humana pode modificar o próprio destino.” De quem lê e de quem escreve.

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